Quando proclamamos que Jesus ressuscitou, anunciamos que a morte não pôde e não pode dialogar com Ele; afirmamos que não deve existir espaço para ela entre nós. Todavia, todos os dias, vemos variadas mortes diante dos olhos. E não falo apenas de mortes físicas, que tristemente têm se tornado cada vez mais frequentes e banais, mas falo de outros tipos de morte, como a indiferença, o menosprezo e o preconceito. Todas as vezes que um ser humano é desrespeitado, é colocado à margem, é tratado de forma indigna, a morte está acontecendo, Jesus está sendo crucificado e a sua ressurreição está sendo impedida.
A ressurreição quer nos lembrar também que a vida é o primeiro dom de Deus. Dom que deve ser resguardado, já que sem o dom da vida, não há possibilidade para mais nada. Foi justamente para nos trazer vida que Jesus foi perseguido, ameaçado e crucificado. Mas, antes, precisamos nos lembrar do motivo pelo qual Jesus foi crucificado.
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Dignidade e valorização da mulher
Jesus, em sua vida pública, ressignificou algumas “tradições” de seu povo. Por exemplo: fez ações aos sábados, ainda que fosse para trazer vida. Todavia, para os legalistas daquela época, isso caracterizava um grande insulto a Deus. Além disso, começou a falar de um reino de paz e justiça, que não era desse mundo, mas, ainda assim, isso gerou alguns alertas para a aristocracia dominante daquele tempo, que não queria sequer ouvir dizer que poderia perder o seu vasto império. Como nos diz o padre Zezinho em sua composição “Um certo galileu”, Jesus começou a mexer na posição dos privilegiados, e isso lhe trouxe consequências.
Vemos, ainda, Jesus conversando com as mulheres num mesmo tom de dignidade, reconhecendo e valorizando, desse modo, sua importância, como nos é apresentado no relato surpreendente e inovador com a samaritana. Flavio Josefo, importante historiador do século I D.C., nos diz que naquele tempo, a mulher era considerada inferior ao homem, em tudo. A elas não era atribuída a mesma dignidade do homem.
Todavia, Jesus quebrou esse ciclo de desrespeito. Ele tratava as mulheres como pessoas, reconhecendo em cada uma delas a sua dignidade e o seu valor. Inclusive, impediu que fossem maltratadas, evitando, por exemplo, que fossem apedrejadas, que fossem marginalizadas, como no caso da estrangeira da Samaria. Também por isso Jesus foi crucificado. Ele poderia ser indiferente a tudo isso, mas não o quis. Por livre decisão, entregou sua vida pelos últimos até o fim. E foi morto numa cruz: a morte mais humilhante para os judeus.
O anúncio da ressurreição
Mas, para insatisfação dos que o mataram, Deus o ressuscitou no terceiro dia. Jesus está vivo e não morre mais. Traz-nos vida nova e vida em abundância. Foi uma resposta digna de Deus para com todos aqueles que fizeram mal a Jesus. Percebemos que todo o mal acaba com morte, mas para nós, cristãos, a morte não tem a última palavra, é passageira, e por isso, para o mal não existe espaço algum.
E você pode estar se perguntando, o que tem tudo isso a ver com a dignidade da mulher? E é justamente aqui que encontramos o centro da nossa reflexão: o anúncio da ressureição, anúncio feito por Maria Madalena, a primeira a ir ao túmulo em busca do corpo de Jesus.
Amados jovens, esta não é uma informação dada ao acaso. Jesus quis que a primeira a testemunhar a vida em plenitude fosse uma mulher. Numa sociedade altamente machista e patriarcal como a do tempo de Jesus, esse relato tem muito a nos dizer e a nos fazer refletir. Até aqui, Jesus continua ressaltando a potência da mulher. E Maria Madalena, representando a força feminina, fez questão de sair “correndo” para anunciar que o túmulo estava vazio, que não havia mais razão para chorar, pois a morte fora vencida. A mulher foi escolhida para apresentar-nos a vida que não tem fim.
Sigamos o exemplo de Jesus
Nem todos atenderam ainda ao apelo de Jesus. Nem todos reconhecem ainda a importância e a dignidade da mulher. Ainda estamos, depois de tantos anos da ressureição de Jesus, inseridos num contexto social no qual a mulher é desrespeitada como pessoa. Numa pesquisa rápida em sites, verificamos que, somente no ano de 2022, mais de 1.400 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. Mas, como ressaltado no início da nossa conversa, existem ainda as “mortes” não contabilizadas porque não são corporais, como a violência doméstica, as relações tóxicas, as humilhações, entre outras, que retiram e anulam por completo a dignidade da mulher.
Como cristãos, anunciadores da vida, crentes na ressureição, sigamos o exemplo de Jesus que resguardou o direito à vida e reconheceu a dignidade da mulher. “Não te esqueças de acrescentar que eu também sei sonhar, que eu também sei lutar”. Que sejamos cada vez mais conscientes e defensores de toda a vida. Que jamais percamos a esperança num mundo mais bonito, mais respeitoso e cheio de dignidade.
Fernando Campos Peixoto, SDB, é professor de Filosofia, teólogo e mestrando em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), MS.