Humildade, sim! Humilhação, nunca!

Terça, 17 Mai 2016 20:46 Escrito por 
Um dos temas mais difíceis de serem enfrentados em educação é o que diz respeito aos castigos. Ainda hoje, vez por outra, a sociedade é despertada para ele.

Dom Bosco, grande inspirador da Família Salesiana, trabalhou e conviveu com jovens pobres, órfãos, distantes de sua localidade de origem e longe de seus pais. Centenas e centenas deles moraram na sua casa em Turim, no bairro de Valdocco e também conviveram com os salesianos nas diversas casas que Dom Bosco ia fundando para acolhê-los.

Um dos temas mais difíceis de serem enfrentados em educação é o que diz respeito aos castigos. Ainda hoje, vez por outra, a sociedade é despertada para ele. Quem não escutou sobre a famosa lei da palmada. “Um tapinha não dói.” Dom Bosco não se omitiu de abordá-lo. Para tanto até escreveu uma carta circular aos seus salesianos sobre esse assunto em 28 de janeiro de 1883.

 

Circular sobre os castigos

Vamos percorrer alguns de seus conselhos e considerações.

1.                  É preciso uma opção de fundo: repressão ou prevenção? Em tudo, persuasão e caridade. É melhor prevenir do que remediar.

2.                  O próprio culpado é que se condena a si próprio.

3.                  “Se não estivesse irado, bateria em você”. Escolher o momento oportuno. Nunca com paixão. A paixão sozinha nos faz perder a razão e o controle emocional.

4.                  Em casos mais extremos, recorrer a outras pessoas que têm mais ascendência sobre a criança, o adolescente e o jovem.

5.                  Nunca apliqueis castigos senão depois de esgotados todos os outros meios. Castigo é o último recurso.

6.                  Jamais castigos físicos. Isto não significa impunidade. É castigo o que consideramos como castigo.

7.                  Nunca repreender ninguém em público a não ser para impedir ou reparar um escândalo.

8.                  Santo temor de Deus. Um jovem que tem Deus no coração tem grandes horizontes e também sabe propor limites a si próprio. Nem tudo é proibido e também nem tudo é permitido.

 

Não com pancadas, João Bosco!

Na famosa circular, ele propõe Jesus Cristo como exemplo também nos castigos: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. No seu relacionamento com as novas gerações, Dom Bosco acentuou mais a dimensão da paternidade que a da fraternidade. O educador é pai para seus educandos. “Uma vez que são nossos filhos, evitemos toda a ira, quando tenhamos de castigar as suas faltas ou ao menos moderemo-la, de maneira que pareça inteiramente dominada”. Por isso, no seu sistema preventivo ele sabia conjugar muito bem a religião, a razão e a emoção.

Como educador cristão, que faz brotar sua missão do Evangelho de Jesus, ele afirma: “Tornemo-nos amáveis, insinuemos o sentimento do dever e do santo temor de Deus, e veremos, como por encanto, franquearem-se as portas de tantos corações, unindo-se a nós para cantar os louvores e as bênçãos d’Aquele que quis tornar-se nosso modelo, nossa vida, nosso exemplo em tudo, mas especialmente na educação da juventude”.

O título deste nosso artigo é bastante sugestivo. Humildade, sim! Humilhação, nunca! As medidas repressivas impostas dentro da lei são necessárias, mas não suficientes. A marginalidade não se vence apenas aplicando a lei. A violência não é questão de repressão, mas de educação. O juiz de Fiscalização dos Presídios da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e da Região Metropolitana afirmou que “a maioria dos presos do Presídio Central são evadidos do Ensino Fundamental. A maior parte desistiu de estudar na 5ª e 6ª séries. Cada ano a mais de estudo representa uma diminuição de 10% na quantidade de presos”.

 

Acreditar na pessoa

Pior ainda: quando são presos encontram uma sociedade agressiva sem desejo de recuperação, mas apenas de vingança. Passam por humilhações as mais diversas. A humilhação e a culpa não recuperam ninguém, apenas ajudam a extravasar ímpetos incontroláveis. Diante do mal, do pecado e do erro a humilhação não é alternativa. A humildade, sim. Reconhecer nossa pequenez para enfrentar a reeducação das pessoas e, ao mesmo tempo, acreditar nas forças interiores e na força do ambiente para esta reeducação. A humilhação suscita na pessoa os piores sentimentos de vingança e de revolta.

