O profeta Isaías, em meio à tragédia do exílio, anuncia que a liberdade virá numa luz sem ocaso. A preparação e a vivência do Natal do Senhor têm esta marca profunda de saída da escuridão, dos muros das divisões, da ganância que escraviza e do medo da justiça e da verdade. Às vezes nos esquecemos, como dizia Malaquias, que “a salvação virá nas asas da justiça” (4,2). A salvação não se arrasta como a serpente, mas voa com a força dos pássaros. Assim chega até nós a Palavra que se fez carne para habitar entre nós (Jo 1,14). Para compor este artigo, faço eco às meditações natalinas de três grandes Papas: Francisco, Bento XVI e João Paulo II.
O povo que andava nas trevas viu uma grande luz (Is, 9,1)
Francisco recordava, em 2013, que esta notícia nos comove até hoje porque somos um povo em caminho, e caminhamos em meio às trevas e à luz. No Natal a luz brilha e supera a escuridão que se abate em nossas vidas. Somente no amor a Deus e aos irmãos andamos verdadeiramente na luz. Quando nos fechamos no ódio, na violência, na ganância, na mentira, no orgulho, na busca dos próprios interesses, então as trevas dominam e calam dentro de nós o grito pela vida. Somos povo peregrino, mas não necessariamente um povo errante e sem bússola. A grande luz do Natal nos faz sair de nós mesmos para encontrar Aquele que é; Aquele que vem nas asas da justiça para nos salvar.
Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Messias Senhor (Lc 2,11)
Aquilo que Isaías apenas vislumbrou na escuridão do exílio, lembrava-nos Bento XVI em 2009, o anjo Gabriel anunciou como um fato real e presente. Deus já não é mais o distante, mas aquele que está verdadeiramente conosco. Ele entra no mundo. É o nosso vizinho.
Esta notícia não pode nos deixar indiferentes, acovardados ou limitados em nossos sonhos. Ela nos enche de alegria e nos convoca a levantar, a ir até Belém para ver, tocar, contemplar e ouvir a Palavra da verdade. Assim como os pastores da noite de Belém, devemos estar sempre vigilantes, acordados e com nossas lâmpadas acesas e abastecidas para não sermos pegos dormindo e na escuridão. Estar acordados significa entrar na comunhão com Deus para compreender os sinais silenciosos de sua presença salvadora. Portanto, precisamos partir apressadamente para Belém porque a vida chora naquela manjedoura esquecida pelos poderosos deste mundo.
Veio para o que era seu, e os seus não o acolheram (Jo 1,11)
Há que se perguntar, nos motivava Bento XVI em 2012, se temos realmente espaço para Deus em nossa vida. Se estamos dispostos a abrir a porta de nossa casa para que Ele possa entrar e fazer as mudanças necessárias; ou se estamos segurando a porta e impedindo que Ele entre porque tememos Sua presença. Estamos tão cheios de nós mesmos que resta pouco ou quase nenhum espaço para Deus. Trata-se do espaço para os pobres, para os migrantes, para os refugiados. Também hoje nossas hospedarias estão cheias. Somente a conversão pode abrir espaços de verdadeira fraternidade, acolhida, solidariedade e mudança cultural em nossas ações.
Alguns pensam que as religiões são as culpadas pelas tragédias e violências do mundo contemporâneo. É verdade que uma religião pode se fechar no Templo, mas é também verdade que a luz do Sagrado fortalece ainda mais nossa vigilância para sabermos acolher e a nos tornarmos homens e mulheres de verdadeira paz. É a noite santa de rezar pela paz na Bolívia, na Venezuela, no Chile, na Síria e em tantos outros países em que o ódio deu lugar à violência.
Completaram-se os dias de Ela dar à luz o seu filho primogênito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver para eles lugar na hospedaria (Lc 2,6-7).
Será que este acontecimento é insólito?, perguntava São João Paulo II em 1979. Continuamos a presenciar numerosas crianças sem teto, sem comida, sem educação, sem saúde, sem pai e mãe. É um fato que continua acontecendo no mundo da vaidade e do descarte. Quando nos reunimos em nossas paróquias, comunidades e famílias para celebrar o Natal não podemos esquecer que junto à nossa porta alguém pode estar com fome, nu, abandonado, prisioneiro e com frio.
Sem hospitalidade não há o sentido profundo do Natal, pois o Verbo se faz carne na humanidade e não em nossa mesa farta e nosso estômago cheio. As trevas do erro, do exílio, da morte e da ganância ainda permeiam nossas festas e nossos belos ornamentos de Natal. O que falta é viver a alegria da acolhida desta noite para contemplar o Senhor numa manjedoura; a manjedoura de nossas esperanças.
Hoje nasceu o nosso Salvador (Sl 95)
É Natal. Uma noite singular, recordava São João Paulo II no ano 2000. Era a passagem do milênio. Todos vigiavam um novo céu e uma nova terra. Para alguns seria o tempo final. A noite da morte e do juízo, mas para os que acolheram o Verbo, foi a noite da alegria. Uniuram-se assim a aflição e a esperança, a dor e a alegria, a morte e a vida. Veio ao mundo o Salvador. Aquele que foi deitado na manjedoura é o verdadeiro e único Deus, e nós fomos convidados a ir depressa vê-Lo e adorá-Lo. “Deus nasce na história humana. Deus compraz-se no homem, Deus tornou-se homem, Deus compraz-se em ti. Amém”.
FELIZ NATAL
Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.