Quem foi São Francisco de Sales?

Quinta, 24 Janeiro 2019 12:16 Escrito por  RSB-Comunicação
Em entrevista à RSB-Comunicação, o diretor do Boletim Salesiano, Pe. Tarcizio Odelli, fala sobre a vida e o legado do santo que inspirou a Congregação Salesiana  

São Francisco de Sales nasceu no Castelo de Sales, região da Sabóia, atual França, no dia 21 de agosto de 1567. Sua mãe, uma condessa, buscou formá-lo muito bem com os padres da Companhia de Jesus, onde, dentre muitas disciplinas, também aprendeu várias línguas. Muito cedo, fez um voto de viver a castidade e buscar sempre a vontade do Senhor.

 

Pastor cheio de zelo e mestre de caridade, São Francisco de Sales inspirou Dom Bosco com seu humanismo otimista e sua dedicação absoluta ao cuidado pastoral das almas. Em 1854 Dom Bosco declarou: “Nossa Senhora quer que criemos uma Congregação. Decidi que nos chamaremos Salesianos. Colocamo-nos sob a proteção de São Francisco de Sales, com a finalidade de participar da sua imensa amabilidade”. Em 1854, Dom Bosco deu o nome de 'Pia Sociedade de São Francisco de Sales' ao primeiro pequeno grupo de 17 jovens que desejavam seguir os seus passos trabalhando pela juventude.

 

O Santo inspirador da Congregação Salesiana faleceu em Lyon, França, a 28 de dezembro de 1622. Beatificado pelo Papa Alexandre VII, em 1661, foi canonizado pelo mesmo Papa, em 1665. Pio IX o proclamou Doutor da Igreja a 16 de novembro de 1877, com o magnífico título de Doutor do Amor Divino. Em 1923, foi declarado por Pio XI padroeiro da Boa Imprensa. Sua festa é celebrada no dia 24 de janeiro, dia em que seu corpo foi levado à sepultura definitiva, em Annecy.

 

Diz-se que, depois de sua morte, descobriu-se que sua mesa de trabalho estava toda arranhada por baixo, porque, com seu temperamento forte, preferia arranhar a mesa a responder sem amor e sem mansidão para as pessoas.

 

O Pe. Tarcizio Odelli, diretor do Boletim Salesiano e um estudioso do legado de São Francisco de Sales, concedeu uma entrevista à RSB-Comunicação e compartilhou um pouco sobre sua relação com esse santo e o exemplo que o mesmo deixou para todos:

 

O que São Francisco de Sales representa para o senhor?

 

Quando eu participei do retiro em Annecy, na França, lugar onde viveu S. Francisco de Sales eu senti uma emoção muito grande, pois percebi naquele lugar que ele viveu de uma maneira plena o amor, a bondade, a docilidade e o zelo pastoral para com as pessoas que se acercavam dele. Creio que Deus suscitou Francisco no momento certo da história, pois o tempo no qual ele viveu (1567-1622) era marcado pela violência das guerras religiosas, pela intolerância e ele deu um grande exemplo de humanismo e de ecumenismo. Depois de tanto ler seus escritos e conhecer mais sobre a sua vida, ele representa, para mim, o santo simpático, acolhedor, que valoriza tudo o que é humano na sua espiritualidade, que educa as pessoas na fé de um modo não impositivo e que segue o modelo que Jesus viveu: manso e humilde de coração. Usando o método da mansidão e da bondade, ele conquistou as pessoas daquele tempo, mas nos conquista também hoje, pois também hoje precisamos de pessoas que vivam estes valores evangélicos num mundo marcado novamente pela intolerância, pela violência em todos os sentidos e pela agressividade. 

 

O senhor tem uma linha de trabalho que envolve São Francisco de Sales, certo? Conte-nos um pouco sobre como começou essa relação.

 

Até 2004 eu era um salesiano “normal”. Depois passei a ser “anormal”. Esta frase eu escutei de um grande estudioso de Francisco de Sales, o salesiano Pe. Morand Wirth, professor da Universidade Salesiana de Roma. Com isso ele quis dizer que o salesiano normal (de Dom Bosco) não conhece São Francisco de Sales. Digo salesiano de Dom Bosco porque sabemos que existem outras congregações e famílias religiosas que vivem a espiritualidade de São Francisco de Sales e também são salesianos.

