O trabalho salesiano em terras brasileiras foi iniciado em Niterói, RJ, com o Colégio Santa Rosa, que abriu suas portas tendo apenas dez alunos matriculados. Em pouco tempo, entretanto, a atividade salesiana ganhou força e importância – o colégio cresceu, teve início o oratório e abriram-se os então chamados “cursos de artes e ofícios”, sem descuidar da formação geral, cultural e religiosa. Era, já naquela época, o que hoje chamamos de “formação integral” do educando.
O foco na educação dos jovens filhos das classes populares, especialmente os ex-escravos e imigrantes, foi fator preponderante na fundação da segunda obra dos salesianos no Brasil, o Liceu Coração de Jesus, em São Paulo, em 1885. Pouco depois, em 1892, as primeiras Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) chegaram a Guaratinguetá, SP, para estender às meninas o carisma educacional de Dom Bosco e Madre Mazzarello. E em junho de 1894, a ação missionária entre os povos indígenas, outro ponto importante da proposta salesiana, tinha início em Cuiabá, então no estado do Mato Grosso.
A pedagogia e o carisma de Dom Bosco, baseados no tripé “razão, religião e carinho”, expandiram-se por todo o país. Criaram-se escolas, da educação infantil ao ensino superior; centros de formação profissionalizante; oratórios; obras assistenciais e sociais; além da atividade missionária junto aos povos indígenas e de dezenas de paróquias sob a responsabilidade salesiana. Hoje, pode-se dizer que a ação salesiana constitui-se de fato em um “vasto movimento” em favor da educação e da evangelização da juventude, trazendo para os dias atuais o que indica o artigo 40 das Constituições Salesianas: “Dom Bosco viveu uma típica experiência pastoral no seu primeiro Oratório, que foi para os jovens a casa que acolhe, paróquia que evangeliza, escola que encaminha para a vida e pátio para se encontrarem como amigos e viverem com alegria. Ao realizarmos hoje a nossa missão, a experiência de Valdocco continua critério permanente de discernimento e renovação de cada atividade e obra”.
Em rede
Atualmente os Salesianos de Dom Bosco (SDB) estão organizados em seis inspetorias no Brasil, que compõem a Conferência das Inspetorias dos Salesianos de Dom Bosco no Brasil (Cisbrasil). Já as Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) têm nove inspetorias no país, congregadas na Conferência das Inspetorias das Filhas de Maria Auxiliadora no Brasil (CIB). As duas entidades nacionais, desde 2012 e em uma proposta realmente inovadora, trabalham conjuntamente em algumas frentes, por meio da Rede Salesiana Brasil (RSB). “Assim, se cada grupo trabalhava independentemente, hoje somos estimulados e motivados a realizar as ações salesianas com mentalidade e perspectivas de redes. Este é o grande salto de qualidade dado e ainda por avançar na Família Salesiana nestes 130 anos”, considera o padre Nilson Faria dos Santos, SDB.
Segundo padre Nilson, assim como Dom Bosco foi capaz de mobilizar vários grupos da sociedade de seu tempo em prol do trabalho de educação e evangelização da juventude, ele continua sendo um paradigma para toda a Família Salesiana. “Assim, em redes, somos chamados, como Igreja, a ajudar na formação de um vasto movimento em favor da evangelização e educação – salvação – das juventudes”, completa ele.
“Para anunciar Jesus aos jovens precisamos estar em contato com eles, entender sua realidade e acolhê-los, ajudando-os a encontrar o horizonte e o sentido da própria vida, a relacionar-se com o outro, com o mundo, com Deus”, considera irmã Rosa Idália Pesca, FMA. Segundo ela, para atender o jovem, especialmente o que vive em situação de risco social, as FMA realizam sua missão “na comunidade educativa, em sintonia com a família e em parceria com outras redes de solidariedade”.
Padre Nivaldo Luiz Pessinatti, SDB, acrescenta: “A contribuição maior consiste na perene e comprometida ressignificação da proposta pedagógica e pastoral para as necessidades de cada momento cultural e histórico do nosso país. A própria permanência no setor educativo, por mais de um século, revela claramente a escolha educativa como vocação e estratégia importantes para o desenvolvimento humano”.
Educação e evangelização
A presença educativa salesiana no Brasil expressa-se em diversos campos, especialmente na educação formal, na ação social, nas missões e nas paróquias. Como explica o padre Pessinatti, “mais do que nunca, a sociedade contemporânea, complexa e heterogênea, exige uma resposta educacional de qualidade e diferenciada. A pedagogia salesiana, celebrada neste ano como presente de bicentenário de seu criador, apresenta uma proposta de qualidade pedagógica irrenunciável aliada ao indispensável acompanhamento que contempla todas as facetas do viver e conviver humanos: profissional, familiar, espiritual”.
A RSB-Social, organismo que reúne as obras sociais mantidas pela Rede Salesiana Brasil, por exemplo, é composta por mais de 100 entidades, cada uma delas empenhada em uma gama de ações que inclui desde o acompanhamento escolar e atividades esportivas, de lazer e culturais; até a oferta de cursos profissionalizantes.
