Quando, em 1888, o padre Miguel Rua é confirmado pela Santa Sé como Reitor-mor, recebe de Dom Bosco uma herança prodigiosa. Coube-lhe assegurar que os ensinamentos do fundador fossem perseguidos e que a multiplicação da presença salesiana chegasse a todos os continentes. Não é uma decisão inconsciente, mas herdada. Nutrida nos Salesianos e nas Filhas de Maria Auxiliadora, a brasa do amor à vocação missionária precisava cuidadosamente manter-se acesa.
Trabalho, alegria e amor pela juventude perpetuados no tempo ganham novos sentidos, novas implicações, outras exigências, mas encontram a força de uma vocação nascida de uma mesma chama. Acesa há 200 anos, a chama da Pedagogia Salesiana revigora-se na atuação de cada educador, cada colaborador.
As fronteiras que separam os séculos são responsáveis por apresentar grandes mudanças no cenário social, econômico e político. Reconhecer tais mudanças ajuda-nos a compreender que, para a continuidade desse caminho, é preciso aprofundar e atualizar o carisma, nas suas expressões enquanto sistema educativo. A força carismática herdada do fundador exige, também, o mesmo fascínio, o mesmo ardor e a forte necessidade de internalizar a mística e os ideais por ele vividos. Somos chamados a concretizar em nossas práticas diárias a verdadeira confiança e o amor incondicional a Deus pela causa dos jovens.
Aos que hoje são chamados a continuar a caminhada com Dom Bosco é necessário conhecer mais a fundo sua proposta de vida e de santidade. Dom Bosco soube trabalhar as potencialidades daqueles que estavam sob seus cuidados, pacientemente os ajudou a desenvolver os dons trazidos, colocando-os a serviço do bem. Olhou com individual cuidado os corações desses meninos, não os queria iguais. Revelou sonhos, incentivou buscas, resgatou valores, e para tanto, usou da presença verdadeira na vida de cada um. Estava ali, era pai, educador, amigo, confessor.
Nos trinta anos da Inspetoria Nossa Senhora da Penha, um foco constante é a formação de educadores, quando apresenta o carisma com a certeza de sua atualidade e a força das origens que inspira, provoca e lança-nos para a juventude numa postura evangelicamente propositiva. Formar “bons cristãos e honestos cidadãos”: audaciosa e urgente missão. Estimular, favorecer o crescimento humano-profissional do educador (qualquer que seja seu espaço de missão) é condição para viabilizar processos educativos que incidam na história daqueles que convivem conosco. Educador salesianamente envolvido é educador corresponsável no dia a dia da missão.
Continuar uma missão exige sintonia com as origens, profundidade orante/reflexiva, encontro. Encontro com a nossa verdade, que nos unifica interiormente; com o outro, que nos interpela, desafia e sonha junto; com Jesus, que nos acolhe, ama e envia continuamente. Dom Bosco e Madre Mazzarello assumiram um compromisso com o Reino de Deus, fizeram a opção fundamental pelo Senhor entregando-se sem reservas à juventude em situação de risco.
As palavras de Padre Egídio Viganó, sétimo sucessor de Dom Bosco, em visita ao Brasil no ano de 1988, são inspiradoras para os educadores brasileiros: “Se tivéssemos que inventar uma pátria para o carisma de Dom Bosco, uma pátria que tivesse alegria, que tivesse muitos jovens e jovens pobres, que tivesse inventiva e criatividade... eu inventaria o Brasil. Mas já está inventado!”. Façamos conhecer entre os educadores a genialidade, o modo de ser e fazer de Dom Bosco.
Encaminhar o entendimento dessa pedagogia tem sido o caminho decididamente percorrido por nós. A compreensão de que não falamos de uma realidade estrutural, mas da maneira concreta de ser presença na vida dos jovens, tem exigido formação sistemática, aprofundamento espiritual e uma premente comunidade cristã de referência. A capacidade de sair de si mesmo para estar com os jovens onde estiverem, na rua, na escola, nas periferias geográficas e existenciais, enfim em qualquer pátio, configura- se na resposta a uma “juventude altamente vulnerável”.
Esse jeito de educar encontra sentido quando concretiza em suas ações o amor e a confiança nos jovens e uma alegre esperança no futuro. Sentir os ensinamentos de Dom Bosco é fazer experiência de uma pedagogia que não se apresenta como uma teoria, mas nasce da presença e das reflexões que ela é capaz de suscitar. Neste ano bicentenário renovamos o empenho inspetorial na formação de educadores, certas de que o tesouro carismático que trazemos é dom a ser continuamente apresentado a todos.
Testemunhos
“Ser Presença na vida de cada criança, de cada adolescente é um diferencial no Mazzarello. Outro dado muito importante é a espiritualidade que envolve esse estar presente no meio deles. Às vezes deparamos com situações tão críticas que as soluções vêm de algo muito maior; creio que é fruto da ação do Espírito Santo; toda a equipe imbuída dessa espiritualidade. Enfim, experimento aqui no cotidiano do Mazzarello que ser Presença é atuar com muito amor! E é isto que faz a diferença!”
(Virgínia Soares Costa, Assistente Social)
“Compreendi que a gente pode ‘ser Igreja’ também no espaço do trabalho. Passei a ter um olhar mais ecumênico, a atuar em equipe, a aprender também das crianças. Fui aprendendo e experimentando que a atenção individualizada favorece a relação educando-educador. A aprendizagem é constante. Olhando dom Bosco e M adre Mazzarello vejo que não podemos desistir quando deparamos com casos difíceis; o que semeamos hoje na vida das crianças e dos jovens às vezes vai frutificar muito depois.”
(Erlaine Souza Santos, educadora na Oficina de Comunicação)