Na época de Jesus, os judeus esperavam pelo Messias, o novo Rei que os salvaria do Império Romano e restauraria o Reino de Israel. Esperavam pelo cumprimento da promessa feita aos seus antepassados.
Quando Jesus inicia a sua vida pública, porém, começa a mudar a ideia de Messias que o povo esperava. Jesus não era um líder político labioso que arrastava multidões através de palavras de ordem e demonstrações de força ou poder. Não era um líder de massa, mas sim o Deus feito homem, que assumiu a condição humana em todos os sentidos, menos no pecado.
É importante olharmos para o modelo de comunicação de Jesus: ele não dá respostas prontas ou fórmulas universais para os dilemas que encontrava pela frente. Antes, fazia seus discípulos pensarem, questionava e fazia com que a pessoa chegasse à resposta que buscava.
Questionamento e discernimento
No Evangelho de Lucas, quando um mestre da Lei lhe pergunta o que deve fazer para alcançar a vida eterna, Jesus responde com outra pergunta: “O que está escrito na lei?” (Lc 10, 26). No Evangelho de João, quando levam até ele uma mulher acusada de adultério e perguntam-lhe o que teria a dizer, Jesus simplesmente responde: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra” (Jo 8, 7). Nas duas situações e em outras tantas dos Evangelhos, Jesus faz pensar sobre o fato, ao invés de recorrer a normas ou tradições da época. Jesus convida a olhar para cada pessoa em sua singularidade, em uma perspectiva de misericórdia e acolhida.
Embora pregue o amor a Deus e ao próximo, Jesus não deixa de criticar a lei quando a vida está ameaçada. Por isso, em inúmeras passagens, ele questiona lei do puro e do impuro, opta por viver no meio dos marginalizados, toca o leproso (Mc 1, 41), acolhe a mulher impura (Mc 5, 25-34), come com os pecadores (Mc 2, 15), cura o homem da mão paralisada em dia de sábado (Mt 12, 9-14). Jesus questiona o sistema político, econômico e social que exclui e explora os mais pobres da sociedade.
O profetismo de Jesus faz, inclusive, pensar nas estruturas religiosas que oprimiam o povo. Ao visitar o Templo de Jerusalém, centro do poder religioso judaico, Jesus não hesita em expulsar os vendedores e jogar as mesas e cadeiras dos cambistas que faziam do culto religioso um grande mercado. Jesus exclama: “Não está nas Escrituras: ‘Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos’? No entanto, vocês fizeram dela um covil de ladrões”. (Mc 11, 17). Jesus desmascara toda forma de manipulação e dominação; ele quer a liberdade de seu povo.
O seguimento de Jesus exige de cada cristão a capacidade de discernimento mediante o pensamento crítico. Jesus nos ensina a olhar para a sociedade e a questionar tudo aquilo que aliena e que promove a cultura da morte. O Papa Francisco, seguindo este olhar crítico próprio do cristão, questiona o modelo de sociedade que não promove a dignidade e os direitos humanos. Em sua Encíclica Fratelli Tutti, o Papa afirma: “Não nos esqueçamos de que ‘os povos que alienam a sua tradição e – por mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica, econômica e política’. Uma maneira eficaz de dissolver a consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça e os percursos de integração é esvaziar de sentido ou manipular as ‘grandes’ palavras”.
“Amar ao próximo como a si mesmo”
Francisco nos convida a pensar no significado de palavras como: democracia, liberdade, justiça, unidade. O cristão de hoje e de qualquer tempo não pode ser conivente com qualquer sistema que fira a dignidade humana. A máxima deixada por Jesus: “amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo”, nos leva ao compromisso de promover a vida de todos e em todas as situações. O amor cristão não é um sentimento platônico e abstrato, mas é um mandato que nos interpela a agir e a promover os direitos humanos e o bem comum.
Em um mundo onde somos bombardeados por um excesso de informações, muitas vezes falsas e manipuladas segundo interesses políticos e econômicos, é fundamental o desenvolvimento de um pensamento crítico, que nos permita compreender os fatos de forma racional e segundo os critérios evangélicos.
É fato que muitas informações apelam para o aspecto emocional e, sem perceber o processo de manipulação envolvido, muitas pessoas acabam aderindo a discursos de ódio, carregados de preconceitos e visões deturpadas da realidade. Neste contexto, somos convidados a voltar para a figura de Jesus de Nazaré e contemplar o seu modelo de comunicação. Uma comunicação dialógica, crítica e profundamente humana que vê cada pessoa como imagem e semelhança de Deus.
Irmã Márcia Koffermann, FMA, é diretora-executiva da Rede Salesiana Brasil de Comunicação (RSB-Comunicação).