 

Em 2004 fui convidado pelo grupo de Salesianos Cooperadores de Porto Alegre para fazer uma palestra sobre Francisco de Sales. Confesso que até então nunca tinha me interessado por este santo, mesmo sendo nosso Padroeiro. Foi então que eu percebi que não sabia nada dele. No texto que eu usei, havia muitos erros históricos. Fui então pesquisar para saber o correto e nunca mais deixei de ler, de estudar e de amar São Francisco de Sales. Ele me cativou. O Cardeal Mercier disse esta frase, com a qual concordo: “estou convencido de que ninguém leu São Francisco de Sales sem amá-lo, sem ter dito, voltarei! ” Tive a oportunidade de ler vários livros em espanhol (em português quase não temos nada dele) e em italiano. Inclusive traduzi para o português três livros sobre ele e sobre sua doutrina e espiritualidade. Desde 2010 comecei a pregar retiros sobre a Espiritualidade do Amor, e sobre a figura de São Francisco de Sales, inicialmente para as Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) de Porto Alegre, depois preguei retiro em Campo Grande, Cuiabá, Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus. Recentemente preguei para os salesianos da Inspetoria de São Paulo e na próxima semana, para os salesianos no Recife.

 

Sendo a Congregação Salesiana nomeada em homenagem a São Francisco de Sales, como esse santo se relaciona com a proposta salesiana de predileção pela juventude?

 

Existe um livro (que eu traduzi para o português, não publicado) do Pe. Morand Wirth que tem como título “São Francisco de Sales e a educação”. Nele, o autor procura focar a vida e os ensinamentos do Bispo de Genebra dentro do tema da educação. Sabemos que Francisco não foi pedagogo nem educador no sentido de ser professor. Ele era bispo de Genebra e tinha como missão não só as crianças e os jovens, mas todo o povo a ele confiado. E a sua diocese era uma das maiores da Europa, na época.

 

Dom Bosco percebeu em Francisco elementos que ajudariam os seus seguidores a terem êxito na missão de educadores e foi buscar a essência de tudo: o amor, que ele irá traduzir por “amorevollezza”. Por isso o propõe não só como modelo, mas como padroeiro da “Sociedade de São Francisco de Sales” (Salesianos de Dom Bosco). Assim o Sistema Preventivo de Dom Bosco surge com uma visão humanística da educação, ele resgata em Francisco três temas importantes para a educação dos jovens: o humanismo, o ideal de “bom cristão” e a educação do coração. Como já acenei antes, este humanismo em Francisco é “integral”, porque engloba todas as dimensões da pessoa humana, o corpo, a alma, o espírito e o coração. Ele é aberto à dimensão social e à transcendência. É uma maneira de ser e de estar no mundo. Algumas características deste humanismo são importantes na educação: a confiança na pessoa, a valorização do corpo, da liberdade, da razão, do equilíbrio, do otimismo e da alegria. Vejam que todos estes elementos se encontram no Sistema Preventivo de Dom Bosco. Enfim, parece que, para o bispo de Genebra, o problema da educação seja posto ao redor do conceito de coração. O coração, sede do amor, mas também do querer livre e racional representa a interioridade da pessoa humana.

 

A educação e a formação como são apresentadas por Francisco de Sales aparecem como uma tentativa que aponta para um agir em profundidade e que não olha para um simples adestramento, ao qual interessa somente a “correção” exterior. É partindo do centro, isto é, do coração do homem, que se pode esperar “ganhar o homem na sua totalidade”, considerado em relação à totalidade dos relacionamentos que o caracterizam: consigo mesmo, com os outros, no âmbito social e interpessoal, e, ao nível espiritual, com Deus. A pedagogia humanista de Francisco de Sales é uma pedagogia que parte do coração humano e que do coração se espalha para a conquista do ser na plenitude, das suas manifestações exteriores, sem descuidar de nenhuma expressão da sua humanidade. É isso, creio eu, que Dom Bosco soube captar em Francisco e, por isso, Dom Bosco diz que “os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados. A primeira felicidade de um menino é saber-se amado. ” E isso tudo parte sempre do coração humano.

