Sociedade em mudanças
Dentro da concepção neoliberal, o mercado passa a ser o centro e exercer uma função ideológica, política, psicológica, social e religiosa. O caminho único apresentado para se “salvar” é o de ajustar-se plenamente às exigências mercadológicas. Esta forma de organizar a vida leva a uma crise de sentido, pois concentra as potencialidades humanas basicamente no ter, opção que corrói a identidade individual e coletiva, como também dificulta a construção de relações saudáveis. Esse modelo fundamentado nos desejos consumistas se sobrepõe às necessidades e, por isso, gera uma crise de projetos alternativos, massas excluídas, desencantamento, destruição do planeta, individualismo, fragmentação da identidade.
Essas mudanças que ocorrem em um processo muito acelerado esvaziam as instituições que eram a base de organização da sociedade brasileira, dentre outras, destacam-se especialmente a família e a escola.
- Família– Na sociedade, a família era aquela que definia os traços da personalidade por meio da educação passada pelos pais, irmãos ou mesmo por outros parentes. Uma função primordial da família era introduzir os novos membros no convívio social. O que se percebe na atualidade é que essa função escapou das mãos da família e, em grande parte, a educação e a socialização são feitas por pessoas alheias ao grupo familiar. Essa realidade acarreta muitos problemas, pois as regras de conduta social propostas pelos novos “formadores” estão alheias aos interesses dos próprios iniciados.
- Escola – Em muitas regiões do país, a escola ocupou lugar de destaque, pois em torno dela se dava grande parte da transmissão dos saberes e das relações sociais. O saber acumulado era do domínio da escola, e cabia essencialmente a ela passar aquilo que a sociedade considerava muito importante para a organização e desenvolvimento da vida. Na atualidade constata-se uma ampliação dos espaços culturais onde a transmissão dos saberes não passa, necessariamente, pelos espaços escolares. É fundamental recolocar a importância dessa instituição para ampliação da personalidade, pois é na escola que os alunos encontram novos referenciais, e com isso podem assimilar novos valores para construir sua personalidade.
Referenciais para a formação das juventudes
A formação do caráter é o resultado do acesso de cada indivíduo a múltiplos referenciais que possibilitam a assimilação de elementos para a construção do seu ser. Inúmeras áreas do conhecimento reconhecem que não há outra forma de tornar-se humano a não ser por meio de referenciais a partir dos quais possam adotar padrões de conduta e de organização da vida. Os referenciais possibilitam o desenvolvimento permanente das potencialidades humanas, pois dinamizam o processo de adoção de novos saberes, ativam o processo de experimentação no cotidiano e abrem possibilidades para a criação de novos padrões culturais.
Como já fora analisado anteriormente, a família e a escola são os espaços por excelência para a construção da identidade individual e coletiva, por isso têm a responsabilidade de oferecer referenciais éticos que atuem na defesa das diferentes formas de vida e de inclusão de todos na sociedade. As crianças, adolescentes e jovens necessitam de referenciais significativos para prosseguir respondendo aos desafios de cada momento e contexto histórico e para que assim, permanentemente, possam construir seu jeito de ser e de estar no mundo.
Quando se coloca a questão dos referenciais na atualidade, é possível observar que os seres humanos, em grande parte, estão perplexos com os modelos apresentados. Isto porque esses “modelos” são revestidos de uma auréola sagrada que inviabiliza a construção da identidade segundo os padrões por eles apresentados. Padrões financeiros e estéticos que desencadeiam a moda, consumo e fama, que são inatingíveis pela grande maioria dos “mortais”. A sobrevivência desses “modelos” depende da capacidade de satisfazerem os interesses de seus “donos”. Isto atenta contra a liberdade, pois os parâmetros de conduta são estipulados por interesses alheios, especialmente por aqueles que se arrogam o direito de dirigirem e controlarem o agir do outro.
Delegar a outros a definição dos rumos da vida cria, sem dúvida, um desencanto graças à manipulação e massificação. É impossível construir uma sociedade saudável e inclusiva se os parâmetros norteadores da vida e da organização social forem impostos e, consequentemente, tirarem a possibilidade de cada indivíduo fazer escolhas para construir a própria autonomia.
O campo social é um campo de lutas no qual sempre estão em jogo múltiplos interesses. Cabe aos processos educativos - sejam eles familiares, escolares ou eclesiais -, auxiliar na decodificação das forças sociais que favorecem a inclusão e das que comprometem a vida. Por isso, os processos educativos, além de proporcionarem o sentido de pertença por meio da construção da identidade, devem também desenvolver a concepção de que não é possível conviver socialmente sem o estabelecimento de limites que norteiem as condutas sociais.
Sem referenciais não há como construir a identidade humana. A liderança dos referenciais não se concentra em alguém que define a priori o que os outros devem ou não fazer; mas naquele que viveu uma experiência significativa maior na vida, e ainda está em busca. É necessário que essa pessoa veja além do senso comum, que sonhe, acredite e viabilize caminhos alternativos. Certamente, isso não pode ser desconectado da realidade. Assim, é preciso desencadear um movimento permanente de redes que somem forças, desde a especificidade própria de cada indivíduo e instituição, cientes dos limites que a realidade impõe, mas também da riqueza e da capacidade das lideranças influenciarem indivíduos, grupos e sociedades na construção de identidades e estruturas saudáveis.
É no respeito ao diferente que cada indivíduo e instituição podem viabilizar a sua função social e contribuir para a construção das identidades. É o resultado de um trabalho coletivo que considera a complexidade e a necessidade de construir redes. Processo esse que deve sempre transcender as estruturas e práticas sociais, e isso só será possível por meio de práticas de fraternidades.
Daí a importância da Campanha da Fraternidade, pois em relação a cada tema é possível oferecer referenciais que contribuam efetivamente para a formação do ser humano integral. Uma escola salesiana não pode abrir mão dessa grande riqueza. Sendo assim, é indispensável envolver toda a comunidade educativa para que sejam referenciais éticos e contribuam para a formação de juventudes cada vez mais saudáveis.
Antonio Boeing é assessor de Pastoral da Rede Salesiana de Escolas.