Não os deixemos jamais sozinhos

Segunda, 05 Mai 2014 21:08 Escrito por 
Não os deixemos jamais sozinhos Foto: Douglas Mansur
“Acredito que seja importante pensar a perspectiva missionária da vida como vocação a partir destas provocações deixadas pelo papa na exortação Alegria do Evangelho porque elas traçam um projeto pessoal de vida ousado”.

Na leitura atenta da Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, do papa Francisco, deparei-me com algumas expressões que chamaram minha atenção dentro da perspectiva vocacional missionária. Acredito que seja importante pensar a perspectiva missionária da vida como vocação a partir destas provocações deixadas pelo papa na exortação porque elas traçam um projeto pessoal de vida ousado. Na medida que for produzindo os artigos irei trabalhar nestas chamadas, sem, contudo, ter a pretensão de dizer tudo ou acrescentar algo ao documento, apenas alguns lampejos que ajudem a pensar a vida como vocação a partir do Evangelho vivido na mística da alegria. Esta primeira diz respeito ao processo de conversão pastoral que nos leva aos pobres.

Francisco nos alerta a ser uma “Igreja em saída”, quer dizer: a romper as estruturas que podem nos aprisionar e criar uma comodidade que nos amedronte e impeça de ir a todas as periferias, sobretudo aos pobres (n. 20). Portanto, a identidade missionária deve estar permeada de alegria, esperança e contemplação, impulsionando a Igreja a uma realidade itinerante que vai até os afastados, excluídos, aos pobres e abre, sem medo, as portas de todos os sistemas, como bem disse João Paulo II no início do seu pontificado: “Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem ‘o que é que está dentro do homem’. Somente Ele o sabe!”. É assim que o discípulo missionário contrai o cheiro das ovelhas e acompanha a todos cuidando e nutrindo com as sementes do Reino.

 

Servir ao outro

Tudo isto requer uma pastoral da conversão, ou seja, mudar e não conservar (n.25). As estruturas não podem bastar a si mesmas. Elas devem estar a serviço do dinamismo missionário; ainda mais numa realidade líquida como a nossa onde tudo se desfaz rapidamente causando mal-estar, é preciso que o discípulo missionário seja ousado, criativo e dinâmico para não perder o rumo da história e o tempo porque tudo passa, “tudo muda o tempo todo” e o Evangelho não é uma notícia a ser guardada num museu, mas no coração da humanidade que é vida. Toda vocação é um chamado de Deus para servir ao outro; e quem é o outro? É aquele que está próximo e precisa de nossa palavra, solidariedade, fraternidade. Também dele aprendemos porque na medida em que somos capazes de servir encontramos o sentido profundo de viver para os outros. O egoísta não sabe servir.

Neste sentido, afirma Francisco, a paróquia é uma estrutura ainda profética, porém, deve assumir “formas diferentes” para servir a todos (n. 28), sendo capaz de se adaptar, suscitar pessoas engajadas, dialogar com o território e mover todos a uma conversão pastoral; seja os movimentos, as pastorais, a diocese o bispo e até o papa (n.29-32). Ninguém pode se sentir alheio a este dinamismo missionário. Os pobres, na verdade, evangelizam a Igreja porque falam de uma forma de vida sem seguranças e itinerante.

 

De portas abertas

Esta Igreja “em saída” não pode fechar suas portas a ninguém, aliás, precisa abrir, escancarar a todos: “nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto defensiva” (n.45). A Igreja não pode ser controladora da graça de Deus, mergulhada num cotidiano mesquinho onde tudo parece normal. É exatamente neste processo que o papa nos chama a ser uma Igreja pobre, despojado de honrarias e poderes, e assumir os pobres como “os destinatários privilegiados do Evangelho” (n.48). O discípulo missionário não pode abandonar os pobres, eis o sentido profundo da nossa vocação.

Se é verdade que a Igreja existe para Evangelizar, sua primeira missão é anunciar a todos, sobretudo aos que a vida marcou com o selo da exclusão, a verdade que liberta. Quando chamado, o cristão se coloca em um processo de descoberta da missão que deve cumprir. E toda missão está a serviço da libertação de todo mal, de todo pecado, de toda injustiça, de todo tipo de escravidão. Na medida em que nossa resposta missionária se compromete com o mundo dos excluídos, mais ainda nos sentiremos corajosos para responder aos apelos de Deus.

É na medida da nossa conversão e resposta generosa que podemos entender o que Deus realiza dentro de nós, queimando tudo que é pecado e purificando nossa vida no fogo do Espírito, como bem ensinava Santa Catarina de Genova: “O purgatório não é como um elemento da paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Este é o purgatório, um fogo interior”. A santa fala do caminho de purificação da alma, rumo à plena comunhão com Deus, a partir da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em relação ao amor infinito de Deus (Catequese de Bento XVI sobre Santa Catarina de Genova, 12/01/2011. cf. Vida admirável, 171v). Este fogo interior pode ser traduzido nesta pastoral da conversão que nos lança ao outro, deixando nossas amarguras e ações egocêntricas para descobrir o irmão que sofre.