 

O senhor poderia nos contar alguma curiosidade sobre São Francisco de Sales?

 

Existem muitas coisas interessantes na vida de São Francisco de Sales que muitas pessoas não conhecem. Vou falar de duas:

 

Francisco era um bispo muito simples. Não era requintado como os outros bispos da sua época, ciosos da grandeza. Como dizia Henrique IV, rei da França, Francisco “era uma ave rara”, por causa disso. Ele morava numa casa emprestada por um amigo e tinha poucos serviçais. O porteiro da sua casa tinha dificuldade para escrever. Um dia, Francisco, ao chegar em casa, notou que ele estava tentando escrever uma carta. Perguntou para quem era. O porteiro respondeu que estava amando uma mulher e queria casar com ela, por isso estava tentando escrever uma carta de amor. Francisco então escreveu uma bela carta para a tal namorada, e pediu que o porteiro transcrevesse, com a sua caligrafia, e entregasse para ela. E ele o fez. A mulher ficou tão encantada, que aceitou a proposta de casamento, realizada depois pelo Bispo Francisco.

 

Também havia em Annecy um jovem que era surdo-mudo. Francisco o “adotou” e inventou uma série de sinais para se comunicar com ele, ensinando o catecismo e preparando-o para receber a primeira comunhão. Na época, ainda não havia a linguagem em libras. Deixou escrito no seu testamento, que quando morresse, a diocese de Genebra deveria continuar arcando com a sobrevivência desta pessoa. É por isso que Francisco de Sales é também o padroeiro dos surdos-mudos.

 

Qual é a característica desse santo salesiano que mais lhe chama a atenção?

 

Todos pensam que a característica que define Francisco de Sales seja a mansidão, a bondade e a paciência. Não há dúvida que a sua bondade, doçura, paciência e mansidão foram vividas em grau heroico. Mais de vinte anos de esforços para sempre se manter sereno e manso, como Jesus. Até existe um fato que é muito contado. Um nobre o destratou tanto, ficou furioso porque não conseguiu os privilégios que queria que Francisco lhe desse. O bispo ficou o tempo todo sereno. O nobre lhe perguntou: “Não vai reagir, não vai me xingar? ” E Francisco respondeu: “Você pensa que vou perder num segundo o que consegui durante 22 anos? ”

 

Porém, como diz a Madre de Chantal nos depoimentos do Processo de Canonização, o que mais distinguiu Francisco foi o zelo apostólico, aquilo que hoje chamamos de caridade pastoral. Ele foi um pastor zeloso. Nunca mediu esforços para levar a Palavra de Deus para todos os seus diocesanos, destacando-se como um dos maiores pregadores da sua época. Visitou todas as comunidades religiosas da Diocese: “Vou-me a esta bendita visita, durante a qual meu coração encontra em cada esquina, cruzes de todos os tipos. Minha carne se estremece, mas meu coração as adora” e “Cada noite, Deus faz um pequeno milagre: quando me deito, não posso nem mover meu corpo, nem meu espírito, de tão cansado que estou em todas as partes. E de manhã, estou mais alegre do que nunca”.

 

O que mais o senhor julga importante acrescentar a essa entrevista?

 

Francisco de Sales é um santo que, em determinadas épocas, está em alta e, em outras épocas, fica como que escondido. Gostaria de ressaltar, no final desta entrevista, a grande contribuição que ele deu para a Igreja através do pequeno livro, um dos mais vendidos ainda hoje, que se chama “Introdução à vida Devota” ou “Filoteia”. Neste livro, ele se preocupa em escrever para os leigos, coisa que na sua época ninguém dava importância. Na sua época se tinha a ideia de que somente os religiosos e as religiosas das diversas Ordens eram chamados à uma vida perfeita, à santidade. Francisco quebra este esquema. Foi muito criticado por alguns, mas elogiado por outros. Como disse o Cardeal Wiseman, ele “lançou pontes sobre muitos abismos... Tornou a meditação mais fácil, a oração mais confiante, a confissão menos penosa, a comunhão mais frutuosa. Sob a guia de sua palavra, os escrúpulos tornam-se menos gravosos, as tentações menos preocupantes, o mundo menos tentador, o amor de Deus mais acessível e a virtude mais simpática. ”

 

Ele chamou as pessoas a viverem a vida cristã no mundo com seriedade, de maneira coerente e comprometida. Pregou a santidade para todos. Pela primeira vez na literatura cristã se discutia e se explicava a noção de vocação universal a santidade. Este conceito será escrito quatro séculos depois, na Constituição Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II: “Todos os fiéis de qualquer estado e condição estão chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (LG 40) e “Todos os fiéis são convidados e devem tender à santidade e à perfeição no próprio estado” (LG 42).

