Leia a íntegra da mensagem do missionário salesiano:
“Nestes dias, nos sentimos como os discípulos no barco em mar tempestuoso, cercados pelo medo do Ebola, epidemia que se espalhou rapidamente no país. Também na capital Freetown, nos últimos dias, foram encontrados corpos de pessoas mortas, em decorrência do vírus - a morte invadindo suas casas. Algumas cidades foram isoladas, impedindo a entrada e a saída de pessoas.
Médicos e enfermeiros morrem continuamente enquanto cuidam dos doentes. Muitos estão esgotados. Entre as enfermeiras que morreram, algumas não chegaram a terminar os estudos: elas morreram lutando contra uma doença totalmente desconhecida para elas.
Nos mercados, os preços das necessidades básicas sobem constantemente e alguns mantimentos não são mais encontrados. Muitas pessoas têm medo de ir ao hospital quando adoecem, preferindo consultar curandeiros. Alguns argumentam que a epidemia é fruto de forças mágicas e a superstições têm, neste momento, uma influência maior. Outros insinuam a teoria da conspiração, alegando que os hospitais matariam pessoas inocentes para retirada do sangue e órgãos para transplante.
Apesar dos esforços realizados, a situação parece estar fora de controle. Corre o boato de que toda a população será forçada a ficar trancada em casa para uma quarentena de 21 dias: isto é obviamente impossível para uma população que vive um dia por vez, com o pouco que consegue ganhar nas ruas (eles conseguem juntar o valor correspondente a 1 ou 2 euros por dia).
Algumas congregações estão deixando o país e outras se retiraram das regiões mais infectadas.
Ambiente salesiano
Mesmo nesta situação de crise, há também momentos de intensa experiência de Deus. Neste exato momento acaba de entrar na casa um grupo de meninos de rua com quem vivemos e trabalhamos: a simples presença deles enche o ambiente de animação. Seu entusiasmo pela vida é contagiante: tambores, flautas, trompetes, teclados, eles cantam, dançam, jogam bola no pequeno pátio. São jovens e adolescentes que entraram em nossa casa acompanhados por assistentes sociais, colaboradores e amigos que cuidam deles, animados pelo espírito de Dom Bosco.
Na paróquia, todos os dias, cerca de 230 jovens se encontram. São salesianos jovens do MJS (Movimento Juvenil Salesiano) e crianças que participam do acampamento de verão. É muito bonito: jovens colocando-se a serviço dos outros jovens ensinando, animando os jogos e várias atividades. Um dos pontos-chaves do acampamento de verão é, agora, educação para a higiene e os cuidados necessários para evitar a infecção: são mensagens que passam das crianças para suas famílias e para o contexto social em que vivem. É um serviço que prestado a toda a comunidade; é importante, de fato, reduzir o medo e o pânico que invade especialmente os bairros mais pobres. Uma informação correta é a primeira maneira de prevenir a difusão da epidemia. Os jovens se tornam, assim, embaixadores daquela educação sanitária tão necessária em uma crise como a que estamos vivendo.
Durante o verão, oferecemos almoço aos participantes do projeto e, em casos de necessidade, também o jantar. Compartilhamos a alegria de amigos que se recuperaram do Ebola. Para nós, é vital para perceber que não se trata de uma viagem só de ida para a morte. Algumas pessoas que receberam cuidados médicos desde os primeiros sintomas da doença sobreviveram.
Outras Congregações Religiosas
Os irmãos da Congregação de São João de Deus continuam sua batalha corajosa contra o Ebola em seu hospital de Serra Leoa - Lunsar. As irmãs do Santo Rosário têm demonstrado verdadeiro heroísmo quando decidiram voltar para Kenema, uma cidade decretada em quarentena pelo exército, que bloqueou seu acesso. Nós compartilhamos, com outros religiosos das áreas mais afetadas pela epidemia, o arroz que a promotoria missionária enviou há alguns meses para Freetown. Dentro de nossa comunidade sentimos um forte apelo à ação para ajudar os mais afetados: orem por nós, porque aprendemos a reconhecer e cumprir a vontade de Deus neste tempo de provação.
Eu agradeço ao Senhor porque eu vejo que nestes dias há um grande esforço da comunidade para ser fiel aos momentos de oração. O jantar, agora, dura mais: representa também um momento para compartilhar alegrias e tristezas, medos e ansiedades em uma atmosfera de fraternidade sincera.
Agradecemos aos nossos amigos e benfeitores que constantemente nos encorajam com sua solidariedade e permanecem, desta forma, próximos também de todos os nossos colaboradores. Em Serra Leoa, existem atualmente 16 salesianos em três comunidades (Salesianos dos Estados Unidos, Belarus, Índia, Espanha, Gana, Alemanha, Nigéria, Serra Leoa e Venezuela). Muitos outros trabalham na Libéria e Guiné. Contamos com as vossas orações por nós e por todos aqueles que estão lutando contra esta terrível epidemia.
Somos muito gratos ao padre Mark Hyde, que com sua equipe da procuradoria missionária de New Rochelle, sempre esteve muito próximo de nós; a Peli e seu povo, maravilhoso, da fundação Atabal (Extremadura); ao nosso amigo Alvaro e as pessoas maravilhosas de Málaga, Espanha. É graças à vossa ajuda generosa que podemos continuar nossas atividades na paróquia, no centro de juventude e nas prisões, ao serviço das crianças e dos pobres.
Sinto dizer, mas creio que a situação na Serra Leoa ainda possa piorar. É por isso que eu continuo a pedir aos amigos e benfeitores que unam forças e trabalhem em conjunto com os salesianos e outras instituições que lutam nestas situações difíceis com compromisso de fazer todo o possível nessa luta contra o Ebola na África Ocidental.
Saudações a todos. Que o Senhor os abençoe e Maria Auxiliadora continue a guiá-los em seu caminho, porque juntos podemos ser testemunhas do amor de Deus entre os mais pobres”.
Padre Ubaldino Andrade - diretor da Comunidade de Freetown, em Serra Leoa.