Não deixemos que nos roubem o Evangelho

Segunda, 05 Janeiro 2015 18:59 Escrito por 
Como a missão da Igreja é evangelizar, não podemos deixar por menos nosso compromisso missionário dentro do Projeto Pessoal de Vida. Nesse sentido, Francisco nos aponta elementos desafiadores.

Na trilha do pensamento do papa Francisco, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho deparamos com o número 97. É um apelo de Francisco para que não caiamos em um mundanismo espiritual que facilmente pode nos levar a claudicar do Evangelho. Trata-se da renúncia consciente ou não do EU gerente da vida eclesial. Quer dizer, da capacidade de criar, empreender, dialogar, avançar para águas profundas, ir às fronteiras existenciais das pessoas. E tudo isso, dentro do próprio processo da Evangelização.

Como a missão da Igreja é evangelizar, pois “ela é a causa de todas as causas, porque diz respeito ao destino eterno dos homens e responde ao desígnio misterioso e misericordioso de Deus” (João Paulo II, Redemptoris Missio, 86), não podemos deixar por menos nosso compromisso missionário dentro do Projeto Pessoal de Vida. Nesse sentido, Francisco nos aponta os elementos desafiadores desse mundanismo espiritual que podem atrofiar a causa primeira da Igreja. Apresento cada um para que, na elaboração ou revisão do Projeto de Vida, cada um de nós saiba avaliar e projetar nossa ação à luz do Mistério do Reino.

Mundanismo espiritual

Há, na análise de Francisco, duas formas que se entrelaçam e reforçam o mundanismo espiritual: o fascínio do gnosticismo e o neopelagianismo autorreferencial (EG 94). No fascínio gnóstico, a pessoa se fecha na própria razão, quer dizer, na sua verdade subjetiva. Não aceita e nem busca o confronto-diálogo. Basta-se a si mesma. No neopelagianismo, a pessoa se coloca superior a todos. É um EU rígido que não se abre a ninguém e confia somente em si mesmo. Em ambos os casos, o católico elimina Jesus Cristo e o próximo. Não há espaço para a busca da verdade na interioridade da fé e muito menos o desejo de encontrar o outro, pois o outro será sempre considerado um inferno.

Formam-se assim atitudes muito marcadas, que produzem no interior da comunidade eclesial uma forma de domínio tanto pessoal como coletiva (EG 95). Francisco comenta isso de forma muito contundente:

·         O exibicionismo: carrega-se demasiado na liturgia pomposa, doutrina e prestígio da Igreja e se deixa muito aquém a inserção do Evangelho na vida do povo de Deus e nas realidades humanas concretas. A Igreja se transforma em  peça de museu e até de domínio de poucos;

·         O fascínio do poder: a preocupação por conquistas sociais e políticas, vanglória de tudo. Uma Igreja centrada sobre sua própria sede de poder, carreirismo, ciúmes e invejas. Isso leva a um estilo de vida recheado de viagens, reuniões intermináveis e improdutivas, vida social regada a banquetes e festas; enquanto a evangelização e o contato com o povo permanecem esquecidos e atrofiados;

·         O funcionalismo empresarial: a consequência dessa vida eclesial distorcida desemboca em uma Igreja alimentada por estatísticas, muitos planejamentos e avaliações. Contudo, o povo de Deus não se beneficia de nada dessa organização. Perde-se o ardor missionário e vive-se em um narcisismo doentio mergulhado em um EU autossabotador, em que se perde o gosto de viver e de evangelizar.

A Igreja assim organizada perde consideravelmente sua ação evangelizadora, que, mais que projetos expansionistas e de dominação, precisa estar a serviço do ser humano. A história da Igreja, marcada por ações heroicas de homens e mulheres que não temeram dar a vida pela causa primeira do Reino, se resfria e as novas gerações perdem o vigor apostólico. Tudo isso dá lugar a uma Igreja de aparências, anoréxica e infértil, que distorce sua própria autoimagem e morre aos poucos, sem forças para rejuvenescer porque já não tem a energia interior do Espírito e muito menos a beleza do corpo vivo com seus membros unidos à videira (1 Cor, 12).