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Não os deixemos jamais sozinhos

Segunda, 05 Mai 2014 21:08 Escrito por 
Não os deixemos jamais sozinhos Foto: Douglas Mansur
“Acredito que seja importante pensar a perspectiva missionária da vida como vocação a partir destas provocações deixadas pelo papa na exortação Alegria do Evangelho porque elas traçam um projeto pessoal de vida ousado”.

Na leitura atenta da Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, do papa Francisco, deparei-me com algumas expressões que chamaram minha atenção dentro da perspectiva vocacional missionária. Acredito que seja importante pensar a perspectiva missionária da vida como vocação a partir destas provocações deixadas pelo papa na exortação porque elas traçam um projeto pessoal de vida ousado. Na medida que for produzindo os artigos irei trabalhar nestas chamadas, sem, contudo, ter a pretensão de dizer tudo ou acrescentar algo ao documento, apenas alguns lampejos que ajudem a pensar a vida como vocação a partir do Evangelho vivido na mística da alegria. Esta primeira diz respeito ao processo de conversão pastoral que nos leva aos pobres.

Francisco nos alerta a ser uma “Igreja em saída”, quer dizer: a romper as estruturas que podem nos aprisionar e criar uma comodidade que nos amedronte e impeça de ir a todas as periferias, sobretudo aos pobres (n. 20). Portanto, a identidade missionária deve estar permeada de alegria, esperança e contemplação, impulsionando a Igreja a uma realidade itinerante que vai até os afastados, excluídos, aos pobres e abre, sem medo, as portas de todos os sistemas, como bem disse João Paulo II no início do seu pontificado: “Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem ‘o que é que está dentro do homem’. Somente Ele o sabe!”. É assim que o discípulo missionário contrai o cheiro das ovelhas e acompanha a todos cuidando e nutrindo com as sementes do Reino.

 

Servir ao outro

Tudo isto requer uma pastoral da conversão, ou seja, mudar e não conservar (n.25). As estruturas não podem bastar a si mesmas. Elas devem estar a serviço do dinamismo missionário; ainda mais numa realidade líquida como a nossa onde tudo se desfaz rapidamente causando mal-estar, é preciso que o discípulo missionário seja ousado, criativo e dinâmico para não perder o rumo da história e o tempo porque tudo passa, “tudo muda o tempo todo” e o Evangelho não é uma notícia a ser guardada num museu, mas no coração da humanidade que é vida. Toda vocação é um chamado de Deus para servir ao outro; e quem é o outro? É aquele que está próximo e precisa de nossa palavra, solidariedade, fraternidade. Também dele aprendemos porque na medida em que somos capazes de servir encontramos o sentido profundo de viver para os outros. O egoísta não sabe servir.

Neste sentido, afirma Francisco, a paróquia é uma estrutura ainda profética, porém, deve assumir “formas diferentes” para servir a todos (n. 28), sendo capaz de se adaptar, suscitar pessoas engajadas, dialogar com o território e mover todos a uma conversão pastoral; seja os movimentos, as pastorais, a diocese o bispo e até o papa (n.29-32). Ninguém pode se sentir alheio a este dinamismo missionário. Os pobres, na verdade, evangelizam a Igreja porque falam de uma forma de vida sem seguranças e itinerante.

 

De portas abertas

Esta Igreja “em saída” não pode fechar suas portas a ninguém, aliás, precisa abrir, escancarar a todos: “nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto defensiva” (n.45). A Igreja não pode ser controladora da graça de Deus, mergulhada num cotidiano mesquinho onde tudo parece normal. É exatamente neste processo que o papa nos chama a ser uma Igreja pobre, despojado de honrarias e poderes, e assumir os pobres como “os destinatários privilegiados do Evangelho” (n.48). O discípulo missionário não pode abandonar os pobres, eis o sentido profundo da nossa vocação.

Se é verdade que a Igreja existe para Evangelizar, sua primeira missão é anunciar a todos, sobretudo aos que a vida marcou com o selo da exclusão, a verdade que liberta. Quando chamado, o cristão se coloca em um processo de descoberta da missão que deve cumprir. E toda missão está a serviço da libertação de todo mal, de todo pecado, de toda injustiça, de todo tipo de escravidão. Na medida em que nossa resposta missionária se compromete com o mundo dos excluídos, mais ainda nos sentiremos corajosos para responder aos apelos de Deus.

É na medida da nossa conversão e resposta generosa que podemos entender o que Deus realiza dentro de nós, queimando tudo que é pecado e purificando nossa vida no fogo do Espírito, como bem ensinava Santa Catarina de Genova: “O purgatório não é como um elemento da paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Este é o purgatório, um fogo interior”. A santa fala do caminho de purificação da alma, rumo à plena comunhão com Deus, a partir da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em relação ao amor infinito de Deus (Catequese de Bento XVI sobre Santa Catarina de Genova, 12/01/2011. cf. Vida admirável, 171v). Este fogo interior pode ser traduzido nesta pastoral da conversão que nos lança ao outro, deixando nossas amarguras e ações egocêntricas para descobrir o irmão que sofre.

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