Boletim Salesiano - Fale um pouco de você, de como conheceu os Salesianos e o carisma de Dom Bosco.
André Becher - Entrei em uma casa salesiana ainda adolescente. Minha primeira inserção com os salesianos foi por meio de um oratório, em uma paróquia salesiana de Curitiba, chamado Clube Vocacional Dom Bosco, que todos chamavam carinhosamente de “clubinho”. Nesse ambiente conheci o carisma de Dom Bosco, fiz várias amizades e acabei por passar um período bonito da minha adolescência. Como consequência, entrei para um grupo da AJS (Articulação da Juventude Salesiana) nessa mesma paróquia salesiana. Por meio da AJS pude vivenciar o seguimento de Jesus Cristo um estilo próprio que é o de Dom Bosco. Me sentia envolvido com o carisma e a proposta. Gradualmente me “formava” nesse ambiente tão saudável e motivador. Paralelamente eu tinha minha vida de estudo, trabalho etc. Acabei por me graduar em Ciências Sociais, com uma pós-graduação em uma área correlata. A decisão por fazer essa área tem muita relação com os valores aprendidos na AJS, afinal minha visão de mundo se alargou e muito com a participação e envolvimento que tive nesse ambiente.
BS - Quando foi que você se sentiu chamado a fazer um voluntariado missionário?
André - Por vários anos participei dos Projetos Missionários promovidos pela Inspetoria Salesiana São Pio X, de Porto Alegre. Esses projetos geralmente aconteciam nos meses de férias, duravam aproximadamente 15 a 20 dias e eram realizados em lugares distintos (carentes, rurais, urbanos de periferia, com pouca presença religiosa etc). Ao participar dessas ações missionárias algo ficava a me inquietar. Aliado a isso sentia uma necessidade de um desafio maior no seguimento de Jesus Cristo. Assim comecei a discernir a vontade de doar um tempo maior da minha vida como voluntário e/ou missionário em outro país. E comuniquei esse desejo aos salesianos que me acompanhavam em Curitiba. Da decisão até minha partida para Angola foram mais de dois anos de preparação e acompanhamento, o que contribuiu e muito para que fizesse uma boa experiência no lugar que fui destinado.
BS - Em Angola, você ficou em Luena, considerada área mais “rural”. Como foi o impacto e adaptação nesta realidade?
André - Pois é, Luena fica a aproximadamente 1.300 km da Capital de Angola, Luanda. Trata-se da presença salesiana em Angola mais distante da capital e num contexto totalmente diferente, visto que é uma realidade de interior que nada se compara a Luanda, área totalmente urbana e que concentra grande população. Minha adaptação posso dizer que transcorreu bem. No começo tudo foi novidade e estar aberto a esse novo universo contribuiu para que eu pudesse me localizar e me sentir bem. Mas o impacto de estar e sentir uma realidade tão peculiar foi algo que mexeu comigo. Ao ver um universo diferente, inúmeras sensações surgiram. A maioria delas muito boas, um sentimento gostoso de vivenciar e poder aproveitar um mundo que não é familiar e que nunca tinha imaginado anteriormente. Por outro lado tem todo o contraste com a condição de vida das pessoas, a falta de recursos básicos e estruturantes que fazem com que o povo sofra. Isso queira ou não impacta quem chega pela primeira vez.
A província do Moxico, da qual Luena é a Capital, é carente de recursos e atividades humanitárias. Quanto ao trabalho salesiano em Luena, os salesianos são uma referência na província, principalmente com relação ao trabalho juvenil, mas também em outras frentes que se fazem necessárias e que são muito úteis à população. Os salesianos contam em Luena com: Escola (atende mais de 5.000 alunos); Centro Profissional; Centro juvenil; Paróquia São Pedro e São Paulo (conta com mais de 120 comunidades espalhadas pelo interior da província); e Posto de Saúde Irmão Zatti.
BS - E qual foi sua atividade principal?
André - Embora tenha ficado em Luena tive a oportunidade de conhecer distintas obras salesianas por Angola ao longo desse ano. E foi bonito perceber como Dom Bosco vive e está presente em diferentes realidades. Um carisma que promove as pessoas acima de tudo. Poder estar com Dom Bosco também no continente africano foi uma grande graça.
Fui destinado a trabalhar com dois projetos sociais durante esse ano, além de auxiliar no Centro Juvenil. Aliado a isso, fui professor e formador no Centro Profissional. Quando cheguei a Luena trabalhei primeiro com um Projeto Social de Água e Saneamento nas comunidades. Nesse trabalho conheci mais de 40 aldeias/comunidades rurais, com uma realidade ainda mais distinta da minha. Uma possibilidade de contato que favoreceu e muito a missão. Sempre com muitas crianças e pessoas interessadas em se aproximar e estabelecer relação, mesmo que breve.
Depois desse ano posso dizer que o importante não foram tanto as atividades e funções exercidas, mas principalmente a descoberta em meio a tudo isso do desejo de pessoas (no meu caso, dos angolanos) que também queriam ensinar, contar, transmitir, acolher, serem protagonistas! Algo que a missão ensina no dia-a-dia... Na prática, no contato, no envolvimento.
BS - O que mais chamou sua atenção em Angola?
André - Foi um ano intenso e enriquecedor. O que mais me marcou nesse ano foi o contato e a convivência com os angolanos. A grande riqueza desse continente é o povo. E Angola, como os demais países africanos, tem uma gente muita rica em valores humanos e de perceber a vida e a própria existência a partir de uma perspectiva positiva. Isso ensina muito a nós que partilhamos da missão em África. Apesar de tudo há esperança! E onde se vive com esperança, a vida tem mais sentido.
Não seria possível viver bem esse tempo se não me relacionasse com as pessoas e não aproveitasse as coisas boas contidas nas relações. Digo isso porque de fato as pessoas fizeram com que minha experiência fosse mais positiva. Compartilhar do jeito de viver e das características de cada um foi certamente um grande ganho e aprendizagem. Diria que os angolanos com quem convivi são muito acessíveis e com grande carisma, em especial as crianças e jovens, sempre muito próximos e com uma espontaneidade que evidencia toda autenticidade contida nessas relações.
Fazer esse tipo de memória me deixa muito satisfeito com a oportunidade que tive nessa etapa da minha vida. Todas as pessoas me marcaram de alguma forma. Não estarão presentes fisicamente mais na minha vida, porém, as levo comigo para sempre, pois constituem uma parte muito intensa e bonita do meu tempo de voluntario em Angola.
BS - Como foi passar por uma experiência missionária como esta?
André - Creio que a ligação com o continente africano concedeu a mim mais do que simplesmente ver e saber de algumas situações. Me fez aprender a valorizar o que é diferente e que também precisa ser apreciado e cuidado. Foi um tempo extremamente enriquecedor, por vários motivos. Alguns deles registrados aqui. Outros tantos que ficaram em minha memória e ainda muitos que acrescentaram no meu jeito de ser. Algumas pessoas, em especial, ficaram marcadas de modo mais particular em mim. Pelas histórias e jeitos de ser testemunharam distintos aspectos da vida, e aspectos esses que jamais pude imaginar ou visualizar antes desse período em Angola. Hoje escrevo com um sentimento de gratidão a todos que de alguma forma me possibilitaram a experiência missionária e também às pessoas com quem compartilhei esse ano: missionários, voluntários e angolanos.