 

Dinamismo

Como recuperar o dinamismo diante do desafio do mundanismo espiritual? Para um Projeto Pessoal de Vida cristã é fundamental estar unido à videira que é Cristo. João Paulo II, na encíclica Redemptoris Missio (A Missão de Cristo Redentor), apresenta dois elementos fundamentais: o protagonismo do Espírito Santo (RM, 21) e a Igreja a serviço do Reino de Deus (RM 12). E o Espírito opera tanto naqueles que anunciam como nos que escutam a mensagem (RM 21). Na verdade, quem nos dá o mandato missionário e nos ilumina de dentro para fora é o Espírito Santo (Mt 28,18-20; Jo 20, 21-23 passim). Portanto, é o Espírito que torna a Igreja missionária (RM 26) e capaz de vencer o egoísmo e as atitudes elencadas por Francisco.

Ainda mais, o Espírito vai onde ele quer independentemente de nós (Jo 3,8), embora conduza também a ação da Igreja. Nesse sentido, a Igreja não prega a si mesma, não se fecha na busca de poder e prestígio, mas no seguimento de Jesus Cristo ela descobre o Reino e vive o dom da salvação (RM 15-16). Por isso, não podemos separar Igreja e Reino porque ela é instrumento de comunicação do Reino que é Cristo (RM 18). Ela está a serviço desse Reino fundando comunidades, congregando o Povo de Deus, os valores evangélicos, e intercede por todos (RM 20).

É por isso que Francisco nos convoca a não deixar que nos roubem o Evangelho porque sem ele nada somos. E o fruto de que somos instrumentos comunicadores do Evangelho é o amor (1 Cor 13).

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Última modificação em Terça, 06 Janeiro 2015 08:50

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Não deixemos que nos roubem o Evangelho

Segunda, 05 Janeiro 2015 18:59 Escrito por 
Como a missão da Igreja é evangelizar, não podemos deixar por menos nosso compromisso missionário dentro do Projeto Pessoal de Vida. Nesse sentido, Francisco nos aponta elementos desafiadores.

Na trilha do pensamento do papa Francisco, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho deparamos com o número 97. É um apelo de Francisco para que não caiamos em um mundanismo espiritual que facilmente pode nos levar a claudicar do Evangelho. Trata-se da renúncia consciente ou não do EU gerente da vida eclesial. Quer dizer, da capacidade de criar, empreender, dialogar, avançar para águas profundas, ir às fronteiras existenciais das pessoas. E tudo isso, dentro do próprio processo da Evangelização.

Como a missão da Igreja é evangelizar, pois “ela é a causa de todas as causas, porque diz respeito ao destino eterno dos homens e responde ao desígnio misterioso e misericordioso de Deus” (João Paulo II, Redemptoris Missio, 86), não podemos deixar por menos nosso compromisso missionário dentro do Projeto Pessoal de Vida. Nesse sentido, Francisco nos aponta os elementos desafiadores desse mundanismo espiritual que podem atrofiar a causa primeira da Igreja. Apresento cada um para que, na elaboração ou revisão do Projeto de Vida, cada um de nós saiba avaliar e projetar nossa ação à luz do Mistério do Reino.

Mundanismo espiritual

Há, na análise de Francisco, duas formas que se entrelaçam e reforçam o mundanismo espiritual: o fascínio do gnosticismo e o neopelagianismo autorreferencial (EG 94). No fascínio gnóstico, a pessoa se fecha na própria razão, quer dizer, na sua verdade subjetiva. Não aceita e nem busca o confronto-diálogo. Basta-se a si mesma. No neopelagianismo, a pessoa se coloca superior a todos. É um EU rígido que não se abre a ninguém e confia somente em si mesmo. Em ambos os casos, o católico elimina Jesus Cristo e o próximo. Não há espaço para a busca da verdade na interioridade da fé e muito menos o desejo de encontrar o outro, pois o outro será sempre considerado um inferno.