Assim fez Dom Bosco. Assim acreditamos e tentamos fazer nós também... A pessoa, se não sofrer de alguma doença psicológica crônica, por pior que seja, sempre mantém a chama da racionalidade. Uma pessoa condenada, se não estiver convencida de seu erro e, portanto, da necessidade de ser castigada, dificilmente enfrentará o caminho da reeducação e da ressocialização. Os justiceiros de plantão sempre existirão. É importante, porém, na outra ponta, existirem pessoas que acreditam na força da pessoa. Dom Bosco dizia também: “Em todo jovem, mesmo no mais infeliz, há um ponto acessível ao bem e a primeira obrigação do educador é buscar esse ponto, essa corda sensível do coração, e tirar bom proveito”.

 

Dom Bosco e as soluções preventivas

Em geral as pessoas que gostam de impor castigo, exclusão e humilhação aos outros o fazem porque se consideram superiores e perfeitas. Pessoas cobertas de razão são as mais propícias a soluções radicais: pena de morte, linchamento, abandono, maus tratos... Saber conjugar os contrários é uma arte de sabedoria: firmeza e doçura, castigo e caridade, exigência e bondade... Este é o caminho de Dom Bosco. O padre Broccardo, salesiano que muito escreveu sobre Dom Bosco, assim fala dele: “Dom Bosco era ao mesmo tempo, alegre e austero, franco e respeitoso, preciso e de espírito livre, humilde e magnânimo, tenaz e flexível, tradicional e moderno, otimista e previdente, diplomático e sincero, pobre e caridoso. Sabia conquistar a amizade do adversário, mas não renunciava a seus princípios. Dinâmico sem extroversão, cheio de coragem, mas não temerário, fazia convergir tudo para as suas finalidades, sem manipular as pessoas. Avançava com o mundo, mas não era do mundo”.

Ter ideias e convicções preventivas em pleno século XIX, quando prosperavam as soluções repressivas, é de uma coragem imensa. Agradecemos a Deus a convicção de Dom Bosco e continuamos, como Família Salesiana, lutando e promovendo quem, muitas vezes, não encontra mais ninguém que lhe dê a mão e acredite num futuro mais digno e mais integrado na sociedade.

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Humildade, sim! Humilhação, nunca!

Terça, 17 Mai 2016 20:46 Escrito por 
Um dos temas mais difíceis de serem enfrentados em educação é o que diz respeito aos castigos. Ainda hoje, vez por outra, a sociedade é despertada para ele.

Dom Bosco, grande inspirador da Família Salesiana, trabalhou e conviveu com jovens pobres, órfãos, distantes de sua localidade de origem e longe de seus pais. Centenas e centenas deles moraram na sua casa em Turim, no bairro de Valdocco e também conviveram com os salesianos nas diversas casas que Dom Bosco ia fundando para acolhê-los.

Um dos temas mais difíceis de serem enfrentados em educação é o que diz respeito aos castigos. Ainda hoje, vez por outra, a sociedade é despertada para ele. Quem não escutou sobre a famosa lei da palmada. “Um tapinha não dói.” Dom Bosco não se omitiu de abordá-lo. Para tanto até escreveu uma carta circular aos seus salesianos sobre esse assunto em 28 de janeiro de 1883.

 

Circular sobre os castigos

Vamos percorrer alguns de seus conselhos e considerações.

1.                  É preciso uma opção de fundo: repressão ou prevenção? Em tudo, persuasão e caridade. É melhor prevenir do que remediar.

2.                  O próprio culpado é que se condena a si próprio.

3.                  “Se não estivesse irado, bateria em você”. Escolher o momento oportuno. Nunca com paixão. A paixão sozinha nos faz perder a razão e o controle emocional.

4.                  Em casos mais extremos, recorrer a outras pessoas que têm mais ascendência sobre a criança, o adolescente e o jovem.

5.                  Nunca apliqueis castigos senão depois de esgotados todos os outros meios. Castigo é o último recurso.

6.                  Jamais castigos físicos. Isto não significa impunidade. É castigo o que consideramos como castigo.

7.                  Nunca repreender ninguém em público a não ser para impedir ou reparar um escândalo.

8.                  Santo temor de Deus. Um jovem que tem Deus no coração tem grandes horizontes e também sabe propor limites a si próprio. Nem tudo é proibido e também nem tudo é permitido.

 

Não com pancadas, João Bosco!

