Essa abordagem é fundamental para compreender o que está em discussão quando se coloca, novamente, o debate sobre a redução da maioridade penal. Diante de fatos que puseram essa questão em evidência na mídia, o presidente da Conferência das Inspetorias dos Salesianos de Dom Bosco do Brasil (Cisbrasil) e inspetor da Inspetoria São João Bosco (ISJB), padre Nilson Faria dos Santos, lançou uma nota pública. No texto, padre Nilson explica: “Os recentes fatos violentos que ainda comovem a sociedade brasileira mobilizam a opinião pública na busca de justiça e paz. Retoma-se, então, a proposta da redução da idade penal como solução para violência e impunidade que imperam no Brasil. A Inspetoria São João Bosco é veementemente contrária à redução da idade penal por compreender que essa medida reducionista não garante a diminuição da violência e consequentemente a valorização da vida humana”.
O manifesto apoia-se na experiência dos salesianos em defesa do ECA e nos argumentos contrários à redução da maioridade penal apresentados pela Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei (Renade). Entre razões elencadas pela entidade, a primeira é que a lei atualmente vigente já responsabiliza os adolescentes que cometem atos infracionais. De acordo com o ECA, essa responsabilização ocorre a partir dos 12 anos, por meio de medidas socioeducativas que são aplicadas de acordo com o ato infracional praticado e que podem ser cumpridas em meio aberto ou fechado (com privação da liberdade). A segunda razão apontada pela Renade é decorrente da primeira: a Lei já existe, visto que o ECA prevê tanto os direitos como os deveres das crianças e dos adolescentes, e o problema é verificar se a lei está ou não sendo cumprida.
Cumprir o ECA
Outra questão importante nesse debate está relacionada a como a Lei deve contribuir para a redução da violência na sociedade. Nesse sentido, a redução da maioridade penal, além de estar longe de resolver a violência juvenil, pode agravar o problema. Segundo dados apresentados pelo Unicef, a reincidência nos atos infracionais praticados pelos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em meio fechado (reclusão) é hoje bem menor do que a apresentada no sistema prisional brasileiro - esta chega a 70%.
A Fundação Casa, entidade responsável por administrar a internação de jovens em São Paulo, divulgou que o número de adolescentes que já foram internados e voltam a cometer infrações tem caído ano a ano: em 2006, a reincidência era de 29%; em 2010, chegou a 12,8%. O fator que mais contribuiu para a queda nos índices é a descentralização, o que permitiu unidades menores, nas quais é possível dar uma melhor assistência aos internos e aproximar as famílias.
Um dos principais exemplos de que cumprir a lei que já existe pode trazer mais benefícios à sociedade está no Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) de São Carlos, SP. Em uma parceria entre a Prefeitura, o Juizado da Infância e Juventude e o Salesianos São Carlos, o NAI colocou em prática desde 2001 o artigo 88 do ECA, que prevê a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social. O resultado é palpável: antes de 2001, eram registrados anualmente 15 homicídios praticados por adolescentes. Entre 2001 e 2005, esse número caiu para dois por ano e, em 2006, não foi registrado nenhum caso. São Carlos ocupa o 7º lugar nacional entre os municípios com o menor índice de vulnerabilidade juvenil à violência, segundo estudo divulgado em fevereiro de 2013 pelo Ministério da Justiça e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
De acordo com a articuladora institucional da ISJB e conselheira efetiva do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Miriam Maria José dos Santos, é preciso destacar ainda que a maior taxa de infração cometida pelos adolescentes é contra o patrimônio e no envolvimento com o tráfico. “Quando o adolescente está em conflito com a lei, geralmente encontra-se um adulto gerenciando suas ações. A quem então cabe fiscalizar para que nada disso aconteça? À família, à sociedade e ao Estado. Todos temos nosso papel a ser cumprido na defesa intransigente de nossas crianças e nossos adolescentes”, conclui Miriam.