Entrevista: Os pobres nos evangelizam

Segunda, 02 Abril 2018 12:19 Escrito por  Ir. Mário Bordignon, SDB - Cagliero 11
O Salesiano coadjutor Mário Bordignon, 70 anos, é italiano e missionário entre os Bororo, na Missão Salesiana de Mato Grosso. Leia seu relato a seguir.  

Meu nome é Mario Bordignon e nasci 70 anos atrás no Veneto, Nordeste da Itália. Fui para a escola profissional salesiana nos Becchi, onde nasceu Dom Bosco. Como marceneiros fazíamos manutenção do Museu Missionário que por lá está até hoje. Aquelas figuras de pessoas e coisas diferentes que lá estavam mexeram muito com minha fantasia de adolescente.

 

O desejo de ser missionário se firmou ao ver que vários salesianos leigos, além de serem meus ídolos como modelo de vida, partiam para as missões. Fiz todas as fases de formação e com 25 anos fui mandado para Mato Grosso, no Brasil, primeiro em Cuiabá, em Coxipó e, em 1980, em Meruri entre a etnia Bororo. A missão começada em 1902, além de atender aos Bororo, atendeu por muito tempo os filhos e filhas dos colonos que chegaram na região, sendo a única escola numa vasta região de mais de 100 Km. Com isso a prática da cultura bororo ficou muito prejudicada.

 

A minha primeira atividade foi olhar bem a realidade do povo que era muito diferente de todas as minhas fantasias de adolescente e dos planos preparados com antecedência. O indígena tão falado em livros e revistas não existia e a sua cultura tinha quase terminado. Superada a decepção inicial fiquei observando muito as coisas e escutando as pessoas. Então tentei dar a minha contribuição na economia, na escola, na defesa da terra e no resgate da sua outrora belíssima cultura. Procurei pôr em prática a educação integral.

 

Nisso me ajudaram o exemplo do Pe. Rodolfo Lunkenbein, que tinha sido recentemente assassinado por defender a terra dos Bororo, e o Pe. Gonçalo Ochoa, grande conhecedor da história e da cultura Bororo. Porém, a coisa mais bonita que fiz foi ter escolhido um ancião bororo como meu padrinho. Isso me ajudou muitíssimo a viver e compreender a cultura não já como observador, mas como ator. Sorte minha que a uns quilômetros da antiga missão havia uma aldeia onde se praticavam muito bem os rituais. Meu padrinho foi meu professor até morrer.

 

O conhecimento da cultura Bororo enriqueceu muito a minha espiritualidade e o meu ser. Entendi na prática a frase de Dom Helder Câmara: “Os pobres nos evangelizam.” Procurei, como salesiano, transmitir aos jovens o que aprendi com meu padrinho. Foi um processo lento, mas muito bonito.

 

Aos poucos reapareceram os rituais e os bonitos adornos plumários; alguma inculturação da liturgia cristã; alunos na escola começando a usar os textos que fizemos junto com meu padrinho, meus e do Pe. Ochoa. Reapareceu entre os Bororo o orgulho da própria identidade cultural. Começamos a formação dos professores bororo e hoje a escola está completamente nas mãos deles. Um grupo já se formou na universidade e outros estão se formando. Dois processos de recuperação das terras que eram dos Bororo estão bem adiantados graças à luta que fizemos e fazemos junto com eles.

 

As coisas mudam depressa também nas aldeias indígenas. A globalização vem com suas coisas boas e ruins. A missão faz sentido hoje também mais do que nunca devido às muitas interferências que vêm de fora das aldeias, muitas vezes prejudiciais aos povos indígenas. Mas quando o ideal no missionário é muito forte e a espiritualidade mais ainda, ele encontra a força de buscar novos cominhos para manifestar o amor de Deus para com os outros.

