Linguagens Juvenis, tema do XII Encontro Nacional dos SSCC

Terça, 16 Janeiro 2018 13:37 Escrito por  Marcia / Comunicação Salesianos Cooperadores
Linguagens Juvenis, tema do XII Encontro Nacional dos SSCC iStock.com
Em julho deste ano, o XII Encontro Nacional dos Salesianos Cooperadores terá como tema: "Linguagens Juvenis e a Missão e Vocação do Salesiano Cooperador". Para tratar sobre o assunto, o convidado é o doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maurício Perondi. Em entrevista, ele adiantou a importância de algumas discussões que serão abordadas no encontro.  

 

Salesianos Cooperadores: Qual é a principal diferença entre as linguagens juvenis atuais e as de 20 anos, por exemplo?

Maurício Perondi: Primeiro, precisamos compreender que não foram apenas as linguagens juvenis que mudaram, pois a sociedade como um todo teve grandes mudanças neste período, sobretudo com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação. Segundo a autora Dina Krauskopf, os jovens das últimas décadas cresceram numa espécie de "ecossistema comunicativo tecnológico".

Algumas das principais mudanças provocadas são: a) antes havia um comunicador que enviava mensagem para todos, agora todos podem ser comunicadores e enviar mensagens para todos; b) antes os jovens eram apenas receptores, agora são também emissores; c) havia a ideia da receptividade, agora temos a interatividade; d) a comunicação era estática, agora é dinâmica; e) a quantidade de informação era pequena, agora há uma grande quantidade de informação; f) as comunicações e linguagens eram locais, agora são globais; g) antes era individual, agora é colaborativa (colaboração em rede); h) o tempo era dissociado e linear, agora o tempo é real; i) a linguagem e as informações eram textuais, agora são imagéticas e multimídia; j) havia o controle da palavra, agora há a liberação da palavra; l) havia maior privacidade; hoje há maior exposição pública. Estas mudanças não podem ser avaliadas como melhores ou piores, elas são diferentes e transformaram as linguagens e comunicações dos jovens e da população em geral.

 

SSCC: Como é o processo de formação dos códigos de linguagem?

Maurício Perondi: O processo de formação dos códigos de linguagem acontece através do aprendizado realizado nas relações que a pessoa estabelece, pois eles não são inatos aos seres humanos, ou seja, nós desenvolvemos linguagens através da interação com o mundo e com as pessoas. Por isso, quanto mais interação houver, maior será o repertório linguístico e cognitivo dos sujeitos. Por este motivo, atualmente a gente se surpreende com a quantidade de coisas que os jovens e até mesmo as crianças conhecem e sabem fazer. Isso se deve ao fato de que eles estão permanentemente em contato com novas realidades, que lhes possibilitam ampliar o seu leque de conhecimento. A variabilidade de opções que os jovens de hoje têm ao seu alcance lhes possibilita desenvolver um repertório muito maior de linguagens, percepções sobre o mundo e maneiras diferentes de se fazer as coisas. Esta percepção modifica os jeitos de aprender e de interagir no mundo, pois "os analfabetos do século XXI não serão os que não souberem ler ou escrever, mas os que não souberem aprender, desaprender e reaprender".

 

SSCC: Por que utilizar códigos que os diferenciem da geração anterior é tão importante para os mais jovens?

Maurício Perondi: Esta pergunta me lembrou que no ano de 2016 a rede social que mais teve repercussão entre os adolescentes e jovens foi o Snapchat. Um dos principais motivos para este fenômeno é que os seus pais, responsáveis e professores não estavam nesta rede social. Deste modo, servia como uma forma de comunicação e de expressão menos "vigiada" e menos acessível pelos adultos. Sem falar que o autor de uma postagem poderia escolher o tempo que o conteúdo ficaria online, num período máximo de apenas 24h. Esta não deixa de ser uma forma de diferenciação com relação àquilo que os jovens estão vivenciando de modo alternativo ao mundo adulto.

Para entender a importância desta relação é fundamental compreender o conceito de culturas juvenis, pois os jovens desenvolvem culturas que são muito próprias aos seus estilos e vivências, que as diferenciam das "culturas adultas". Ao falar disso, o autor Feixa destaca que existem duas formas principais de situar os jovens socialmente. A primeira corresponde a uma construção sociocultural do que é o juvenil, a partir das instituições hegemônicas (família, escola, trabalho, instituições religiosas, partidos políticos, associações, Exército, indústria cultural, meios de comunicação de massa, órgãos de vigilância e controle social). De modo geral, estas instituições têm definido os jovens como sujeitos passivos, que devem preparar-se e qualificar-se para acessar, no futuro, a esfera adulta. Esta projeção de lugar no futuro torna invisíveis os jovens no presente.

Já a segunda forma é o contrário da primeira, pois ela diz respeito à construção juvenil da cultura, que corresponde aos territórios ou espaços de sociabilidade juvenil criados pelos próprios jovens nos interstícios dos espaços institucionais, como os intervalos na escola, a indústria do entretenimento, o bairro e, sobretudo, em seus tempos livres (rua, cinema, música, festas, lugares de diversão, redes sociais, internet etc.). O diferencial desta segunda maneira é que os jovens, através da interação com seus pares, participam dos processos de criação e de circulação cultural e social como agentes ativos, ou seja, eles produzem novas linguagens, novas expressões e novas práticas que as diferenciam das do mundo adulto.

 

SSCC: Por que os adultos têm tanta dificuldade em acompanhar as gerações seguintes?

