Iniciada na primeira semana de dezembro, a greve de fome encabeçada por duas trabalhadoras rurais e um frei católico, na Câmara dos Deputados, durou dez dias e teve como principal reivindicação a luta contra a Reforma da Previdência, além de despertar a consciência da população para os riscos daquilo que o Governo Federal vem tentando impor. As privações físicas pelas quais o grupo de manifestantes voluntariamente se submeteu têm uma pauta bem definida: a defesa dos mais pobres.
Isso porque a Reforma da Previdência, como está sendo feita hoje, atingirá diretamente grande parte da população menos favorecida, colocando-a ainda mais em situações de exclusão social e econômica.
A Previdência Social
A Previdência Social é um direito previsto nos artigos 6º e 201 da Constituição Federal, que garante renda (não inferior ao valor de um salário mínimo) aos trabalhadores e a suas famílias nas seguintes situações, mas, principalmente: (i) doença, invalidez, morte e idade avançada do trabalhador; (ii) proteção à maternidade, especialmente à gestante; e (iii) proteção em caso de desemprego involuntário.
Importante saber que a Previdência se constitui em uma espécie de seguro obrigatório, no qual todos os trabalhadores participam, mediante contribuições mensais, descontadas diretamente em seu salário.
O ideal da Previdência é proteger o trabalhador dos chamados “riscos econômicos”, ou seja, situações fora de seu controle que lhe privem o trabalho e retirem a dignidade de seu sustento e de sua família.
Para essa proteção, o Estado instituiu um sistema com três programas sociais, o tripé no qual se sustenta a Previdência, nas seguintes áreas: (i) saúde; (ii) previdência; (iii) seguridade.
Como a Previdência funciona hoje?
Para manter o sistema da Previdência Social (saúde, previdência e seguridade), o Governo utiliza diversas fontes de custeio e financiamento: contribuições das empresas e dos empregadores (que corresponde a 20%), dos empregados (que corresponde entre 8 a 11%) e dinheiro oriundo do próprio Governo Federal (União), que repassa ao caixa da Previdência o restante, arrecadado por meio de contribuições e impostos.
Para alguém pleitear um benefício junto à Previdência, é necessário preencher uma série de requisitos.
Por exemplo, para alguém se aposentar, é necessário possuir, no mínimo, 30 anos de contribuição, se for mulher, ou 35 anos, para os homens. Também é possível se aposentar caso a pessoa tenha contribuído com a Previdência por, no mínimo, 15 anos, desde que se complete a idade de 60 anos, se mulher, ou 65, se homem.
Também é possível assegurar o pagamento de uma renda mínima às pessoas idosas ou portadoras de deficiência física que não tenham condições de trabalhar e prover seu próprio sustento.
A proposta de Reforma da Previdência
Apesar das regras de funcionamento da Previdência terem sofrido diversas alterações ao longo dos anos, de 1998 a 2013, o Governo atual pretende alterar novamente a legislação sobre o tema, sob o argumento de que “as contas não fecham”.
O Poder Executivo alega que a quantidade de benefícios pagos pelo sistema da Previdência Social é maior que os valores arrecadados para sua manutenção. Em outras palavras, há a alegação de que se gasta mais do que se ganha.
Para isso, propôs uma série de mudanças, elencadas em cinco principais pontos. Os principais referem-se às regras para aposentadoria: pretende o Governo que a idade mínima para se aposentar seja de 67 anos, tanto para homens quanto para mulheres, além de haver um tempo mínimo de 30 anos de contribuição.
Precisa ser assim?
Quando o assunto retornou na pauta do Governo, diversas entidades que trabalham com o assunto se manifestaram contra a proposta de reforma, alegando que as contas divulgadas pelo Poder Executivo são falsas e omitem dados.
No calor dos debates entre a sociedade civil e o Poder Público, foi instaurada uma CPI no Senado Federal para apurar se as contas do Governo, de fato, “não fechavam”. O relatório, de 231 páginas, aprovado pela Comissão de Senadores após 26 audiências públicas, atestou que não há déficits atuais no sistema de Previdência Social, e que não é preciso dificultar as regras de aposentadoria e outros benefícios, contra o trabalhador, para fazer a máquina da Previdência continuar a funcionar.
Para isso, os parlamentares sugeriram uma série de medidas a serem adotadas pelo Governo, naquilo que tem se chamado de “reequilíbrio de contas”, como, por exemplo, cobrar a dívida de R$ 450 bilhões de reais que empregadores e empresas privadas têm com a Previdência.
Defender o nosso direito: um dever cristão
Muito tem se falado a respeito das contas públicas. O cuidado com a economia e com o dinheiro público – que é do povo e deve ser usado em benefício dele – deve ser a principal missão de um administrador público. Contudo, o cuidado deve visar sempre uma parcela da população: os mais pobres e excluídos.
Como nos lembra o Papa Francisco, em sua Exortação Evangelii Gaudium, “assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco” (EG, 53).
Por isso, devemos sempre questionar: se há uma solução para a economia, e ela envolve cobrar empresas e o setor privado, por que sacrificar os mais pobres? Por que exigir que os trabalhadores do campo e da cidade trabalhem mais tempo para pagar uma conta causada pela sonegação de grandes empresas? É nisso que o Governo deve se empenhar: em dar a conta do “déficit” para quem a causa, e não colocar a culpa sobre os trabalhadores mais pobres.
E por isso que se informar sobre a pauta da Reforma da Previdência, tomar um lado, em favor da vida dos mais pobres, é um dever de todos, mas, principalmente, um dever do cristão.
Iago Rodrigues Ervanovite, 24 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República, e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).