 

Neste ano, nosso Reitor-Mor, Pe. Ángel Fernández Artime, na Estreia, faz este mesmo apelo a toda a Família Salesiana: “A santidade também é para você”. O Papa Francisco também escreveu uma Exortação sobre o assunto, “Gaudete et exultate” onde diz, no início que Jesus “quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. ” (1) Isso Francisco propôs no seu tempo, tornando-se, como diz o Papa Paulo VI, hoje santo, um dos percussores do Concílio Vaticano II.

 

Nós da Família Salesiana de Dom Bosco temos um amor muito grande e louvável pelo nosso fundador e Pai. Porém, não podemos esquecer que foi Dom Bosco quem escolheu Francisco de Sales não somente como padroeiro da sua Sociedade, mas como modelo de pastor zeloso, cheio de bondade, doçura e paciência. Por isso é importante divulgar a espiritualidade de São Francisco de Sales. Não o deixemos na penumbra. Não nos esqueçamos daquilo que Francisco disse e que Dom Bosco vivenciou de modo concreto na sua vida: “a santidade não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas, fazer as coisas ordinárias com perfeição extraordinária. ” Ou o que ele disse no 2ª Capítulo Geral dos Salesianos em abril de 1880: “também devemos fazer um esforço e encontrar a forma de cultivar o espírito de caridade e doçura de São Francisco de Sales. Este espírito está enfraquecendo entre nós. ”

 

Fonte: RSB-Comunicação (com informações da Inspetoria Salesiana de Nossa Senhora Auxiliadora e da Pastoral Juvenil – Salesianos Portugal)

 

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Última modificação em Sexta, 24 Janeiro 2020 13:03

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Quem foi São Francisco de Sales?

Quinta, 24 Janeiro 2019 12:16 Escrito por  RSB-Comunicação
Em entrevista à RSB-Comunicação, o diretor do Boletim Salesiano, Pe. Tarcizio Odelli, fala sobre a vida e o legado do santo que inspirou a Congregação Salesiana  

São Francisco de Sales nasceu no Castelo de Sales, região da Sabóia, atual França, no dia 21 de agosto de 1567. Sua mãe, uma condessa, buscou formá-lo muito bem com os padres da Companhia de Jesus, onde, dentre muitas disciplinas, também aprendeu várias línguas. Muito cedo, fez um voto de viver a castidade e buscar sempre a vontade do Senhor.

 

Pastor cheio de zelo e mestre de caridade, São Francisco de Sales inspirou Dom Bosco com seu humanismo otimista e sua dedicação absoluta ao cuidado pastoral das almas. Em 1854 Dom Bosco declarou: “Nossa Senhora quer que criemos uma Congregação. Decidi que nos chamaremos Salesianos. Colocamo-nos sob a proteção de São Francisco de Sales, com a finalidade de participar da sua imensa amabilidade”. Em 1854, Dom Bosco deu o nome de 'Pia Sociedade de São Francisco de Sales' ao primeiro pequeno grupo de 17 jovens que desejavam seguir os seus passos trabalhando pela juventude.

 

O Santo inspirador da Congregação Salesiana faleceu em Lyon, França, a 28 de dezembro de 1622. Beatificado pelo Papa Alexandre VII, em 1661, foi canonizado pelo mesmo Papa, em 1665. Pio IX o proclamou Doutor da Igreja a 16 de novembro de 1877, com o magnífico título de Doutor do Amor Divino. Em 1923, foi declarado por Pio XI padroeiro da Boa Imprensa. Sua festa é celebrada no dia 24 de janeiro, dia em que seu corpo foi levado à sepultura definitiva, em Annecy.