Outro exemplo importante de como se revela a ação salesiana no Brasil é a RSB-Escolas. Formada em 2001, com o nome de Rede Salesiana de Escolas (RSE), teve o objetivo de unir as mais de 100 escolas que compartilhavam da concepção pedagógica-pastoral inspirada em Dom Bosco e Madre Mazzarello. Hoje a RSB-Escolas é a maior rede católica de ensino das Américas, e congrega cerca de cinco mil educadores e 85 mil alunos, da educação infantil ao ensino médio.
Desde seu primeiro projeto, a RSB-Escolas procura inspirar-se na pedagogia de Dom Bosco e Madre Mazzarello – o Sistema Preventivo - e trazê-la para o hoje, mostrando sua atualidade. O Sistema Preventivo fundamenta-se em uma visão positiva e otimista da pessoa humana; pressupõe que todos são dotados de um grande potencial de desenvolvimento.
“Ao longo da história, grande parte da juventude brasileira pode ser influenciada por esse sistema educativo - o Sistema Preventivo - que é método e espiritualidade. Em qualquer ambiente (escola, obras sociais, paróquias, contextos sociais mais amplos), os jovens foram motivados e ajudados a fazer um caminho que implica o exercício da liberdade, impulsionados por motivações sempre mais coerentes. Um processo carregado de sentido, adequado para as situações de vida e nível de amadurecimento pessoal”, ressalta a irmã Ivanette Duncan de Miranda, diretora-executiva da Rede Salesiana Brasil de Escolas em seus anos iniciais.
Árvore frondosa
A Família Salesiana compreende mais de 30 grupos oficialmente reconhecidos, com um total de mais de 400 mil e 500 membros. Esses grupos vivem em comunhão recíproca, compartilham o mesmo espírito e continuam a missão iniciada por ele com vocações especificamente distintas.
Entre eles, estão a Comunidade Canção Nova, fundada em 1978 pelo monsenhor Jonas Abib; as Irmãs Apóstolas da Sagrada Família, as Irmãs de Jesus Adolescente, a Associação de Maria Auxiliadora (ADMA), a Associação das Damas Salesianas e as Voluntárias de Dom Bosco, entre outros. Uma das congregações que dão um sentido próprio ao carisma salesiano é a das Irmãs Caritas de Jesus, fundada em 1937, na cidade japonesa de Miyazaki. Em 1968, a pedido do então presidente da Pastoral Nipo-Brasileira, a Congregação enviou a primeira expedição missionária para o Brasil, com o intuito de trabalhar junto aos imigrantes japoneses, iniciando sua missão em São Paulo.
Hoje, as irmãs continuam acompanhando as comunidades japonesas, mas, com a maior integração dos descendentes de japoneses à sociedade brasileira, a Congregação voltou-se mais para a educação em comunidades carentes, independentemente de sua origem. “Trabalhamos com a educação e a formação integral da pessoa humana. Vamos onde se faz mais necessário, onde possamos testemunhar o amor de Jesus junto aos jovens e tendo como foco sempre a família”, considera irmã Maria Imaculada Conceição Marico Yamamoto, que faz parte do Conselho da Província do Brasil. Ao falar da influência da Família Salesiana no Brasil de uma maneira mais ampla, irmã Marico ressalta o trabalho pioneiro com as crianças moradoras das comunidades mais carentes, com os jovens em drogadição e com a preparação dos jovens para o mercado de trabalho. “Trabalhamos no alicerce da sociedade, que são os jovens. A gente conhece tantos ex-alunos que hoje são multiplicadores dessa semente que foi lançada por meio de Dom Bosco!”, destaca.
A força dos leigos
A Associação dos Salesianos Cooperadores (SSCC), um dos principais grupos da FS no mundo, é formada por homens e mulheres que assumem a proposta de educar e evangelizar a juventude sob a perspectiva dos leigos. “No Brasil, estamos organizados em seis províncias e nos centros locais, onde há ou não a presença de outros salesianos. Levamos o carisma salesiano da mesma forma que os SDB ou as FMA, de uma maneira mais envolvida nas obras sociais, na catequese e formação cristã nas paróquias, na pastoral e nos movimentos juvenis”, ressalta o SC Lincoln Cezar G. Costa.
A Associação dos Ex-alunos e Ex-alunas de Dom Bosco, fundada em 1908, pelo bem-aventurado Filipe Rinaldi, é outro exemplo. “O ex-aluno vive o carisma salesiano no trabalho, na família e nos diversos âmbitos da vida. É uma característica bem particular do ex-aluno, de não precisar de um local ou uma obra específica para vivê-lo. Estamos organizados nas uniões locais, em seis conselhos inspetoriais e na Federação Brasileira. Mas todos os que passam por uma casa salesiana são considerados como ex-alunos, mesmo que não estejam organizados”, explica Cláudia Fell Amado, que em 2013 era conselheira da Confederação Mundial dos Ex-alunos.
Para Cláudia, esse legado pode ser exemplificado justamente na ação dos ex-alunos: “Quem passa por uma casa salesiana fica com uma marca. A gente se reconhece pelo jeito de falar, de lidar com as pessoas, de amar quem necessita. Por essa maneira diferente de servir, de fazer o bem e viver o Evangelho sempre com muita alegria. Os outros percebem e conseguem sentir isso também. Acho que o maior legado que a gente recebe hoje da Família Salesiana é ser o rosto de Dom Bosco dentro da sociedade; é não ter deixado nunca esse carisma morrer”.