Entre os muitos e variados textos que produzi, procurarás em vão um diário da alma, uma narração do meu itinerário íntimo, uma autobiografia espiritual. Não era o meu estilo. Talvez pelo pudor inato, típico dos camponeses, provavelmente porque, por formação, não me sentia levado a abrir-me dessa maneira, certamente porque preferia conservar em meu coração a lembrança de tantas experiências espirituais e apostólicas em vez de manifestá-las publicamente.
Por isso, não encontrarás nos meus livros ou nas minhas palavras descrições ou testemunhos do meu relacionamento pessoal com Deus e o seu mistério.
Minha experiência com o Senhor
Não nasci santo, eu te digo com toda simplicidade e naturalidade. Lutei bastante para ser fiel a nosso Senhor e coerente com meus compromissos de cristão. Posso garantir que nem sempre foi fácil. Ainda não foi inventado um instrumento para medir o grau de santidade alcançado. Tudo é graça, até mesmo a colaboração da criatura. E a graça foge ao controle humano, porque é um dom de Deus.
Fui sempre um otimista. Não era nem superficial nem muito menos ingênuo. A vida fora-me – e continuava a sê-lo – mestra exigente e sábia. Sabia que ela comporta desafios e nunca exclui dificuldades ou provas.
Para que possas entender o ideal que trazia no coração, transcrevo algumas reflexões feitas quando estava para entrar no seminário de Chieri. Já tinha 20 anos! Não era mais um garotinho ingênuo ou um adolescente sonhador... “A vida levada até então devia ser radicalmente reformada. Nos anos passados não havia sido propriamente mau, mas dispersivo, vaidoso, dado a partidas, jogos, saltos, brinquedos e coisas assim, que alegravam no momento mas não satisfaziam o coração”. Por sua vez, minha mãe – embora na intensa comoção experimentada de ver-me vestido com a batina – fora categórica: “Acabas de vestir a batina. Lembra-te, porém, que não é o hábito que honra o teu estado, mas as virtudes que praticares. Prefiro ter como filho um pobre camponês, a um padre negligente nos seus deveres”.
Com humilde sinceridade, sempre procurei servir a Deus. Não é uma frase feita, crê: no tempo em que vivia, era-me um verdadeiro programa de vida. Eu estava convencido – e a experiência o confirmava dia a dia – que os jovens que eu encontrava nos bares, nas praças de Turim, nas prisões ou com patrões desumanos, tinham realmente necessidade de uma mão amiga, de alguém que cuidasse deles, os cultivasse, guiasse no caminho da virtude e afastasse do vício. Eis a conclusão a que cheguei: a santidade seria o mais belo presente que lhes poderia dar.
Encontro com São Francisco de Sales
Evidentemente, não foi um encontro de pessoas: nasci 250 anos depois dele! Lendo um de seus livros que circulavam também no Piemonte encontrei uma frase que me chamou a atenção e se tornou programa para minha vida sacerdotal. Recordo-me de ter lido: “É um erro, ou melhor, uma heresia, querer excluir o exercício da devoção do ambiente militar, da oficina dos artesãos, da corte dos príncipes, dos lares de pessoas casadas... Onde quer que nos encontremos, podemos e devemos aspirar à vida perfeita”. Isso se tornou um ideal para mim! Procurei vivê-lo e oferecê-lo também aos meus jovens. Era preciso muita coragem! Falar de santidade (sim, eu usava justamente essa palavra!) aos jovens parecia, à maioria, uma meta impossível. Contudo, eu acreditava nisso. E dizia com convicção que ser santo é um ideal maravilhoso, e até mesmo fácil.
Apresentava a santidade como uma vocação “simpática” e atraente, mas também explicava que era exigente, requeria sacrifícios e renúncias. Era uma santidade concreta, feita de deveres cumpridos com exatidão, de amizade com o bom Deus que nos tornava amigos de todos. Santidade que nos tornava apóstolos dos colegas, santidade do cotidiano. Depois, acrescentava uma característica que sempre tive como fundamental: devia ser uma santidade alegre, que arrasta para o bem, que fascina e nos faz “salvadores de outros jovens”.
Por pouco não fui rejeitado no Vaticano…
Nesse tempo, eu já estava no Paraíso. Sabia que na terra discutia-se sobre um problema que, no meu modo de ver, jamais existira. Dada a quantidade imensa de trabalho e de preocupações que me atormentavam, havia quem estivesse convencido de que me faltava tempo para rezar. Não se podia evitar a pergunta: “Quando Dom Bosco rezava?” Descobriram, então, um segredo que não me parecia necessário espalhar aos quatro ventos: a minha vida inteira era uma oração, porque eu rezava a vida!
Acrescentava esse programa aos meus salesianos, e o recomendava também aos jovens. Oração era estar horas no confessionário, escrever dezenas de cartas à luz trêmula do candeeiro noite avançada, subir e descer as intermináveis escadas de mármore de tantos palácios, conversar familiarmente com os jovens no pátio, celebrar a santa missa, fixar estático o rosto da Auxiliadora. Oração era viver na presença de Deus, como aprendera desde criança de minha boa mãe; para mim, rezar era abandonar-me confiante à Providência, era ensinar uma profissão, um trabalho a muitos garotos para que pudessem ser sempre “Bons cristãos e honestos cidadãos”.
Já afirmei muitas vezes: sentia-me chamado para os jovens, especialmente aqueles que tinham maior necessidade de amor e esperança. Eles sempre foram a razão do meu ser e do meu agir. Mas não os queria para mim. Eu desejava que fossem apaixonadamente amigos de Deus. E quando alguém é amigo de Deus está no caminho da santidade!