O Concílio Vaticano II (1962-65) pediu aos religiosos que fossem à fonte carismática para beber novamente do manancial primeiro. Ir ao poço onde o fundador encontrou a água que o saciou. A vida religiosa deve ser o lugar do encontro. Isto quer dizer, reencontrar os fundadores e recriar o carisma fundacional. O paradigma para este ato criador para nós salesianos é o pátio místico de Valdocco. Lugar teológico do encontro com Deus nos jovens e concretização da caridade ativa tão cara a Dom Bosco.
Beber na fonte carismática é saber manter vivo o carisma, purificando-o da rotina institucional que pode levar a fixar o olhar para dentro, esquecendo que fomos criados pelo Espírito Santo para nos voltar para fora, para os destinatários privilegiados da missão comum. Esse olhar é benéfico e nos impulsiona de forma missionária a não ceder à tentação de parar no tempo e nas armadilhas da comodidade.
Rompendo paradigmas
A fundação da Pia Sociedade de São Francisco de Sales (1859) foi um caminho longo cheio de espinhos e de rompimento de alguns paradigmas. Dom Bosco saiu de uma realidade rural, marcada pela pobreza e pela ideia de que fazer a vontade de Deus era não ir além da própria realidade natural. João Bosco não se acomodou a esta realidade. Ele teve a coragem de sair, não para ficar rico e poderoso, mas para estudar, ser padre e cuidar dos meninos mais pobres.
O segundo paradigma foi o cultural. Ele deixou o campo e foi para um ambiente mais desenvolvido, a cidade de Chieri, para crescer culturalmente, depois chegou a Turim e ali amadureceu sua opção pelos jovens mais pobres. Esta saída o colocou dentro do emaranhado urbano do século XIX onde ele encontrou os jovens em situação de risco.
O terceiro paradigma foi a riqueza do sistema preventivo que ele assimilou e traduziu produzindo cultura juvenil em livros, jornais, panfletos, teatro, música, orações etc., para favorecer aos meninos condições de crescerem sabendo aprender. O quarto foi o projeto de vida religiosa e missão. Dom Bosco fundou uma sociedade composta por irmãos e padres dedicados à evangelização dos jovens. Disto nasceu o impulso missionário que levou os salesianos a andarem pelo mundo para levar Dom Bosco onde estão os jovens. É uma vida religiosa juvenil, missionária e midiatizada.
Conclusão
Ao completar 200 anos do nascimento de Dom Bosco, é evidente que os salesianos continuam crescendo, sobretudo na África e na Índia, embora na Europa estejamos envelhecidos e na América Latina e Caribe, quase que estagnados. No Brasil, com tantas obras significativas, cheias de jovens, não conseguimos manter um ritmo constante de crescimento vocacional.
É o momento da escuta do Espírito que fala às nossas comunidades. Sobretudo, convocar as novas gerações, como bem diz Francisco na sua recente Carta Apostólica sobre o Ano da Vida Consagrada: “Dirijo-me, sobretudo, a vocês, jovens. Vocês são o presente! Porque já estão vivendo ativamente dentro dos vossos Institutos, oferecendo a contribuição determinante com a jovialidade e a generosidade da vossa escolha. Ao mesmo tempo, vós sois o futuro porque brevemente sereis chamados a assumir em vossas mãos a guia da animação, da formação, dos serviços, da missão”.
Precisamos, então, reagir com a força de Deus e o sonho de Dom Bosco, porque no cenário evangelizador das juventudes, o carisma salesiano desponta com dois eixos articuladores: o sistema preventivo e a nova linguagem da comunicação; ambos necessários para chegar ao coração dos jovens e reacender neles o desejo de fazer aquele “exercício da caridade” para o bem de outros jovens.
Termino com outro pensamento de Francisco na referida Carta: “Abraçar o futuro com esperança deve ser o terceiro objetivo deste ano. Conhecemos as dificuldades quevão de encontro à vida consagrada nas suas várias formas [...]. Próprio desta incerteza, que partilhamos com tantos de nossos contemporâneos, se concretiza nossa esperança, fruto da fé no Senhor da história que continua a nos repetir: ‘Não tenha medo... não tenha medo porque eu estou contigo’ (Ger1,8)”.
A esperança da qual falamos não se fundamenta nas numerosas obras, mas sobre aquele no qual depositamos a nossa confiança (cf. 2 Tm1,12) e para o qual “nada é impossível” (Lc1,37). Esta é a nossa esperança que não nos ilude e que permitirá à vida consagrada continuar a escrever uma grande história no futuro. “Caminhar é preciso”, pois somente no caminho aprendemos a rever os passos, calcular as distâncias, deixar o que pesa, descansar e alimentar a alma e o corpo para continuar o itinerário rumo à meta.