O Ano da Misericórdia

Sexta, 22 Julho 2016 15:47 Escrito por  Leandro Francisco da Silva
“Misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. [...] É o caminho que une Deus e os homens, por que nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”, afirma o Papa Francisco na bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia.

O Ano Santo da Misericórdia instituído pelo Papa Francisco quer ser para a Igreja e para o mundo todo, bálsamo para curar as feridas de tantos quantos vivem nas mais variadas “periferias existenciais”, em busca de sentido para suas vidas marcadas pela omissão dos poderes públicos, pela exclusão social e religiosa, pela falta de solidariedade, pela falta de amor. É nessas periferias que Deus se revela, nos gestos mais simples e nas pessoas que procuram ser “cirineus” na vida destes necessitados, fatigados com o peso de tanta indiferença e maldade humana. Ser sinal concreto do amor de Deus por seus filhos – um amor visceral, demonstrado num olhar diferente, de alguém que ama, que perdoa e por isso liberta e salva. O Ano da Misericórdia precisa nos despertar para a conformação com Deus, que ama e que perdoa.

 

Jesus: o rosto misericordioso de Deus-Pai

Ao nos referirmos a Deus, muitas imagens lhe são atribuídas: um Deus “juiz”, castigador, distante, vingativo, regulador etc. Todas implicam no modo como vamos viver os princípios ético-morais que nos são ensinados, quer seja na família, na escola, com os colegas, quer seja junto à comunidade cristã. Tais imagens podem comprometer gravemente a relação eu-Deus-outro, a partir do momento em que tenho certo pessimismo, limitação da graça sacramental, reservada a alguns, redução elitista da salvação eterna etc.

Todas essas imagens caem por terra quando apresentamos a imagem de Deus, revelada a nós em Jesus Cristo. É ele o rosto amoroso e misericordioso de Deus. Para não cairmos na tentação desta visão rigorista jansenista (o jansenismo ordenava a vida cristã sob o olhar de um Deus exigente), é preciso olharmos sempre o Cristo do Evangelho; é isto que muitas vezes nos falta, pois olhamos para os outros e suas práticas, e esquecemos de olhar para nós mesmos, para nossas limitações e para o próprio Cristo, com seu amor de Pai, revelando sempre o olhar de um Deus presente e amoroso que enviou seu próprio filho para nos salvar. Por meio de Jesus Cristo, Deus toca a humanidade inteira, estabelece com ela uma comunicação de amor, de um pai que “ousa” e que deseja estar perto de seus filhos amados. Portanto, mostrar aos homens o verdadeiro rosto misericordioso de Deus revelado em Cristo Jesus é a mais importante tarefa pastoral da Igreja.

Para tanto, é preciso nos permitir, assim como o barro na mão do oleiro, nos moldar, a nós e aos nossos conceitos, visões, imagens que temos de Deus, do outro e do mundo. E Jesus sempre é a “mão”, por onde devem ser moldados esses conceitos. Deixemo-nos moldar por ele, para que tenhamos um ano kairós, isto é, o ano da graça, um ano de verdadeiros reconciliados com Deus, com os outros e com nós mesmos. 

 

A deturpação da lei

“Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra” (Jo 8,7). Em todas as sociedades há princípios que, implícita ou explicitamente, norteiam a maneira de agir, de pensar, de viver. A convivência social depende desta organização jurídica que regulamenta direitos e deveres de todos os cidadãos. No entanto, esta ordenação legal não consegue compreender de maneira totalizante a vida concreta, as fragilidades das pessoas, seus dons, enfim, sua complexidade.

Conforme afirma São João Bosco no Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales: “Como é cômodo julgar as pessoas a partir de critérios ‘seguros’, como é fácil e injusto apelar para o peso da lei para condenar tantas pessoas marginalizadas, incapazes de viver integradas em nossa sociedade, conforme a ‘lei do cidadão ideal’: filhos sem verdadeiro lar, jovens delinquentes, vagabundos analfabetos, dependentes de drogas sem recurso para tratar-se, ladrões sem possibilidade de trabalho [...]’’.

Como forma de exemplificar esta deturpação, ou melhor, “absolutismo legal”, podemos nos debruçar sobre a cena da mulher adúltera, em que Jesus reinterpreta a lei. Enquanto o povo está amparado em seus motivos de matar, Jesus lhe oferece seu olhar compassivo. Coube a ela o milagre de esquecer todos os outros olhares que a condenavam para apegar-se ao olhar misericordioso de Jesus. Que, a exemplo de Jesus, voltemos os nossos olhares de misericórdia para todos os feridos pelo pecado, enfaixando-os, levantando-os, curando-os, dando-lhes um remédio único capaz de dar a vida: o amor.

