Na Encíclica Laudato Si: Sobre o cuidado com a Casa Comum, o Papa Francisco, muitas vezes, nos aponta sua preocupação sobre a sucessão da família humana (LS13), nos interpela a pensar em que mundo queremos deixar para as gerações futuras (LS21) e nos encoraja para trilharmos uma travessia de desenvolvimento sustentável e integral.
Estamos olhando para o futuro, pois o presente, com todos os seus problemas, nos incomoda, sobretudo nesse tempo da pandemia do Covid-19. Nesse sentido, o passado não deve ser colocado como opção, como um lugar para se voltar, pois muito do que se vive hoje é um reflexo do que produzimos ontem, como os recordes de queimadas, com as boiadas passando e até desigualdades que fazem com que a maioria dos mortos pela Covid-19 esteja entre a população mais pobre.
Os números não nos deixam dúvidas, uma vez que os maiores números de óbitos em todo o mundo estão entre os mais pobres e entre aqueles que cuidam dos doentes, doando a suas vidas para salvar outras vidas.
A partir da realidade, é preciso suscitar sempre esperança e saber escutar o povo, as culturas ancestrais (LS129) que trazem consigo um conhecimento empírico, geracional e com raízes profundas que podemos traduzir em um autêntico humanismo cristão.
Repensar o mundo que queremos
Que mundo queremos e devemos construir para que todos nós possamos viver com honestidade, alegria e socialmente juntos, com o suficiente e decente para toda a humanidade?
Precisamos repensar o mundo que queremos, ter a coragem de fazer uma travessia dolorosa, verdadeira via crucis, abandonando muitas coisas, assumindo novos valores (LS64), novos estilos de vida (LS204), novas formas de consumo (LS50) e, especialmente, uma nova relação com a nossa Casa Comum (LS220).
Somos vulneráveis e frágeis e isso deve ser o motivo de nos conscientizarmos da necessidade da formação de novas mentes e novos corações.
Ter nova mente significa entender que nossa Casa Comum não é algo morto; pelo contrário, é um organismo vivo que articula o químico, o físico, o ecológico, todos os elementos, as energias cósmicas e a própria Terra de tal maneira que ela se mantém viva e deve produzir vida.
O ser humano é uma porção da Terra que, em uma fase avançada de sua complexidade e evolução, começou a sentir, pensar, amar e venerar. Assim, surgiu o ser humano, homem e mulher; é, por isso que a palavra ‘homem’, vem de “húmus”: terra fértil.
O Papa Francisco nos recorda de que “nós somos terra” (LS2), não toda a Terra, mas aquela porção que pensa, cuida e ama. Então, mudar a mente é ter uma nova compreensão sobre nossa Casa Comum, dado que somos a própria Terra pensante e inteligente.
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A linguagem da alma
Madre Mazzarello, em sua carta 19, aconselha a Irmã de Negri para que, ao estudar as línguas deste mundo, estude também a linguagem da alma com Deus. Para ela, essa era a verdadeira ciência. Podemos perceber sua consciência da importância de formar uma nova mente, mas de nada valeria se não fosse formado um novo coração.
Por isso, não basta apenas ter uma mente que pensa; é preciso ter um coração aberto a um processo educativo. Podemos passar a vida inteira com muitas informações e, ao mesmo tempo, sem nos permitir passar por um processo de transformação do coração.
Não temos apenas saberes, mas temos um coração que é a fonte de um braço estendido para consolar e de uma mão estendida para enxugar uma lágrima, pois é o coração que sente.
Nosso coração necessita ser formado para sentir a dor dos animais que sofrem, de espécies vegetais que estão desaparecendo e dos seres humanos que morrem de fome. Como diz o Papa Francisco, “devemos ouvir o clamor da Terra e o clamor dos pobres” (LS49). Os dois estão crucificados, e devemos baixá-los da cruz para que não sofram mais e vivam em plenitude.
O coração é a sede do mundo das excelências, da ética, da sensibilidade, da espiritualidade. Aqui está a parte mais profunda de nós mesmos.
A maior crise que vivemos não é política, econômica, estética, religiosa, mas a falta de sensibilidade, a falta de coração nos seres humanos que podem conviver com milhões de pessoas morrendo na miséria sem se incomodar com isso (LS90).
Coisa do coração
“A educação é coisa do coração”, já nos dizia Dom Bosco. Quanta profundidade existe nessa conhecida afirmação. Só se educa quando o coração do educador já foi conquistado a se abrir ao outro. Por isso é fonte de confiança, de cuidado e de partilha. Só assim pode conquistar outros corações.
Para Dom Bosco, o coração de todo jovem continha fagulhas de bondade. Era dever do educador descobrir e potenciar sua habilidade para o bem, tendo sempre, por objetivo, utilizar esse potencial para uma transformação da sociedade.
Nesse sentido, nossas obras precisam estimular e apontar o positivo de cada pessoa, devem permitir que ali os jovens sintam que podem traçar uma travessia de mudança, de novas escolhas e de conversão sem serem julgados, sentindo-se apoiados a trilhar a travessia da formação de uma nova mente e de um novo coração.
O cuidado com nossos ambientes educativos está na lógica da preventividade, pois antecipa situações, estimula a descoberta de dons e indica um novo estilo de vida por meio de propostas que levem todos a fazerem uma experiência profunda com a pessoa de Jesus de Nazaré, fonte de toda mudança interior.
Resgatar a lógica e os direitos do coração nos move na direção do outro. Devemos educar para a lógica do coração que são o sentimento, a bondade, a sensibilidade profunda, a ética dos valores, a compaixão e a solidariedade. Afinal, o “Senhor nos colocou no mundo para os outros”, já dizia Dom Bosco.
Uma casa salesiana deve ser fonte de esperança para o mundo. “A esperança convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas” (LS61). Sendo assim, não podemos desanimar, pois toda crise é uma oportunidade de crescimento e do surgimento do novo.
Cultivar o amor, a compaixão, a misericórdia, o cuidado, a fraternidade, a responsabilidade e o respeito a tudo o que vive sobre a Casa Comum é nos colocar no caminho de Jesus.
Quem vive esses valores dignifica a vida, faz do distante um próximo e do próximo um irmão e/ou irmã. Apenas dessa maneira, garantiremos o tipo de mundo que nós queremos deixar para as gerações futuras.
Há um broto nascendo, surgindo em silêncio, aos poucos, em meio aos barulhos e ruídos dos bombardeios de tantas notícias que chegam até nós. Caminhemos na alegria da esperança (LS244), lembrando as palavras do Papa Francisco de que uma árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que cresce. Estamos no tempo do crescimento de florestas.
Ir. Celene Couto Rodrigues, FMA, é graduada em Geografia pela Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro, Animadora Laudato Si credenciada pelo Movimento Católico Global pelo Clima e Green Líder da Don Bosco Green Alliance no Brasil. Atualmente é Coordenadora de Pastoral da Obra Social Recando da Cruz Grande em Itapevi, SP.
Veja no BS Digital de Setembro:
Juntos para fortalecer a ação social salesiana
A Bíblia na educação das novas gerações
Ser cristão leigo ou leiga em missão