Desde os primórdios da educação salesiana, Dom Bosco sempre se preocupou com a formação do honesto cidadão. Embora tenha sabido trabalhar a partir de uma neutralidade partidária, Dom Bosco jamais poderia ser considerado uma pessoa apolítica. Pelo contrário, era extremamente atento aos aspectos relativos aos direitos e deveres, especialmente dos jovens e dos mais pobres.
Inúmeros documentos da Igreja Católica tratam das questões políticas e da democracia, como, por exemplo, a Doutrina Social da Igreja (n. 407), que afirma: “Uma autêntica democracia não é somente o resultado de um respeito formal de regras, mas é o fruto da convicta aceitação dos valores que inspiram os procedimentos democráticos: a dignidade da pessoa humana, o respeito dos direitos do homem, do fato de assumir o ‘bem comum’ como fim e critério regulador da vida política”.
Nesse sentido, a Igreja Católica, ao longo do tempo, tem sido uma instituição muito comprometida com o exercício da democracia. No relatório Latinobarometro de 2021, a partir de pesquisa realizada em 18 países da América Latina, a Igreja é reconhecida como a instituição com maior nível de confiança (61% de credibilidade) na defesa da democracia, à frente de instituições como as Forças Armadas (44%), a polícia (36%), o presidente (32%), a instituição eleitoral (31%) e o governo (27%).
Formação para a cidadania
Em um contexto no qual a democracia passa a ser questionada e colocada em risco, torna-se ainda mais importante que as instituições educativas sejam capazes de trazer este tema para o debate, promovendo itinerários de educação social e política numa perspectiva educomunicativa. Ou seja: os espaços educativos não podem deixar de estar atentos aos debates da esfera pública, especialmente quando o excesso de informações, visões polarizadas e, muitas vezes, carregadas de discursos de ódio e ideologizadas se cristalizam em todo o país e no mundo.
A educação salesiana, uma vez que está comprometida com a formação da cidadania e que se pauta em uma visão educomunicativa, precisa ser uma instância promotora de diálogo, aberta aos grandes problemas sociais, políticos, econômicos, religiosos, ecológicos e culturais, que são como gritos de uma sociedade cada vez mais dividida e carente de referenciais autênticos.
O documento Linhas Orientadoras da Missão Educativa das FMA (LOME) aponta que: “Diante da pouca confiança por parte das novas gerações nas instituições públicas, e do crescente desinteresse para com a política, o nosso empenho educativo, inspirado no Magistério Social da Igreja, se traduz em percursos de formação para a paz, a democracia, a participação política que promove o bem comum, o respeito à vida e ao ambiente natural, a interculturalidade, a busca de uma real competência profissional que permita a inserção responsável e ativa no mundo do trabalho”.
As instituições educativas salesianas – sejam escolas, obras sociais, universidades, paróquias, instituições de comunicação ou mesmo agrupamentos juvenis – são espaços que, pela própria natureza educativa, devem promover e incentivar ações e projetos que incidam sobre a realidade, que promovam a centralidade da vida e o compromisso social com os direitos humanos, impulsionando a participação ativa, a escuta, a tolerância e a capacidade de ver além das próprias opiniões e crenças pessoais.
Compromisso com a democracia
O compromisso com a democracia, especialmente em momentos turbulentos como o que ocorre atualmente no Brasil e no mundo, traz consequências diretas para a forma como vivemos o nosso cotidiano, a nossa vida social, a nossa prática religiosa. Se a educação salesiana tem como base a educação integral da pessoa, essa educação sociopolítica é um elemento fundamental e, por mais complexa que seja, precisa ser trazida para os núcleos de reflexão interna.
Considerando também o apelo da Igreja para que seja fortalecida a dimensão da sinodalidade, é muito importante, como Igreja do Brasil, que nossos ambientes educativos salesianos estejam por dentro de iniciativas da própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), como a existência de organismos que tratam da questão política e democrática, citando aqui o Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara e a Comissão Brasileira Justiça e Paz.
A CNBB também mantém um grupo de trabalho responsável por emitir mensalmente uma análise de conjuntura, que reflete sobre essas questões críticas da política nacional. Essas iniciativas podem facilitar uma leitura concreta, em uma perspectiva humana e cristã, sobre a realidade, fundamentando e dando suporte para uma visão crítica do atual contexto democrático em que vivemos.