No Sul do Brasil, existe uma tradição comum, especialmente entre as gerações mais velhas, de reunir-se nos momentos de lazer para formar a roda de chimarrão, uma herança dos indígenas que habitavam a região. É comum as pessoas encontrarem-se para sentarem-se próximas numa roda, na qual passam a bebida quente de mão em mão.
Durante o tempo que estão juntas, contam histórias da vida, atuais ou antigas, e conversam sobre todos os assuntos: família, política, trabalho, futebol, religião, conquistas, desafios e fracassos. É uma verdadeira rede social. Ali é possível o encontro das gerações: os avós, os pais, os filhos, os vizinhos e os amigos, todos falam e são ouvidos livremente. As crianças, que ainda não são habituadas à bebida, escutam as conversas atentamente e, aos poucos, vão aprendendo a inserir-se na roda de conversa.
Numa roda de chimarrão, as pessoas encontram-se pelo simples fato de desejarem estar juntas: o diálogo brota naturalmente. Embora exista um respeito profundo pelos mais velhos, todos são iguais e todos se expressam livremente. Não é um tempo perdido, mas é um tempo em que se constroem amizades, se olha na face do outro, as pessoas riem e aprendem com as outras. Ali, as pessoas não precisam de filtros, nem de preparação exterior para que os outros as vejam. Elas simplesmente são. É uma experiência que vale a pena ser observada do ponto de vista da comunicação.
Questão de identidade
Em tempos de metaverso, em que as pessoas passam horas vagando pelos espaços on-line desterritorializados e anistóricos, em que se encontram com milhares de pessoas desconhecidas e distantes, talvez nunca vistas de fato, pode ser interessante fazer uma pausa e um resgate de outras formas de comunicação. As diversas tradições locais de qualquer parte do país ou do planeta trazem consigo bonitas e significativas formas de diálogo que, em virtude da aceleração do tempo vivida de forma compulsiva, acabamos esquecendo ou deixando de lado.
Não é uma questão de saudosismo ou de postura “anti-moderna”, é uma questão de identidade preservar as tradições locais, especialmente aquelas que valorizam a experiência de comunidade, de encontro e de comunhão. Vivemos e respiramos em um mundo individualista, no qual a preocupação com o lucro, com a autoimagem, com o ter e o aparecer sufoca a experiência cotidiana de verdadeiro encontro com o outro.
Não temos tempo para ouvir; precisamos o tempo todo dar a nossa opinião, expor a nossa imagem mais bela e mais atual. É um ritmo de vida uniformizado, customizado, que pode preencher momentaneamente o desejo egocêntrico, mas que gera sempre mais vazio, sempre mais isolamento.
Passamos por um processo de colonização imperceptível, que acaba destruindo as culturas locais, rompendo os laços sociais fortes que nos constituem como povo, que nos trazem uma identidade e formam as nossas raízes.
Na encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco retoma uma frase, dita em 1979 pelo cardeal chileno e sacerdote salesiano, Raúl Silva Henríquez, em que ele diz: “Os povos que alienam a sua tradição e – por mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica, econômica e política”.
A forma mais fácil de manipular e dominar um povo é acabando com as suas tradições. Um povo consciente de sua história, que tem um sentido forte de comunidade e que não se deixa levar pelos modismos que surgem é obstáculo para aqueles que dominam e exploram os povos.
O papel do educador
Como educadores chamados a formar as novas gerações, que tipo de educação estamos promovendo? Que capacidade crítica sobre a realidade somos capazes de tecer entre os jovens? É muito importante que estejamos nos novos pátios, nas novas fronteiras de missão. Não podemos abrir mão de habitar esse novo continente que se abre para nós, porém, como conseguimos integrar o legado cultural das gerações anteriores? Que diálogo entre culturas estamos sendo capazes de construir? Ou estamos simplesmente sendo instrumentos de um mercado globalizado, neoliberal e individualista?
Certamente, as culturas e tradições locais trazem consigo aspectos que precisam ser humanizados, reconstruídos e reinterpretados para que possam fazer sentido e estejam sempre de acordo com os direitos humanos e a plenitude de vida. No entanto, não podem ser desconsiderados ou vistos como elementos de menor importância, ou pior, como uma cultura inferior que não tem sentido para as novas gerações.
A roda de chimarrão é um belo exemplo de cultura do diálogo e do encontro. Que outras experiências significativas de comunicação e comunhão as nossas culturas e tradições locais trazem consigo? Esse seria um tema interessante para discutir numa “roda de chimarrão”, ou ao redor de uma mesa saboreando um café, uma água de coco ou ainda um caldo de cana.