Formam-se assim atitudes muito marcadas, que produzem no interior da comunidade eclesial uma forma de domínio tanto pessoal como coletiva (EG 95). Francisco comenta isso de forma muito contundente:

·         O exibicionismo: carrega-se demasiado na liturgia pomposa, doutrina e prestígio da Igreja e se deixa muito aquém a inserção do Evangelho na vida do povo de Deus e nas realidades humanas concretas. A Igreja se transforma em  peça de museu e até de domínio de poucos;

·         O fascínio do poder: a preocupação por conquistas sociais e políticas, vanglória de tudo. Uma Igreja centrada sobre sua própria sede de poder, carreirismo, ciúmes e invejas. Isso leva a um estilo de vida recheado de viagens, reuniões intermináveis e improdutivas, vida social regada a banquetes e festas; enquanto a evangelização e o contato com o povo permanecem esquecidos e atrofiados;

·         O funcionalismo empresarial: a consequência dessa vida eclesial distorcida desemboca em uma Igreja alimentada por estatísticas, muitos planejamentos e avaliações. Contudo, o povo de Deus não se beneficia de nada dessa organização. Perde-se o ardor missionário e vive-se em um narcisismo doentio mergulhado em um EU autossabotador, em que se perde o gosto de viver e de evangelizar.

A Igreja assim organizada perde consideravelmente sua ação evangelizadora, que, mais que projetos expansionistas e de dominação, precisa estar a serviço do ser humano. A história da Igreja, marcada por ações heroicas de homens e mulheres que não temeram dar a vida pela causa primeira do Reino, se resfria e as novas gerações perdem o vigor apostólico. Tudo isso dá lugar a uma Igreja de aparências, anoréxica e infértil, que distorce sua própria autoimagem e morre aos poucos, sem forças para rejuvenescer porque já não tem a energia interior do Espírito e muito menos a beleza do corpo vivo com seus membros unidos à videira (1 Cor, 12).

 

Dinamismo

Como recuperar o dinamismo diante do desafio do mundanismo espiritual? Para um Projeto Pessoal de Vida cristã é fundamental estar unido à videira que é Cristo. João Paulo II, na encíclica Redemptoris Missio (A Missão de Cristo Redentor), apresenta dois elementos fundamentais: o protagonismo do Espírito Santo (RM, 21) e a Igreja a serviço do Reino de Deus (RM 12). E o Espírito opera tanto naqueles que anunciam como nos que escutam a mensagem (RM 21). Na verdade, quem nos dá o mandato missionário e nos ilumina de dentro para fora é o Espírito Santo (Mt 28,18-20; Jo 20, 21-23 passim). Portanto, é o Espírito que torna a Igreja missionária (RM 26) e capaz de vencer o egoísmo e as atitudes elencadas por Francisco.

Ainda mais, o Espírito vai onde ele quer independentemente de nós (Jo 3,8), embora conduza também a ação da Igreja. Nesse sentido, a Igreja não prega a si mesma, não se fecha na busca de poder e prestígio, mas no seguimento de Jesus Cristo ela descobre o Reino e vive o dom da salvação (RM 15-16). Por isso, não podemos separar Igreja e Reino porque ela é instrumento de comunicação do Reino que é Cristo (RM 18). Ela está a serviço desse Reino fundando comunidades, congregando o Povo de Deus, os valores evangélicos, e intercede por todos (RM 20).

É por isso que Francisco nos convoca a não deixar que nos roubem o Evangelho porque sem ele nada somos. E o fruto de que somos instrumentos comunicadores do Evangelho é o amor (1 Cor 13).

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Última modificação em Terça, 06 Janeiro 2015 08:50

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