A palavra arte tem muitos significados. Além de ser habilidade para conseguir um determinado objetivo ou para executar uma tarefa, é um dom, um jeito, uma aptidão, uma capacidade especial que a pessoa recebe para buscar a perfeição na própria vida ou na vida dos outros. Por isso considero muito oportuna a palavra “arte” que o Reitor-mor colocou na Estreia deste ano: “cultivar a arte de escutar e acompanhar”. Como guia e acompanhante, São Francisco de Sales desenvolveu essa arte em três eixos: personalização, humanismo e amizade.
Acompanhamento personalizado
O bispo de Genebra gostava de acompanhar as pessoas de forma muito pessoal, muito íntima. Por isso personalizava o acompanhamento das pessoas através de cartas ou mesmo de conversas. Para ele não existe acompanhamento igual para todos, mas adaptado à pessoa e aos diferentes modos de vida que ela vive. Demonstra grande sensibilidade pela individualidade e pela subjetividade. Aceita os acompanhados tal e como são, desde a situação concreta em que se encontram. Nisso consegue uma admirável sintonia e empatia. Possui o dom de uma penetrante observação do coração humano, buscando encontrar as raízes do bem e do mal. Procura dar a cada um o alimento espiritual apropriado à sua personalidade, ao seu caráter. Respeita a autonomia da pessoa e da sua consciência. Não controla, não tutela, não dirige, embora muitas vezes se use, talvez de modo inadequado, o termo “dirigir, dirigido (a)”. Sabe que “em um jardim cada erva e cada flor necessita um cuidado particular” (Carta 1078, a Jacobina Favre – 1615).
Acompanhamento humanista
A segunda característica é o acompanhamento humanista. Ele viveu no contexto do humanismo. Parte do coração humano, inquieto porque foi criado por Deus e para Deus. Então seu desejo é acompanhar para que a pessoa possa tomar consciência desse desejo real. Ele aceita e valoriza tudo o que pertence ao ser humano e que o ajuda a crescer e amadurecer como pessoa. A direção espiritual salesiana nasce da grande estima que atribui a um conjunto de valores ligados à pessoa, tais como: respeito ao corpo, à vida afetiva, à ciência e à cultura, à beleza e à elegância e, também, na distensão alegre e na ascese. Por isso tudo é uma pedagogia positiva.
Na perspectiva humanista, o Espírito age na alma através das inspirações, sem violentá-la. E essa ação do Espírito é um chamado à liberdade. Para que isso possa acontecer é necessário escutar, ser obediente e ter docilidade. Escrevendo à baronesa de Chantal ele diz: “Deixo-lhe o espírito de liberdade, não aquele que exclui a obediência, porque ele é liberdade da carne, mas aquele que exclui a coação e o escrúpulo ou a agitação imoderada” (Carta 234). Ser livre espiritualmente, para o bispo de Genebra, é escolher sempre o bem. Essa educação à liberdade representa uma das tarefas essenciais, porque só quem é livre pode iniciar com alegria o caminho da perfeição cristã. É um humanismo que não pretende dominar as pessoas ou as consciências, mas ajudar, motivar, ensinar o domínio pessoal.
Acompanhamento amigo
O terceiro aspecto da arte de acompanhar é muito importante. É uma característica da direção espiritual salesiana. Muitos outros “acompanhantes” da sua época não aceitavam que o “diretor espiritual” vivesse um clima de amizade recíproca, que unia a pessoa ao diretor. Talvez, para alguns, isso até nos dias de hoje é inaceitável. Para Francisco não existe verdadeira direção espiritual se não houver verdadeira amizade. Por isso ele fala, em muitos textos, de cultivar a “amizade espiritual”. Nela existe um intercâmbio de bens espirituais, e tudo isso motivado pelo amor, que está no centro do pensamento, da vida e da ação de Francisco de Sales. É a tal espiritualidade do “coração a coração”, com Deus e com o nosso próximo, que encontramos nos seus escritos e nas cartas.
Segundo Francisco de Sales, é impossível entender o Evangelho sem ver a admirável história do amor de Deus pelo homem. Isso tudo foi levado à prática. Por exemplo, ele se dirige assim às pessoas ao escrever suas cartas: caríssima filha, caríssimo filho, minha cara irmã... pede a muitos e muitas que lhe chamem de pai. Usa termos abundantes de comunhão: nós, a nossa alma, o nosso coração. Para o duque de Bellegarde, mais velho do que ele e grande general da França, que o chama de pai, responde assim: “Sei muito bem que os bons filhos pensam com frequência nos pais, mas os pais pensam nos filhos não só frequentemente, mas sempre” (Carta 1156 – 1616).
Essas características que encontramos em Francisco de Sales, Dom Bosco as vivenciou no seu tempo, pois buscou no bispo de Genebra a centralidade do amor. Para aprofundar o modo como Dom Bosco colocou em prática o acompanhamento personalizado, humanista e de amizade, leiamos a carta escrita pelo Reitor-mor ao apresentar a Estreia de 2018. Em síntese, podemos dizer que Francisco de Sales e João Bosco foram mestres na arte de escutar e de acompanhar as pessoas.