Quando o tema é saber discernir, como tratamos no primeiro artigo desta série, separar e escolher, precisamos recorrer a duas ciências humanas importantes: a Psicologia e a Filosofia. Em ambas é constatável que o ser humano passou por fases, por mudanças profundas, e continua ainda em um processo evolutivo que depende muito dos estímulos que recebemos.
Freud e o inconsciente
O Pai da psicologia moderna, Freud, não considerava a decisão como algo relevante porque, para ele, o ser humano não tinha a liberdade interior e exterior que desse a ele a iniciativa de decidir. Para Freud, o ser humano era condicionado e regulado pelos impulsos inconscientes, sobretudo os sexuais. Uma espécie de defesa criada por nós mesmos para nos fazer calar o desejo.
Trata-se de uma pessoa passiva, movida pelo impulso e pelo medo de morrer. Tudo que se referisse a discernimento, para Freud, era considerado como mito. Evidentemente que os psicólogos posteriores estão revendo esta posição de Freud, embora muitos profissionais ainda se deixam conduzir por este tipo de visão.
A força interior
Os psicólogos humanistas, como Fromm, Rogers, Maslow e tantos outros, que reagiram à psicanálise ortodoxa freudiana, passaram para o outro extremo das possibilidades de decisão. Para eles, o ser humano tem uma força interior capaz de o deixar completamente livre e autônomo para decidir, independentemente da liberdade e da vontade. Ou seja, é como se o ser humano já nascesse condicionado ao bem e, portanto, escolher o bem é algo natural, cada um de nós determina o valor de uma experiência.
Sendo assim, desaparece completamente a força consciente da reação e da ação e a vontade deixa de ser importante no processo de discernimento. Por conseguinte, o ser humano não tem nenhuma responsabilidade na sua escolha. Em palavras mais simples, seriamos fantoches de nós mesmos.
Ação-reação
Outra corrente da psicologia moderna é a chamada Behaviorista. Para os psicólogos desta influência filosófica, o ser humano é determinado por causas externas e suas decisões são condicionadas pelos estímulos que recebe. A decisão é assim gerada por um reforço, que provoca uma espécie de estímulo-reposta.
Então, as decisões do ser humano seriam determinadas não pelo consciente ou pela capacidade de reflexão, mas pelo estímulo exterior. Por exemplo, uma pessoa com boa índole, recebendo os estímulos externos favoráveis ao que se quer, poderia ser um bom professor, médico, presidente, padre, sem necessariamente precisar despertar nele habilidades, emoções e motivações. O ser humano seria um robô pré-formado para reagir segundo a programação elaborada nele.
Está difícil discernir!
A consequência de tudo isso é que no processo de discernimento como pede o Papa Francisco na Exortação Apostólica Cristo Vive, podem aparecer orientações ora freudianas, ora humanistas, ora behavioristas, impedindo assim que o jovem decida com liberdade, vontade e responsabilidade. Talvez seja por isso que muitos jovens, hoje, não conseguem discernir, têm medo de escolher e permanecem passivos diante de suas reações internas e externas. Tudo se torna passageiro, sem importância e descartável, inclusive a vida.
Discernir é autotranscender no amor
No número 285 da Exortação Cristo Vive (CV), o Papa Francisco elabora algumas perguntas de sentido profundo em vista do discernimento. A primeira é: Conheço-me a mim mesmo, para além das aparências ou das minhas sensações? A pergunta procede porque vivemos em uma cultura de aparências, sensações imediatas e até efêmeras. Isto vai na contramão da vocação cristã, que é, exatamente, a da liberdade da autotranscendência do amor, na qual Deus Trino ocupa o centro.
Na liberdade que vai além do egocentrismo, toda e qualquer escolha é importante, até aquelas do cotidiano; isto é importante para todos, sobretudo para os jovens, pois toda escolha é fruto de uma conduta que amadurece e torna-se criativa. Quem aprende a decidir e fazer opções regulares, distanciando-se das situações para saber julgar sem paixões ou impulsos de momento, coloca o projeto de vida no centro de suas escolhas. O contrário é o falimento da liberdade e da disciplina pessoal.
Quando escolho, tenho valores
Um jovem, quando começa a guiar suas decisões, cria ao redor de si valores e sua auto-identidade. Cada situação que aparece, às vezes até surpreendendo, reforça a própria capacidade de reflexão. Portanto, a arte de decidir é o caminho do provisório e do relativo, que coloca o jovem em uma atitude de peregrino. Quando um jovem se exercita nessas escolhas “micro”, saberá, em outro momento da vida, fazer escolhas “macro”, de significado definitivo, como é, por exemplo, o chamado à vida religiosa ou ao ministério presbiteral, incluindo até a decisão matrimonial.
Toda escolha deve ser livre
Não adianta querer resolver o problema sentimental do pai, da mãe, do amigo e até do confessor ou diretor espiritual, decidindo para dar alegria a eles. Isto seria um absurdo. A escolha não pode ser determinada por pressões externas ou internas, mas unicamente pautada no valor que o jovem colheu de suas muitas decisões. Trata-se, portanto, de uma liberdade que leva a pessoa a sair de si mesma para se realizar de forma autêntica e não uma liberdade ilusória ou de impulsos de servidão.
É fato: toda escolha na liberdade é autotranscendência no amor. É somente quando é capaz de amar mais, ser mais livre e mais consciente, que a pessoa pode superar toda e qualquer surpresa de futuro e ter a resiliência necessária para transpor os obstáculos que a vida apresenta, sem perder os valores fundantes de sua vocação. Portanto, a formação religiosa que não educa para essa liberdade escraviza e destrói pessoas. Paulo mesmo disse: “É para a liberdade que Cristo nos libertou!” (Gal 5,1).
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.