Papa Francisco e a encíclica Laudato Si

Sábado, 16 Janeiro 2016 21:42 Escrito por 
Papa Francisco lançou dois grandes documentos. Um mais para o público interno da Igreja chamado de Exortação Apostólica Evangelii Gaudium e outro mais abrangente, a Encíclica Laudato Si (Louvado Seja).

O Papa Francisco não se coloca entre os que, otimistas demais, não enxergam a realidade e os que, pessimistas demais, não enxergam possibilidade de mudança nos rumos ecológicos do planeta. Ele condena os que negam ou são indiferentes diante do problema, os que se acomodam e se resignam, os que colocam confiança cega nas soluções técnicas, as testemunhas mudas, o comportamento evasivo, a crueldade diante do que acontece com o meio ambiente e, também, os que vivem fazendo previsões catastróficas. O Papa propõe uma corresponsabilidade global de todas as pessoas de boa vontade.

 

Desafio complexo

O maior inimigo da ecologia é a visão unidimensional do mundo. Não se pode olhar o mundo apenas com um olhar, por exemplo, o econômico, o lucro. O mundo não foi criado para ser usado. Ele foi criado, sobretudo, para ser amado, partilhado, admirado. Ele não é um objeto de investigação científica. Nem tudo o que se pode fazer, se deve fazer. Há intervenções científicas e tecnológicas que podem ser feitas, mas que não devem ser feitas. Há uma ecologia integral, uma vez que tudo está interligado. A técnica separada da ética dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder.

Neste sentido, nem o mercado e nem a técnica podem se transformar em regra absoluta. A natureza não é objeto de lucro.

O Papa alerta para a necessidade de uma mudança de estilo de vida, de produção e de consumo. Não se pode reduzir tudo a uma lógica eficientista e imediatista. Se isto acontecer, quem mais vai sofrer são os países mais pobres. Na linha da sua proteção é necessário um decréscimo no consumo para que todos possam consumir.

Até quando é possível suportar ecológica e humanamente que, por exemplo, uma criança norte-americana consuma durante a sua vida o que consomem duas crianças suecas, três italianas, 13 brasileiras, 35 indianas, 280 haitianas? Cerca de 20% da população mundial consome 80% dos recursos produzidos no planeta, enquanto o restante sobrevive com as migalhas.

 

Ecologia e pobreza

A degradação ambiental é causada pela degradação humana e social... A degradação ambiental é fruto de uma degradação humana e ética. Há uma relação entre natureza e a sociedade que a habita. Não há duas crises separadas: a ambiental e a social. Também porque há uma ecologia humana...

“Quando na própria realidade não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência, só para dar alguns exemplos, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza” (117). “Não se pode propor uma relação com o ambiente prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus” (119).

O Papa faz uma crítica muito forte ao antropocentrismo, que significa transformar tudo em objeto para satisfazer as necessidades e os caprichos humanos. “A Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas” (68). Quando morre uma espécie na natureza é um empobrecimento também para a pessoa humana. As coisas não existem para a pessoa humana, elas existem com a pessoa humana. Ela ocupa um lugar de destaque na criação porque tem liberdade, vontade e responsabilidade.

 

Dívida ecológica

Todos temos responsabilidades, mas os países ricos têm mais responsabilidades, por exemplo, na questão da mudança climática. Há uma dívida ecológica dos países mais ricos em relação aos mais pobres. Muito desenvolvimento dos países do norte foi feito às custas de grandes desastres ecológicos em países do sul.

As soluções são globais e não apenas de acordo com os interesses de alguns países... É preciso que todos se preocupem com a transição energética dos combustíveis fósseis para outros menos poluentes, com a governança dos oceanos. O Papa chega a afirmar que a humanidade pós-industrial é uma das mais irresponsáveis da história. “As negociações internacionais não podem avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global” (169).

Há uma justiça intergeracional. Esta geração precisa comprometer-se, eticamente, com as próximas gerações. Toda pessoa que pôs um filho ou filha no mundo precisa preocupar-se mais com a ecologia. “A terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder” (160).

Comprar é um ato moral para além do econômico. “Verifica-se isto quando os movimentos de consumidores conseguem que se deixe de adquirir determinados produtos e assim se tornam eficazes na mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção” (206). Neste sentido, todos podemos exercer papel ativo na sustentabilidade de nosso mundo.

