“Educar hoje e amanhã. Uma paixão que se renova” foi o tema do Congresso Mundial de Educação Católica, promovido pela OIEC e pela Congregação para a Educação Católica. Foram dois congressos realizados em Roma, Itália, ao mesmo tempo, entre os dias 18 a 21 de novembro, sendo que os momentos de abertura e encerramento foram realizados em conjunto.
Representando a Rede Salesiana de Escolas (RSE) e a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), participei do Congresso da OIEC, no qual também estavam presentes diversos educadores do Brasil.
Para mim, foi uma experiência riquíssima, tanto pelo conteúdo abordado nas palestras, quanto pelos testemunhos, experiências e contatos realizados. As instituições católicas saíram muito fortalecidas e mais conscientes quanto à definição de sua identidade e missão.
As reflexões tiveram uma linha mestra impostada a partir dos dois documentos conciliares: a Declaração Gravissimum educaciones e a Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae. Esses documentos orientaram os participantes na reflexão sobre o contexto atual da educação católica no mundo, que é composta de 213 mil unidades educativas, atendendo 70 milhões de educandos.
O congresso tinha uma finalidade clara que era a de convocar todos os envolvidos na educação católica para que essa, verdadeiramente, seja um bem partilhado com todas as crianças e os jovens do mundo.
Quatro eixos
A partir de um questionário enviado no ano de 2014 a todos os continentes, puderam ser coletados dados e posicionamentos sobre a educação católica, o que deu a possibilidade de organizar uma síntese e análise, que foram agrupadas em quatro núcleos temáticos. Esses foram os pilares que sustentaram e conduziram a reflexão durante o congresso. São eles: 1) identidade e missão da educação católica, 2) os sujeitos que interagem na educação católica, 3) a formação dos formadores e 4) os grandes desafios.
Sobre o primeiro item, reafirmou o vínculo estreito que existe entre identidade e missão nas escolas e universidades católicas, que se fundamentam na maternal solicitude da Igreja para com o ser humano, ou seja, a missão da educação católica brota da identidade mesma da Igreja e das instituições educativas cristãs que se alimentam do mandato da evangelização “ide pelo mundo e pregai o evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15). “A identidade não é um tesouro a ser guardado, escondendo-o zelosamente em um lugar seguro, mas é um patrimônio que se deve ‘investir’ e colocar à disposição como um dom, para que dê fruto.” É preciso compreendê-lo e levá-lo adiante a partir de uma fidelidade criativa, para que suas propostas sejam adequadas aos numerosos desafios da educação de hoje. A relação entre a identidade e a missão é a alma da educação católica, que se vive a partir de um processo de assimilação da identidade, que é apaixonada pela missão.
Quanto ao segundo item, na educação católica atua uma pluralidade de sujeitos com identidade, funções e papéis diferentes e às vezes complementares: os educandos e suas famílias, os docentes religiosos e leigos, a equipe gestora, os sacerdotes e os bispos. A característica peculiar dessas pessoas é que constituem a comunidade educativa de evangelização. Cada membro é chamado a promover a unidade e contribuir, segundo suas responsabilidades e capacidades nas decisões, mantendo e reforçando o caráter católico da instituição. Um dado importante é que esses sujeitos não sustentam as unidades educativas só porque as mesmas têm recursos financeiros, mas porque as mesmas têm educadores identificados, projetos claros e cultivam relações humanas pela vivência de valores. Essas comunidades quanto mais evangelizadoras, mais engajadas são em comunidades sociais amplas.
Formação dos formadores
A formação dos formadores, abordada no terceiro núcleo temático, retoma a Gravissimum educationis, a qual coloca que a educação católica é constituída por profissionais competentes e conscientes do seu papel de educadores e formadores de identidades e personalidades. Para que isso se consolide, é imprescindível uma formação integral dos docentes, a qual muitas vezes não é adequadamente preparada e nem priorizada. O congresso reforçou, ainda, a necessidade de uma formação dos docentes que não reforce só as competências profissionais, mas que enfatize a dimensão vocacional da profissão docente, de modo a favorecer o amadurecimento da mentalidade inspirada nos valores evangélicos, segundo os aspectos específicos da espiritualidade e da missão do Instituto [ao qual pertence].
Os estudantes necessitam de educadores que verdadeiramente sejam testemunhas, que vivam os valores nos quais tratam de educar. O compromisso dos docentes da educação católica é o de sentirem a exigência de amar o serviço cultural a favor da sociedade, promovendo-o com convicção. Portanto, a finalidade da formação consiste em construir e consolidar a comunidade dos educadores, para que viva a missão educativa na comunhão e na “visão compartilhada” entre pessoas consagradas e leigos, acolhendo e harmonizando as contribuições específicas uns dos outros.
