Certo dia, ao receber a visita de um jornalista em nossa Casa de Acolhida Santa Catarina, fui abordado com a seguinte pergunta: “Frei, nos diga como surgiu a ideia da Casa de Acolhida?” Somente neste momento me dei conta que essa casa não surgiu de um plano humano, nem da ideia de um grupo apenas. Ela surge de um apelo, de um “grito de Jesus Abandonado”.
Tudo começou no Advento do ano passado (dezembro de 2017), quando nos preparávamos para a Festa de Natal. Tão somente iniciávamos mais um dia de atendimento paroquial, quando bateu em nossa porta uma senhora grávida falando em espanhol e procurando pelo “cura” da Paróquia. Tratava-se de dona Eugênia Rodriguez, acompanhada de sua filha Khamile Hhalil. As duas muito assustadas pediam ajuda, pois não sabiam o que fazer diante da ameaça de despejo do quarto onde estavam hospedadas. O desespero da filha em morar na rua junto com seu irmãozinho, Vicenzo Augusto, e com a mãe que estava quase completando os dias para dar à luz, tomou conta daquele momento sagrado.
Logo a cena nos remeteu a dois mil anos atrás, na cidade de Belém da Judéia. Era Maria batendo à porta... Eu sabia que como cristão e humanista não podia ser indiferente a essa família. Para mim estava claro que era “Ele” (o próprio Jesus) batendo à nossa porta! Não deu outra! Em poucos dias, a família Rodriguez estava vivendo conosco em nossa Paróquia. E assim iniciou a “Casa de Acolhida”, uma ideia de Deus através de seus filhos Eugênia, Khamile, Vicenzo e mais tarde o novo membro da família, Lorenzo.
Nova configuração
A nova configuração da casa partiu de uma conversa com dom Sergio Eduardo Castriani, arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Manaus, sobre essa família. No final da conversa, dom Sergio agradeceu o gesto e disse: “poderia receber mais refugiados lá!”. Foi quando ele colocou a Cáritas Arquidiocesana em contato conosco e, em seguida, somou-se a nós a ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
A casa passou por uma adequação e, desde o dia 4 de maio, está acolhendo 122 moradores. Destes, 57 são crianças de 0 a 10 anos, quatro grávidas e os demais são adultos, todos com alguma profissão, buscando encontrar um trabalho para alcançar a tão desejada integração social e autonomia.
Contamos com uma equipe técnica (coordenação interna) assumida pela ACNUR através da Cáritas Arquidiocesana. E, juntos, temos muitas coisas bonitas para celebrar! Jesus, o Pastor providente, tem sido muito generoso para conosco. Ele tem se manifestado em muitas pessoas generosas de todas as classes sociais, crentes (católicos, protestantes, espíritas, mórmons…) e ateus. É bonito ver a fraternidade e a solidariedade se concretizando em torno desse projeto que a nós foi confiado com a missão de animá-lo e coordená-lo.
Para garantir a presença de Jesus entre nós, pois foi Ele o idealizador desse Projeto, temos buscado encontrá-lo na experiência do “Abandono”. Ele está conosco nas dificuldades internas tanto no campo organizacional, como estrutural. Ele tem nos fortalecido nas resistências externas, aquele sentimento denominado por Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo, de “mixofobia” (o medo provocado pelo volume irrefreável do desconhecido, inconveniente, desconcertante e incontrolável. Enfim, medo de misturar-se). Em tudo temos procurado, a exemplo do Mestre, acolher com doçura e mansidão, mesmo as desconfianças e males.
Somos muito gratos pela graça a nós concedida, sem mérito algum, de colocar em prática aquilo que nossa Igreja há anos vem nos interpelando: transformar nossas paróquias em “Casa da Acolhida”. Que possamos ser fiéis nesse propósito. Rezem por nós e em troca nos colocamos em comunhão com vocês. E se possível venha fazer parte dessa missão como voluntário: pois, fazer o bem, faz bem!
Com rosto salesiano
Frei Alex Assunção solicitou a irmã Maria Carmelita de LimaConceição, provincial da Inspetoria Laura Vicuña, das Filhas de Maria Auxiliadora, uma parceria para ajudá-lo neste projeto desafiador. A resposta foi imediata: “Devido à proximidade da nossa casa, sede da Inspetoria, não podemos deixar de participar dessa iniciativa e estamos procurando envolver outras pessoas que possam ajudar voluntariamente”.
Na mensagem enviada à comunidade local, estão as indicações de como participar: “De que se trata? Pessoas que possam oferecer sua ajuda voluntária como: professores de língua portuguesa, orientação psicológica e sanitária, atendimento odontológico preventivo, atividades lúdicas com crianças e adolescentes (jogos, música) e outros”.
E dessa forma algumas FMA já embarcaram na proposta e, junto com os voluntários, leigos e leigas, começam a dar visibilidade à obra que muito carece de pessoas generosas e solidárias que possam doar uma manhã ou uma tarde por semana a esses irmãos refugiados. “O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amá-lo-ás como a ti mesmo, porque foste estrangeiro na terra do Egito”. (Lv19, 34).