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Papa Francisco e a encíclica Laudato Si

Sábado, 16 Janeiro 2016 21:42 Escrito por 
Papa Francisco lançou dois grandes documentos. Um mais para o público interno da Igreja chamado de Exortação Apostólica Evangelii Gaudium e outro mais abrangente, a Encíclica Laudato Si (Louvado Seja).

O Papa Francisco não se coloca entre os que, otimistas demais, não enxergam a realidade e os que, pessimistas demais, não enxergam possibilidade de mudança nos rumos ecológicos do planeta. Ele condena os que negam ou são indiferentes diante do problema, os que se acomodam e se resignam, os que colocam confiança cega nas soluções técnicas, as testemunhas mudas, o comportamento evasivo, a crueldade diante do que acontece com o meio ambiente e, também, os que vivem fazendo previsões catastróficas. O Papa propõe uma corresponsabilidade global de todas as pessoas de boa vontade.

 

Desafio complexo

O maior inimigo da ecologia é a visão unidimensional do mundo. Não se pode olhar o mundo apenas com um olhar, por exemplo, o econômico, o lucro. O mundo não foi criado para ser usado. Ele foi criado, sobretudo, para ser amado, partilhado, admirado. Ele não é um objeto de investigação científica. Nem tudo o que se pode fazer, se deve fazer. Há intervenções científicas e tecnológicas que podem ser feitas, mas que não devem ser feitas. Há uma ecologia integral, uma vez que tudo está interligado. A técnica separada da ética dificilmente será capaz de autolimitar o seu poder.

Neste sentido, nem o mercado e nem a técnica podem se transformar em regra absoluta. A natureza não é objeto de lucro.

O Papa alerta para a necessidade de uma mudança de estilo de vida, de produção e de consumo. Não se pode reduzir tudo a uma lógica eficientista e imediatista. Se isto acontecer, quem mais vai sofrer são os países mais pobres. Na linha da sua proteção é necessário um decréscimo no consumo para que todos possam consumir.

Até quando é possível suportar ecológica e humanamente que, por exemplo, uma criança norte-americana consuma durante a sua vida o que consomem duas crianças suecas, três italianas, 13 brasileiras, 35 indianas, 280 haitianas? Cerca de 20% da população mundial consome 80% dos recursos produzidos no planeta, enquanto o restante sobrevive com as migalhas.

 

Ecologia e pobreza

A degradação ambiental é causada pela degradação humana e social... A degradação ambiental é fruto de uma degradação humana e ética. Há uma relação entre natureza e a sociedade que a habita. Não há duas crises separadas: a ambiental e a social. Também porque há uma ecologia humana...

“Quando na própria realidade não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência, só para dar alguns exemplos, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza” (117). “Não se pode propor uma relação com o ambiente prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus” (119).

O Papa faz uma crítica muito forte ao antropocentrismo, que significa transformar tudo em objeto para satisfazer as necessidades e os caprichos humanos. “A Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas” (68). Quando morre uma espécie na natureza é um empobrecimento também para a pessoa humana. As coisas não existem para a pessoa humana, elas existem com a pessoa humana. Ela ocupa um lugar de destaque na criação porque tem liberdade, vontade e responsabilidade.

 

Dívida ecológica

Todos temos responsabilidades, mas os países ricos têm mais responsabilidades, por exemplo, na questão da mudança climática. Há uma dívida ecológica dos países mais ricos em relação aos mais pobres. Muito desenvolvimento dos países do norte foi feito às custas de grandes desastres ecológicos em países do sul.

As soluções são globais e não apenas de acordo com os interesses de alguns países... É preciso que todos se preocupem com a transição energética dos combustíveis fósseis para outros menos poluentes, com a governança dos oceanos. O Papa chega a afirmar que a humanidade pós-industrial é uma das mais irresponsáveis da história. “As negociações internacionais não podem avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global” (169).

Há uma justiça intergeracional. Esta geração precisa comprometer-se, eticamente, com as próximas gerações. Toda pessoa que pôs um filho ou filha no mundo precisa preocupar-se mais com a ecologia. “A terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder” (160).

Comprar é um ato moral para além do econômico. “Verifica-se isto quando os movimentos de consumidores conseguem que se deixe de adquirir determinados produtos e assim se tornam eficazes na mudança do comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção” (206). Neste sentido, todos podemos exercer papel ativo na sustentabilidade de nosso mundo.

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