Na famosa circular, ele propõe Jesus Cristo como exemplo também nos castigos: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. No seu relacionamento com as novas gerações, Dom Bosco acentuou mais a dimensão da paternidade que a da fraternidade. O educador é pai para seus educandos. “Uma vez que são nossos filhos, evitemos toda a ira, quando tenhamos de castigar as suas faltas ou ao menos moderemo-la, de maneira que pareça inteiramente dominada”. Por isso, no seu sistema preventivo ele sabia conjugar muito bem a religião, a razão e a emoção.

Como educador cristão, que faz brotar sua missão do Evangelho de Jesus, ele afirma: “Tornemo-nos amáveis, insinuemos o sentimento do dever e do santo temor de Deus, e veremos, como por encanto, franquearem-se as portas de tantos corações, unindo-se a nós para cantar os louvores e as bênçãos d’Aquele que quis tornar-se nosso modelo, nossa vida, nosso exemplo em tudo, mas especialmente na educação da juventude”.

O título deste nosso artigo é bastante sugestivo. Humildade, sim! Humilhação, nunca! As medidas repressivas impostas dentro da lei são necessárias, mas não suficientes. A marginalidade não se vence apenas aplicando a lei. A violência não é questão de repressão, mas de educação. O juiz de Fiscalização dos Presídios da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e da Região Metropolitana afirmou que “a maioria dos presos do Presídio Central são evadidos do Ensino Fundamental. A maior parte desistiu de estudar na 5ª e 6ª séries. Cada ano a mais de estudo representa uma diminuição de 10% na quantidade de presos”.

 

Acreditar na pessoa

Pior ainda: quando são presos encontram uma sociedade agressiva sem desejo de recuperação, mas apenas de vingança. Passam por humilhações as mais diversas. A humilhação e a culpa não recuperam ninguém, apenas ajudam a extravasar ímpetos incontroláveis. Diante do mal, do pecado e do erro a humilhação não é alternativa. A humildade, sim. Reconhecer nossa pequenez para enfrentar a reeducação das pessoas e, ao mesmo tempo, acreditar nas forças interiores e na força do ambiente para esta reeducação. A humilhação suscita na pessoa os piores sentimentos de vingança e de revolta.

Assim fez Dom Bosco. Assim acreditamos e tentamos fazer nós também... A pessoa, se não sofrer de alguma doença psicológica crônica, por pior que seja, sempre mantém a chama da racionalidade. Uma pessoa condenada, se não estiver convencida de seu erro e, portanto, da necessidade de ser castigada, dificilmente enfrentará o caminho da reeducação e da ressocialização. Os justiceiros de plantão sempre existirão. É importante, porém, na outra ponta, existirem pessoas que acreditam na força da pessoa. Dom Bosco dizia também: “Em todo jovem, mesmo no mais infeliz, há um ponto acessível ao bem e a primeira obrigação do educador é buscar esse ponto, essa corda sensível do coração, e tirar bom proveito”.

 

Dom Bosco e as soluções preventivas

Em geral as pessoas que gostam de impor castigo, exclusão e humilhação aos outros o fazem porque se consideram superiores e perfeitas. Pessoas cobertas de razão são as mais propícias a soluções radicais: pena de morte, linchamento, abandono, maus tratos... Saber conjugar os contrários é uma arte de sabedoria: firmeza e doçura, castigo e caridade, exigência e bondade... Este é o caminho de Dom Bosco. O padre Broccardo, salesiano que muito escreveu sobre Dom Bosco, assim fala dele: “Dom Bosco era ao mesmo tempo, alegre e austero, franco e respeitoso, preciso e de espírito livre, humilde e magnânimo, tenaz e flexível, tradicional e moderno, otimista e previdente, diplomático e sincero, pobre e caridoso. Sabia conquistar a amizade do adversário, mas não renunciava a seus princípios. Dinâmico sem extroversão, cheio de coragem, mas não temerário, fazia convergir tudo para as suas finalidades, sem manipular as pessoas. Avançava com o mundo, mas não era do mundo”.

Ter ideias e convicções preventivas em pleno século XIX, quando prosperavam as soluções repressivas, é de uma coragem imensa. Agradecemos a Deus a convicção de Dom Bosco e continuamos, como Família Salesiana, lutando e promovendo quem, muitas vezes, não encontra mais ninguém que lhe dê a mão e acredite num futuro mais digno e mais integrado na sociedade.

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