 

Diz-se que, depois de sua morte, descobriu-se que sua mesa de trabalho estava toda arranhada por baixo, porque, com seu temperamento forte, preferia arranhar a mesa a responder sem amor e sem mansidão para as pessoas.

 

O Pe. Tarcizio Odelli, diretor do Boletim Salesiano e um estudioso do legado de São Francisco de Sales, concedeu uma entrevista à RSB-Comunicação e compartilhou um pouco sobre sua relação com esse santo e o exemplo que o mesmo deixou para todos:

 

O que São Francisco de Sales representa para o senhor?

 

Quando eu participei do retiro em Annecy, na França, lugar onde viveu S. Francisco de Sales eu senti uma emoção muito grande, pois percebi naquele lugar que ele viveu de uma maneira plena o amor, a bondade, a docilidade e o zelo pastoral para com as pessoas que se acercavam dele. Creio que Deus suscitou Francisco no momento certo da história, pois o tempo no qual ele viveu (1567-1622) era marcado pela violência das guerras religiosas, pela intolerância e ele deu um grande exemplo de humanismo e de ecumenismo. Depois de tanto ler seus escritos e conhecer mais sobre a sua vida, ele representa, para mim, o santo simpático, acolhedor, que valoriza tudo o que é humano na sua espiritualidade, que educa as pessoas na fé de um modo não impositivo e que segue o modelo que Jesus viveu: manso e humilde de coração. Usando o método da mansidão e da bondade, ele conquistou as pessoas daquele tempo, mas nos conquista também hoje, pois também hoje precisamos de pessoas que vivam estes valores evangélicos num mundo marcado novamente pela intolerância, pela violência em todos os sentidos e pela agressividade. 

 

O senhor tem uma linha de trabalho que envolve São Francisco de Sales, certo? Conte-nos um pouco sobre como começou essa relação.

 

Até 2004 eu era um salesiano “normal”. Depois passei a ser “anormal”. Esta frase eu escutei de um grande estudioso de Francisco de Sales, o salesiano Pe. Morand Wirth, professor da Universidade Salesiana de Roma. Com isso ele quis dizer que o salesiano normal (de Dom Bosco) não conhece São Francisco de Sales. Digo salesiano de Dom Bosco porque sabemos que existem outras congregações e famílias religiosas que vivem a espiritualidade de São Francisco de Sales e também são salesianos.

 

Em 2004 fui convidado pelo grupo de Salesianos Cooperadores de Porto Alegre para fazer uma palestra sobre Francisco de Sales. Confesso que até então nunca tinha me interessado por este santo, mesmo sendo nosso Padroeiro. Foi então que eu percebi que não sabia nada dele. No texto que eu usei, havia muitos erros históricos. Fui então pesquisar para saber o correto e nunca mais deixei de ler, de estudar e de amar São Francisco de Sales. Ele me cativou. O Cardeal Mercier disse esta frase, com a qual concordo: “estou convencido de que ninguém leu São Francisco de Sales sem amá-lo, sem ter dito, voltarei! ” Tive a oportunidade de ler vários livros em espanhol (em português quase não temos nada dele) e em italiano. Inclusive traduzi para o português três livros sobre ele e sobre sua doutrina e espiritualidade. Desde 2010 comecei a pregar retiros sobre a Espiritualidade do Amor, e sobre a figura de São Francisco de Sales, inicialmente para as Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) de Porto Alegre, depois preguei retiro em Campo Grande, Cuiabá, Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus. Recentemente preguei para os salesianos da Inspetoria de São Paulo e na próxima semana, para os salesianos no Recife.

 

Sendo a Congregação Salesiana nomeada em homenagem a São Francisco de Sales, como esse santo se relaciona com a proposta salesiana de predileção pela juventude?

 

Existe um livro (que eu traduzi para o português, não publicado) do Pe. Morand Wirth que tem como título “São Francisco de Sales e a educação”. Nele, o autor procura focar a vida e os ensinamentos do Bispo de Genebra dentro do tema da educação. Sabemos que Francisco não foi pedagogo nem educador no sentido de ser professor. Ele era bispo de Genebra e tinha como missão não só as crianças e os jovens, mas todo o povo a ele confiado. E a sua diocese era uma das maiores da Europa, na época.