 

Dom Bosco, instrumento da misericórdia

Se Deus é misericórdia, uma de suas maiores expressões é o sacramento da Confissão. É partindo deste pressuposto que pretendo falar de Dom Bosco, como esse instrumento da misericórdia. Instrumento, pois é Deus quem age na pessoa do sacerdote e confere às pessoas que o procuram no sacramento da Confissão, o seu amor e a sua misericórdia. “A todos que perdoardes serão perdoados”. Por tanto, todos que o procurarem poderão experimentar o amor salvífico de Deus, sua bondade.

Esta foi uma das muitas tarefas que Dom Bosco pôde desempenhar até certo momento com os seus jovens, pois via aí uma boa oportunidade de conhecê-los e demonstrar-lhes o amor de Deus por eles. Ficava horas a ouví-los e a aconselhá-los como o pai com os seus filhos; um pai que, sendo o instrumento da misericórdia, permitia aos seus reescrever novas páginas de suas vidas, feridas e sobrecarregadas com o peso do pecado, afim de que lá encontrassem o Cristo que perdoa e salva. “Sabei, meus caros jovens, que os dois sustentáculos mais fortes que podem manter-vos de pé e caminhar pela estrada do céu são os sacramentos da Eucaristia e da Confissão”, afirmava Dom Bosco.

Conforme analisa dom Hilário Moser, SDB, sobre São João Bosco, a insistência sobre a frequência sacramental parte da consciência da fragilidade humana [...] e da convicção da poderosa ação transformadora do Espírito Santo que, agindo no sacramento, opera a purificação radical e cria condições interiores ideais a fim de que o Senhor possa tomar posse do coração de maneira sempre mais sólida.

Maria, mãe de Jesus, interceda por cada um de nós para que, a exemplo de Jesus, saibamos perdoar a todos os nossos irmãos. E que possamos, também nós, gerar em nossas vidas o rosto misericordioso de Jesus. “Dirijamos-lhes a oração antiga e sempre nova, da Salve Rainha, pedindo-lhe que nunca se canse de volver para nós os seus olhos misericordiosos e nos faça dignos de contemplar o rosto da misericórdia, seu filho Jesus”, nos pede o Papa Francisco.

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Última modificação em Sexta, 22 Julho 2016 16:22

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O Ano da Misericórdia

Sexta, 22 Julho 2016 15:47 Escrito por  Leandro Francisco da Silva
“Misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. [...] É o caminho que une Deus e os homens, por que nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”, afirma o Papa Francisco na bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia.

O Ano Santo da Misericórdia instituído pelo Papa Francisco quer ser para a Igreja e para o mundo todo, bálsamo para curar as feridas de tantos quantos vivem nas mais variadas “periferias existenciais”, em busca de sentido para suas vidas marcadas pela omissão dos poderes públicos, pela exclusão social e religiosa, pela falta de solidariedade, pela falta de amor. É nessas periferias que Deus se revela, nos gestos mais simples e nas pessoas que procuram ser “cirineus” na vida destes necessitados, fatigados com o peso de tanta indiferença e maldade humana. Ser sinal concreto do amor de Deus por seus filhos – um amor visceral, demonstrado num olhar diferente, de alguém que ama, que perdoa e por isso liberta e salva. O Ano da Misericórdia precisa nos despertar para a conformação com Deus, que ama e que perdoa.

 

Jesus: o rosto misericordioso de Deus-Pai

Ao nos referirmos a Deus, muitas imagens lhe são atribuídas: um Deus “juiz”, castigador, distante, vingativo, regulador etc. Todas implicam no modo como vamos viver os princípios ético-morais que nos são ensinados, quer seja na família, na escola, com os colegas, quer seja junto à comunidade cristã. Tais imagens podem comprometer gravemente a relação eu-Deus-outro, a partir do momento em que tenho certo pessimismo, limitação da graça sacramental, reservada a alguns, redução elitista da salvação eterna etc.

Todas essas imagens caem por terra quando apresentamos a imagem de Deus, revelada a nós em Jesus Cristo. É ele o rosto amoroso e misericordioso de Deus. Para não cairmos na tentação desta visão rigorista jansenista (o jansenismo ordenava a vida cristã sob o olhar de um Deus exigente), é preciso olharmos sempre o Cristo do Evangelho; é isto que muitas vezes nos falta, pois olhamos para os outros e suas práticas, e esquecemos de olhar para nós mesmos, para nossas limitações e para o próprio Cristo, com seu amor de Pai, revelando sempre o olhar de um Deus presente e amoroso que enviou seu próprio filho para nos salvar. Por meio de Jesus Cristo, Deus toca a humanidade inteira, estabelece com ela uma comunicação de amor, de um pai que “ousa” e que deseja estar perto de seus filhos amados. Portanto, mostrar aos homens o verdadeiro rosto misericordioso de Deus revelado em Cristo Jesus é a mais importante tarefa pastoral da Igreja.