Desafios
O quarto núcleo destacou diversos desafios, dentre esses os três principais são:
1) O desafio da educação integral, que se refere aos pilares da antropologia e da pedagogia cristãs, que se faz concreto no desenvolvimento pessoal do estudante a partir da integração entre o processo intelectual com o crescimento espiritual. Como afirma o documento Ex corde Ecclesiae, nº 20: “Todo o processo educativo está orientado, em definitiva, ao desenvolvimento integral da pessoa.
2) O desafio da formação em sintonia com a fé, intrinsecamente unidas na identidade católica que, por sua plena subjetividade eclesial, assume a força de uma comunidade de fé e de aprendizagem. Faz-se um convite a discernir, criteriosamente, a seleção e formação dos docentes; a cultivar e seguir a formação dos leigos para que assumam papéis de liderança nas instituições educativas; a promover alianças educativas com as famílias e outros interlocutores das comunidades educativas; e a oferecer um testemunho evangélico comunitário claro e reconhecível, que pode se expressar em explícitas formas e propostas culturais.
3) O desafio das periferias, dos pobres e das novas pobrezas se torna um ponto de referência privilegiado e, em certa medida, um critério de orientação partilhado por toda a comunidade profissional e educativa. Significa que, por natureza e opção, nas instituições educativas católicas “os que se encontram em situações difíceis, os mais pobres, frágeis e necessitados não devem se sentir como um estorvo ou um obstáculo, mas como o centro da atenção e da ternura”. Assim, as instituições educativas católicas são interpeladas a manter viva a atenção aos mais fracos, marcados pela pobreza material, fazendo com que seu projeto educativo seja integral, inclusivo, desenvolvido segundo o Evangelho e aberto a todos.
Em conexão a esses quatro núcleos temáticos, o congresso deu um enfoque eloquente no sentido de que é preciso transformar as escolas para dar respostas eficazes ao mundo de hoje, para ajudar a formar crianças e jovens de hoje. Usar a imaginação para arriscar o novo, sem medo, como fez Jesus de Nazaré. É preciso mudar para manter a identidade católica evangelizadora, de modo a propiciar que o jovem se pergunte: qual é o sonho que Deus tem para mim? O que posso fazer para tornar as pessoas e o mundo mais felizes com minha presença e atuação? As pesquisas, reflexões e boas práticas mostraram que o que faz o sucesso de uma pessoa é a cooperação, a criatividade, o profissionalismo, a equidade (inclusão), enfim, a vivência de valores.
Papa Francisco
O congresso se encerrou com chave de ouro, sobretudo pela presença do Papa Francisco, que frisou que educar é introduzir na totalidade da verdade, que é preciso viver a cultura do encontro e que a educação se tornou seletiva e elitista; que os educadores precisam buscar coisas novas, como Dom Bosco, que soube introduzir a educação informal, rompendo com o esquema positivista de educar só a mente, porque as experiências com a arte, com o esporte também educam; é preciso abrir-se a novos modelos, a outros horizontes fazendo a educação seguir três vias: ensinar a pensar, ajudar a sentir e acompanhar no fazer, de modo que essas três linguagens estejam em harmonia para que a educação se torne inclusiva. Inclusiva também humanamente, porque o mundo não pode ir adiante com a seletividade.
Comentou o que dizia um grande educador brasileiro, que na escola formal se deve evitar cair no ensino só dos conceitos: a verdadeira escola deve ensinar conceitos, atitudes e valores. Se não faz isso de modo integrado, essa escola se torna seletiva, exclusiva e para poucos, dando-se o rompimento do pacto educacional. Isso acontece quando são selecionados só aqueles que são bons, e isso destrói a verdadeira humanidade. Destacou que uma coisa que ajuda é uma certa e sadia informalidade respeitosa, sem rigidez e fechamento.
Papa Francisco lançou o desafio: “Deixem os lugares onde têm muitos educadores e vão para as periferias. Os jovens da periferia têm a experiência da sobrevivência, da crueldade, da fome. Eles têm uma humanidade ferida. A nossa salvação vem de um homem ferido na cruz. Não é ir à periferia para dar de comer – isso é provisório, é o primeiro passo. Mas ir lá para ajudá-los a crescer em humanidade, inteligência, valor, atitude [...]. Ir à periferia não para fazer assistência, mas para levar a educação. Façam o que fez Dom Bosco, frente a tantos jovens de rua, fez uma educação de emergência, diversificada. A maior falência que pode acontecer a um educador é educar dentro dos muros de uma cultura seletiva, de segurança, de exclusão social”.
O Congresso Mundial sobre a Educação Católica possibilitou aos participantes uma experiência ímpar pela sua universalidade, abriu para novos horizontes e impulsionou para uma aprendizagem mais solidária, serviçal, crítica, colaborativa, integral, inclusiva, intercultural, acolhedora e fraterna.
Ir. Adair Aparecida Sberga, FMA, é diretora-executiva da Rede Salesiana de Escolas.