Ir. Mário Bordignon, italiano, missionário ente os Bororo do Brasil

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Última modificação em Quarta, 04 Abril 2018 11:00

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Entrevista: Os pobres nos evangelizam

Segunda, 02 Abril 2018 12:19 Escrito por  Ir. Mário Bordignon, SDB - Cagliero 11
O Salesiano coadjutor Mário Bordignon, 70 anos, é italiano e missionário entre os Bororo, na Missão Salesiana de Mato Grosso. Leia seu relato a seguir.  

Meu nome é Mario Bordignon e nasci 70 anos atrás no Veneto, Nordeste da Itália. Fui para a escola profissional salesiana nos Becchi, onde nasceu Dom Bosco. Como marceneiros fazíamos manutenção do Museu Missionário que por lá está até hoje. Aquelas figuras de pessoas e coisas diferentes que lá estavam mexeram muito com minha fantasia de adolescente.

 

O desejo de ser missionário se firmou ao ver que vários salesianos leigos, além de serem meus ídolos como modelo de vida, partiam para as missões. Fiz todas as fases de formação e com 25 anos fui mandado para Mato Grosso, no Brasil, primeiro em Cuiabá, em Coxipó e, em 1980, em Meruri entre a etnia Bororo. A missão começada em 1902, além de atender aos Bororo, atendeu por muito tempo os filhos e filhas dos colonos que chegaram na região, sendo a única escola numa vasta região de mais de 100 Km. Com isso a prática da cultura bororo ficou muito prejudicada.

 

A minha primeira atividade foi olhar bem a realidade do povo que era muito diferente de todas as minhas fantasias de adolescente e dos planos preparados com antecedência. O indígena tão falado em livros e revistas não existia e a sua cultura tinha quase terminado. Superada a decepção inicial fiquei observando muito as coisas e escutando as pessoas. Então tentei dar a minha contribuição na economia, na escola, na defesa da terra e no resgate da sua outrora belíssima cultura. Procurei pôr em prática a educação integral.

 

Nisso me ajudaram o exemplo do Pe. Rodolfo Lunkenbein, que tinha sido recentemente assassinado por defender a terra dos Bororo, e o Pe. Gonçalo Ochoa, grande conhecedor da história e da cultura Bororo. Porém, a coisa mais bonita que fiz foi ter escolhido um ancião bororo como meu padrinho. Isso me ajudou muitíssimo a viver e compreender a cultura não já como observador, mas como ator. Sorte minha que a uns quilômetros da antiga missão havia uma aldeia onde se praticavam muito bem os rituais. Meu padrinho foi meu professor até morrer.

 

O conhecimento da cultura Bororo enriqueceu muito a minha espiritualidade e o meu ser. Entendi na prática a frase de Dom Helder Câmara: “Os pobres nos evangelizam.” Procurei, como salesiano, transmitir aos jovens o que aprendi com meu padrinho. Foi um processo lento, mas muito bonito.

 

Aos poucos reapareceram os rituais e os bonitos adornos plumários; alguma inculturação da liturgia cristã; alunos na escola começando a usar os textos que fizemos junto com meu padrinho, meus e do Pe. Ochoa. Reapareceu entre os Bororo o orgulho da própria identidade cultural. Começamos a formação dos professores bororo e hoje a escola está completamente nas mãos deles. Um grupo já se formou na universidade e outros estão se formando. Dois processos de recuperação das terras que eram dos Bororo estão bem adiantados graças à luta que fizemos e fazemos junto com eles.

 

As coisas mudam depressa também nas aldeias indígenas. A globalização vem com suas coisas boas e ruins. A missão faz sentido hoje também mais do que nunca devido às muitas interferências que vêm de fora das aldeias, muitas vezes prejudiciais aos povos indígenas. Mas quando o ideal no missionário é muito forte e a espiritualidade mais ainda, ele encontra a força de buscar novos cominhos para manifestar o amor de Deus para com os outros.

Ir. Mário Bordignon, italiano, missionário ente os Bororo do Brasil

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