Para tanto, é preciso nos permitir, assim como o barro na mão do oleiro, nos moldar, a nós e aos nossos conceitos, visões, imagens que temos de Deus, do outro e do mundo. E Jesus sempre é a “mão”, por onde devem ser moldados esses conceitos. Deixemo-nos moldar por ele, para que tenhamos um ano kairós, isto é, o ano da graça, um ano de verdadeiros reconciliados com Deus, com os outros e com nós mesmos. 

 

A deturpação da lei

“Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra” (Jo 8,7). Em todas as sociedades há princípios que, implícita ou explicitamente, norteiam a maneira de agir, de pensar, de viver. A convivência social depende desta organização jurídica que regulamenta direitos e deveres de todos os cidadãos. No entanto, esta ordenação legal não consegue compreender de maneira totalizante a vida concreta, as fragilidades das pessoas, seus dons, enfim, sua complexidade.

Conforme afirma São João Bosco no Regulamento do Oratório de São Francisco de Sales: “Como é cômodo julgar as pessoas a partir de critérios ‘seguros’, como é fácil e injusto apelar para o peso da lei para condenar tantas pessoas marginalizadas, incapazes de viver integradas em nossa sociedade, conforme a ‘lei do cidadão ideal’: filhos sem verdadeiro lar, jovens delinquentes, vagabundos analfabetos, dependentes de drogas sem recurso para tratar-se, ladrões sem possibilidade de trabalho [...]’’.

Como forma de exemplificar esta deturpação, ou melhor, “absolutismo legal”, podemos nos debruçar sobre a cena da mulher adúltera, em que Jesus reinterpreta a lei. Enquanto o povo está amparado em seus motivos de matar, Jesus lhe oferece seu olhar compassivo. Coube a ela o milagre de esquecer todos os outros olhares que a condenavam para apegar-se ao olhar misericordioso de Jesus. Que, a exemplo de Jesus, voltemos os nossos olhares de misericórdia para todos os feridos pelo pecado, enfaixando-os, levantando-os, curando-os, dando-lhes um remédio único capaz de dar a vida: o amor.

 

Dom Bosco, instrumento da misericórdia

Se Deus é misericórdia, uma de suas maiores expressões é o sacramento da Confissão. É partindo deste pressuposto que pretendo falar de Dom Bosco, como esse instrumento da misericórdia. Instrumento, pois é Deus quem age na pessoa do sacerdote e confere às pessoas que o procuram no sacramento da Confissão, o seu amor e a sua misericórdia. “A todos que perdoardes serão perdoados”. Por tanto, todos que o procurarem poderão experimentar o amor salvífico de Deus, sua bondade.

Esta foi uma das muitas tarefas que Dom Bosco pôde desempenhar até certo momento com os seus jovens, pois via aí uma boa oportunidade de conhecê-los e demonstrar-lhes o amor de Deus por eles. Ficava horas a ouví-los e a aconselhá-los como o pai com os seus filhos; um pai que, sendo o instrumento da misericórdia, permitia aos seus reescrever novas páginas de suas vidas, feridas e sobrecarregadas com o peso do pecado, afim de que lá encontrassem o Cristo que perdoa e salva. “Sabei, meus caros jovens, que os dois sustentáculos mais fortes que podem manter-vos de pé e caminhar pela estrada do céu são os sacramentos da Eucaristia e da Confissão”, afirmava Dom Bosco.

Conforme analisa dom Hilário Moser, SDB, sobre São João Bosco, a insistência sobre a frequência sacramental parte da consciência da fragilidade humana [...] e da convicção da poderosa ação transformadora do Espírito Santo que, agindo no sacramento, opera a purificação radical e cria condições interiores ideais a fim de que o Senhor possa tomar posse do coração de maneira sempre mais sólida.

Maria, mãe de Jesus, interceda por cada um de nós para que, a exemplo de Jesus, saibamos perdoar a todos os nossos irmãos. E que possamos, também nós, gerar em nossas vidas o rosto misericordioso de Jesus. “Dirijamos-lhes a oração antiga e sempre nova, da Salve Rainha, pedindo-lhe que nunca se canse de volver para nós os seus olhos misericordiosos e nos faça dignos de contemplar o rosto da misericórdia, seu filho Jesus”, nos pede o Papa Francisco.

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