Padre João Batista Lemoyne (1839-1916), um dos grandes biógrafos de Dom Bosco, descreve com maestria nas Memórias Biográficas, vol. 6º, capítulos 29 a 35 e 66, o olhar de Dom Bosco. Um olhar que causava em alguns o medo, em outros, encantamento e, em muitos, o desejo de permanecer para sempre na companhia dele, dedicados à missão de salvar os jovens. O próprio Lemoyne foi atraído pelo olhar de Dom Bosco.
O olhar era tão intenso que muitos meninos corriam ao encontro dele para serem vistos. Era uma experiência única, original. Na medida em que a casa de Valdocco foi tornando-se numerosa e mais complexa, e o número de meninos e jovens aumentava, a presença de Dom Bosco era uma espécie de força que atraía para o essencial, para Deus. Com o olhar, ele compreendia o estado interior dos jovens, conhecia suas virtudes e seus pecados, sabia discernir se um jovem tinha ou não vocação para a vida religiosa ou para o ministério presbiteral.
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“O que eu poderia oferecer à sociedade?”
Dom Bosco era o confessor oficial de todos os jovens e dos salesianos. Dedicava muitas horas no confessionário para atender a todos que o procuravam. Às vezes, quando um jovem ou até mesmo um salesiano demorava para se confessar ou quando pedia para ir buscar um confessor fora da casa, ele não proibia, mas com o olhar paterno e educativo dizia: “Pode ir, mas não esqueça de dizer este e aquele pecado”. Logo o penitente se questionava: “Então não adianta ir buscar fora, o senhor já disse o que eu queria confessar”.
Embora isso possa parecer uma espécie de domínio e limite da liberdade de consciência, o certo é que Dom Bosco conhecia seus jovens porque estava sempre entre eles. Quando percebia que alguns fugiam dele, não deixava de manifestar aos salesianos que sentia muita inquietação (Cf. MB, cap. 66).
Um olhar que falava
Ele tinha um olhar que falava. Certa vez, um jovem perguntou se seria salesiano ou um bom cristão. Dom Bosco ficou calado. O jovem continuou indagando e Dom Bosco olhou fixo para ele e disse: “Sim e sim”. Ser salesiano requer também ser um bom cristão e um honesto cidadão. Este olhar fixo na pessoa do jovem não era invasivo, mas humilde e fraterno. A grande maioria dos jovens acabava encantada; alguns se viam convertidos e outros profundamente marcados com aquele olhar do amigo, pai e mestre.
Um caso muito interessante foi o que aconteceu com o Bem-aventurado padre Luís Variara (1875-1923). O pequeno Luís chegou em Valdocco em setembro de 1887. Dom Bosco estava muito debilitado, quase não descia do quarto. Variara apenas ouvia as histórias sobre os fatos milagrosos, os comentários dos meninos e salesianos que tiveram contato direto com Dom Bosco. A fama de santidade era grande. Inclusive, Lemoyne afirma que muitas pessoas se ajoelhavam diante de Dom Bosco como gesto de veneração para beijar-lhe a mão.
Pois bem, voltemos a Variara. Numa manhã de sol, correu a voz de que o secretário de Dom Bosco, padre Viglietti, iria descer o fundador para um passeio de charrete. A confusão foi geral e gerou grande expectativa. Na hora marcada, os meninos se aglomeraram na porta que dava para a saída do pátio. Todos queriam ver Dom Bosco. Variara era pequeno, frágil e não tinha muita chance. Contudo, conseguiu subir numa coluna e ali ficou agarrado. Desceram Dom Bosco numa cadeira de rodas. Ele estava de cabeça baixa, cansado e abatido. Quando o puseram na charrete ele levantou a cabeça e fixou o olhar por alguns instantes em Variara. Foi um instante que marcou a vida daquele menino e que ele recordaria sempre: “Dom Bosco me olhou e eu olhei para ele”.
Dom Bosco hoje
Este olhar do pai dos jovens não pode passar despercebido por nós hoje.
O olhar de Dom Bosco ainda hoje atrai os jovens, encanta e faz o convite que um dia fez a um pequeno grupo, em 1859: “Vocês querem permanecer aqui comigo para um exercício de caridade?”. A resposta de Cagliero e de tantos outros foi e continua sendo: “Eu quero permanecer com Dom Bosco”.
Você, caro jovem, quer permanecer com Dom Bosco? Saiba que para ser salesiano é preciso ser humilde, robusto, aguentar as humilhações, saber servir a Igreja na Congregação e amar os jovens, porque neles “Deus nos espera” (CG23, 95). Vocação para ser salesiano consagrado é Dom de Deus e Mistério de caridade. Não é privilégio, busca de poder, carreirismo ou vida fácil, mas serviço.
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.