 

Dom Bosco percebeu em Francisco elementos que ajudariam os seus seguidores a terem êxito na missão de educadores e foi buscar a essência de tudo: o amor, que ele irá traduzir por “amorevollezza”. Por isso o propõe não só como modelo, mas como padroeiro da “Sociedade de São Francisco de Sales” (Salesianos de Dom Bosco). Assim o Sistema Preventivo de Dom Bosco surge com uma visão humanística da educação, ele resgata em Francisco três temas importantes para a educação dos jovens: o humanismo, o ideal de “bom cristão” e a educação do coração. Como já acenei antes, este humanismo em Francisco é “integral”, porque engloba todas as dimensões da pessoa humana, o corpo, a alma, o espírito e o coração. Ele é aberto à dimensão social e à transcendência. É uma maneira de ser e de estar no mundo. Algumas características deste humanismo são importantes na educação: a confiança na pessoa, a valorização do corpo, da liberdade, da razão, do equilíbrio, do otimismo e da alegria. Vejam que todos estes elementos se encontram no Sistema Preventivo de Dom Bosco. Enfim, parece que, para o bispo de Genebra, o problema da educação seja posto ao redor do conceito de coração. O coração, sede do amor, mas também do querer livre e racional representa a interioridade da pessoa humana.

 

A educação e a formação como são apresentadas por Francisco de Sales aparecem como uma tentativa que aponta para um agir em profundidade e que não olha para um simples adestramento, ao qual interessa somente a “correção” exterior. É partindo do centro, isto é, do coração do homem, que se pode esperar “ganhar o homem na sua totalidade”, considerado em relação à totalidade dos relacionamentos que o caracterizam: consigo mesmo, com os outros, no âmbito social e interpessoal, e, ao nível espiritual, com Deus. A pedagogia humanista de Francisco de Sales é uma pedagogia que parte do coração humano e que do coração se espalha para a conquista do ser na plenitude, das suas manifestações exteriores, sem descuidar de nenhuma expressão da sua humanidade. É isso, creio eu, que Dom Bosco soube captar em Francisco e, por isso, Dom Bosco diz que “os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados. A primeira felicidade de um menino é saber-se amado. ” E isso tudo parte sempre do coração humano.

 

O senhor poderia nos contar alguma curiosidade sobre São Francisco de Sales?

 

Existem muitas coisas interessantes na vida de São Francisco de Sales que muitas pessoas não conhecem. Vou falar de duas:

 

Francisco era um bispo muito simples. Não era requintado como os outros bispos da sua época, ciosos da grandeza. Como dizia Henrique IV, rei da França, Francisco “era uma ave rara”, por causa disso. Ele morava numa casa emprestada por um amigo e tinha poucos serviçais. O porteiro da sua casa tinha dificuldade para escrever. Um dia, Francisco, ao chegar em casa, notou que ele estava tentando escrever uma carta. Perguntou para quem era. O porteiro respondeu que estava amando uma mulher e queria casar com ela, por isso estava tentando escrever uma carta de amor. Francisco então escreveu uma bela carta para a tal namorada, e pediu que o porteiro transcrevesse, com a sua caligrafia, e entregasse para ela. E ele o fez. A mulher ficou tão encantada, que aceitou a proposta de casamento, realizada depois pelo Bispo Francisco.

 

Também havia em Annecy um jovem que era surdo-mudo. Francisco o “adotou” e inventou uma série de sinais para se comunicar com ele, ensinando o catecismo e preparando-o para receber a primeira comunhão. Na época, ainda não havia a linguagem em libras. Deixou escrito no seu testamento, que quando morresse, a diocese de Genebra deveria continuar arcando com a sobrevivência desta pessoa. É por isso que Francisco de Sales é também o padroeiro dos surdos-mudos.

 

Qual é a característica desse santo salesiano que mais lhe chama a atenção?

