Boletim Salesiano - Você foi educando da Obra Social Salesiana de São Carlos. Em que período foi isso e como você chegou à entidade?
Júlio César Francisco - Eu morei em abrigos desde muito novo, quando era criança, em meados dos anos 1990. A maioria desses abrigos tinha um ambiente construído ainda para trancafiar e corrigir o desvio da conduta de menores abandonados, moradores de rua e favelados. O Ambiente, como é de se imaginar, era muito ruim, devido a carência de educadores formados e que manifestassem em seu trabalho um amor para com a criança institucionalizada. Na maioria dos abrigos pelos quais passei quase não havia acesso à rua e à vida comunitária. A sensação era a de que as pessoas e os próprios administradores das instituições tinham medo da nossa convivência social.
Aos 12 anos eu fugi e fiquei morando na rua por três meses. Senti frio, fome e insegurança. É muito ruim ser criança e não ter algo para comer, uma cama para dormir, pessoas boas para te aconselhar. Morando na rua fui pego pelo conselho tutelar e encaminhado ao juiz, que determinou meu acolhimento no Salesianos de São Carlos. Confesso que antes de chegar no abrigo a ideia era fugir. Mas vi que não tinha motivos: não havia grades, eu tinha a liberdade de sair, ir para a escola, fazer cursos e depois voltar para o abrigo que era uma casa grande e bonita no meio do bairro, com cores claras e alegres, sala de jogos, ambiente limpo e acolhedor.
O diretor aí era um padre bom, divertido e muito exigente quando se tratava de realizar os afazeres. O nome desse educador eu não esqueci e por ele tenho um carinho e amizade especial até hoje, é o padre Agnaldo Soares Lima. A aprendizagem desenvolvida na Obra Social Salesiana em São Carlos, de 2002 até 2007, ajudou-me a ter condições de acessar o ensino superior em uma universidade pública federal.
BS - Qual foi o tema do seu TCC?
Júlio - O meu Trabalho de Conclusão de Curso, realizado para obtenção do título de Pedagogo, na Universidade Federal de São Carlos foi resultado do projeto de pesquisa “A Educação Escolar e o Processo de Marginalização dos Atendidos pela Fundação Casa da Região de Sorocaba-SP”, financiado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Francisco Martins no período de 1º de janeiro de 2012 até 30 de dezembro de 2013.
Os resultados da pesquisa permitiram identificar os motivos que levam adolescentes a se envolverem com atos infracionais, a relação entre a situação escolar vivida pelos adolescentes e o envolvimento com atos infracionais e o processo “disciplinar”-educativo vivido por eles no interior da Fundação Casa em Sorocaba.
Temos hoje o envolvimento de um número cada vez maior de adolescentes com atos infracionais e eu quis pesquisar isso. Esse tema também tem uma justificativa pessoal, pois remete à minha experiência de vida na rua e em abrigos. Pretendo estudar teorias e fundamentos educativos que ocorrem em espaços fora da escola, em movimentos sociais, educação de rua, sistema prisional e medidas socioeducativas.
BS - Qual é para você a importância do Sistema Preventivo e da proposta pedagógica de Dom Bosco para a educação dos jovens que cumprem medidas socioeducativas?
Júlio - O Sistema Preventivo tem contribuições que são singulares nos dias atuais. De maneira mais contundente na relação entre educador e educando, em que se percebem valores e ações pautados na amizade, na razão, na confiança, na bondade e na espiritualidade. Dom Bosco já dizia que não basta que os jovens sejam amados, mas é importante que eles se sintam amados, acolhidos e respeitados em seu processo educativo e de redirecionamento social. No processo de desenvolvimento social, cultural e psicológico do adolescente é fundamental o caráter preventivo do Sistema de Dom Bosco no que tange à delinquência. Isto não por vias do castigo, da manipulação e do medo, mas sim por um processo que educa pelo respeito à dignidade humana e promove a formação de jovens honestos, bondosos e responsáveis. A grande importância do Sistema Preventivo reside na relação de afeto e confiança no jovem. Com vínculos fortalecidos por uma relação honesta de amizade, o educador será uma referência positiva e conseguirá mais facilmente desenvolver atividades de inclusão social pelo trabalho e/ou pelos estudos. O método de Dom Bosco alimenta a esperança no coração do jovem quanto ao futuro.
BS - Quais são os seus projetos agora? Você já iniciou outra pesquisa?
Júlio - Sim, uma pesquisa com adolescentes do município de Sorocaba, SP: “Educação Não Escolar de Adolescentes em Liberdade Assistida: uma análise da prática educativa desenvolvida pelo Núcleo de Acolhimento Integrado de Sorocaba – NAIS”. O meu compromisso futuro é ingressar no mestrado em educação em 2015.
BS - Qual seria a sua mensagem para os adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas hoje?
Júlio - Que, em meio à adversidade, ele acredite no seu potencial e que se esforce, tenha foco, determinação, busque desenvolver suas capacidades e realizar seus objetivos sempre com honestidade, companheirismo e bondade.
BS - E para os educadores das obras sociais salesianas, você poderia enviar uma mensagem também?
Júlio - Que o educador possa ser referência de amizade, afeto, solidariedade, confiança, incentivo, sobretudo naqueles momentos mais difíceis, e que busque a inclusão do adolescente na vida comunitária, no trabalho, na escola e em cursos, com vistas a oferecer espaços para que o jovem possa desenvolver suas potencialidades e ser protagonista de sua própria história.