 

Todos pensam que a característica que define Francisco de Sales seja a mansidão, a bondade e a paciência. Não há dúvida que a sua bondade, doçura, paciência e mansidão foram vividas em grau heroico. Mais de vinte anos de esforços para sempre se manter sereno e manso, como Jesus. Até existe um fato que é muito contado. Um nobre o destratou tanto, ficou furioso porque não conseguiu os privilégios que queria que Francisco lhe desse. O bispo ficou o tempo todo sereno. O nobre lhe perguntou: “Não vai reagir, não vai me xingar? ” E Francisco respondeu: “Você pensa que vou perder num segundo o que consegui durante 22 anos? ”

 

Porém, como diz a Madre de Chantal nos depoimentos do Processo de Canonização, o que mais distinguiu Francisco foi o zelo apostólico, aquilo que hoje chamamos de caridade pastoral. Ele foi um pastor zeloso. Nunca mediu esforços para levar a Palavra de Deus para todos os seus diocesanos, destacando-se como um dos maiores pregadores da sua época. Visitou todas as comunidades religiosas da Diocese: “Vou-me a esta bendita visita, durante a qual meu coração encontra em cada esquina, cruzes de todos os tipos. Minha carne se estremece, mas meu coração as adora” e “Cada noite, Deus faz um pequeno milagre: quando me deito, não posso nem mover meu corpo, nem meu espírito, de tão cansado que estou em todas as partes. E de manhã, estou mais alegre do que nunca”.

 

O que mais o senhor julga importante acrescentar a essa entrevista?

 

Francisco de Sales é um santo que, em determinadas épocas, está em alta e, em outras épocas, fica como que escondido. Gostaria de ressaltar, no final desta entrevista, a grande contribuição que ele deu para a Igreja através do pequeno livro, um dos mais vendidos ainda hoje, que se chama “Introdução à vida Devota” ou “Filoteia”. Neste livro, ele se preocupa em escrever para os leigos, coisa que na sua época ninguém dava importância. Na sua época se tinha a ideia de que somente os religiosos e as religiosas das diversas Ordens eram chamados à uma vida perfeita, à santidade. Francisco quebra este esquema. Foi muito criticado por alguns, mas elogiado por outros. Como disse o Cardeal Wiseman, ele “lançou pontes sobre muitos abismos... Tornou a meditação mais fácil, a oração mais confiante, a confissão menos penosa, a comunhão mais frutuosa. Sob a guia de sua palavra, os escrúpulos tornam-se menos gravosos, as tentações menos preocupantes, o mundo menos tentador, o amor de Deus mais acessível e a virtude mais simpática. ”

 

Ele chamou as pessoas a viverem a vida cristã no mundo com seriedade, de maneira coerente e comprometida. Pregou a santidade para todos. Pela primeira vez na literatura cristã se discutia e se explicava a noção de vocação universal a santidade. Este conceito será escrito quatro séculos depois, na Constituição Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II: “Todos os fiéis de qualquer estado e condição estão chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (LG 40) e “Todos os fiéis são convidados e devem tender à santidade e à perfeição no próprio estado” (LG 42).

 

Neste ano, nosso Reitor-Mor, Pe. Ángel Fernández Artime, na Estreia, faz este mesmo apelo a toda a Família Salesiana: “A santidade também é para você”. O Papa Francisco também escreveu uma Exortação sobre o assunto, “Gaudete et exultate” onde diz, no início que Jesus “quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. ” (1) Isso Francisco propôs no seu tempo, tornando-se, como diz o Papa Paulo VI, hoje santo, um dos percussores do Concílio Vaticano II.

 

Nós da Família Salesiana de Dom Bosco temos um amor muito grande e louvável pelo nosso fundador e Pai. Porém, não podemos esquecer que foi Dom Bosco quem escolheu Francisco de Sales não somente como padroeiro da sua Sociedade, mas como modelo de pastor zeloso, cheio de bondade, doçura e paciência. Por isso é importante divulgar a espiritualidade de São Francisco de Sales. Não o deixemos na penumbra. Não nos esqueçamos daquilo que Francisco disse e que Dom Bosco vivenciou de modo concreto na sua vida: “a santidade não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas, fazer as coisas ordinárias com perfeição extraordinária. ” Ou o que ele disse no 2ª Capítulo Geral dos Salesianos em abril de 1880: “também devemos fazer um esforço e encontrar a forma de cultivar o espírito de caridade e doçura de São Francisco de Sales. Este espírito está enfraquecendo entre nós. ”

 

Fonte: RSB-Comunicação (com informações da Inspetoria Salesiana de Nossa Senhora Auxiliadora e da Pastoral Juvenil – Salesianos Portugal)

 

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