Maurício Perondi: Apesar de viver na mesma realidade dos adultos, os jovens aprendem, relacionam-se e se constituem como sujeitos de um modo diferente dos jovens de outras gerações e, sobretudo, das gerações adultas. Para falar desta diferença podemos recorrer a uma autora chamada Margaret Mead, que faz a diferenciação de três culturas geracionais. 1) Culturas pós-figurativas: correspondem às sociedades primitivas e a pequenos redutos religiosos ou ideológicos. Seriam aquelas em que os jovens aprendem principalmente dos adultos e as relações são verticais. O tempo é repetitivo e a mudança social é lenta. Prevalece uma visão circular do ciclo vital, segundo a qual cada geração reproduz os conteúdos culturais da anterior; 2) Culturas configurativas: correspondem às grandes civilizações estatais. São aquelas em que tanto os jovens como os adultos aprendem uns com os outros. O tempo é mais aberto e a mudança social acelerada. Prevalece uma visão linear, segundo a qual cada geração instaura um novo tipo de conteúdo cultural; 3) Culturas pré-figurativas: emergem a partir dos anos 70. São aquelas em que os adultos também aprendem com jovens. Os jovens assumem uma nova autoridade mediante sua capacitação pré-figurativa do futuro ainda desconhecido. Instaura-se uma visão virtual das relações geracionais, segundo a qual se invertem as conexões entre as idades e se chocam os rígidos esquemas de separação biográfica. Talvez uma das grandes dificuldades para as gerações anteriores acompanharem as novas gerações seja justamente a perspectiva desta terceira característica, em que os jovens também são sujeitos ativos, que produzem novas linguagens, expressões e querem participar da vida social.

 

SSCC: É possível estabelecer um meio termo entre as linguagens das gerações para que o abismo entre adultos e jovens seja superado?

Maurício Perondi: Jovens e adultos vivem numa mesma sociedade, apesar de os jovens produzirem culturas e expressões próprias, como vimos anteriormente. Por isso, acho que sim, que seja possível e até recomendável que as linguagens intergeracionais sejam mutuamente compreendidas e até mesmo compartilhadas. Isso não significa que os adultos tenham que assimilar todas as linguagens, gírias, modos de expressar-se dos jovens, mas devem saber que elas existem, quais são e o que representam. Isso facilita o diálogo e o entendimento mútuo, que muitas vezes parece tão distante.

 

SSCC: Como estudar e entender as linguagens juvenis pode ajudar a diminuir esse abismo?

Maurício Perondi: Em algumas formações com educadores, pais e assessores que trabalham com jovens costumo projetar algumas frases que são bastante utilizadas nos ambientes digitais, sobretudo pelos jovens. Cito algumas delas: "Me add no snap?"; "E que tal o teu novo crush?"; "Sem nudes!"; "Não me dá spoiler!"; "Gostei muito da tua ideia #SQN!"; "Me trollaram!". O resultado é que a grande maioria não sabe o significado das expressões, mas muitos comentam já ter ouvido os jovens ou filhos falarem delas. E você que está lendo esta entrevista, sabe o que significam? Talvez, sim. Mas caso não saiba, pergunte a um jovem que, provavelmente, ele saberá. Se não souber não há problema, pois acredito que o desafio atual seja este do aprendizado mútuo, ou seja, o adulto também pode aprender com os jovens. Isso não implica numa troca de papéis entre adultos e jovens, mas sim numa complementariedade, pois os adultos continuam tendo os seus conhecimentos e experiências de vida que os jovens ainda não têm e precisam aprender. E a melhor forma de fazer isso? Através do diálogo e da reciprocidade.

Quando falo isso, muitos pais e professores acham que perderão a "autoridade" junto a seus estudantes e filhos. Costumo dizer que, pela experiência que tenho, os pais e professores mais respeitados são aqueles que conseguem dialogar horizontalmente com os jovens, sem com isso perder a sua referência como adulto. Além disso, uma das formas mais práticas que os adultos podem ter para compreender as linguagens, símbolos e expressões juvenis que desconhecem é perguntando aos próprios jovens, pois, quem melhor que eles para falar de si? Costumo também trabalhar com um preceito básico da sociologia que diz "se queremos compreender, é necessário conhecer" ou então para usar uma referência eclesial "Não se pode amar nem evangelizar a quem não se conhece" segundo o documento de 2007, da CNBB. Sem dúvida isso vale muito para as realidades juvenis.

 

SSCC: Os jovens de hoje são diferentes daqueles de quem Dom Bosco se ocupava?

Maurício Perondi: Diria que os jovens de hoje têm um acesso às tecnologias e meios de informação, assim como vivem num mundo estruturalmente muito diferente daquele da época de Dom Bosco. No entanto, diria que eles são muito semelhantes nas suas condições de vida, pois, assim como naquela época, a juventude hoje é o segmento de maior vulnerabilidade social. Em termos de Brasil e de América Latina, os jovens são os que mais morrem, que mais são encarcerados e que mais são violentados. A maioria dos jovens não tem acesso a escolas de qualidade e muitos vivem em condições precárias, de modo muito semelhante ao contexto de pobreza do período em que Dom Bosco iniciou a sua obra. Além disso, alguns sentimentos e situações tais como: abandono, falta de carinho e de amor, violência, angústia, incerteza sobre o futuro, discriminação etc., são atemporais e independem de novas tecnologias e linguagens. Eles têm a ver com o humano que precisa ser cuidado e resgatado, independentemente da situação que se encontre.

 

SSCC: Como a experiência de Dom Bosco pode auxiliar a entender os jovens de hoje?

Maurício Perondi: Percebo que Dom Bosco tinha uma maneira muito especial de se aproximar e se apropriar daquilo que os jovens faziam e gostavam, como forma de entender aquilo que estavam vivenciando. Um exemplo claro disso é quando ele usava o malabarismo para poder se aproximar da realidade dos jovens e assim chamar a sua atenção para aquilo que queria ensinar. Vejo que o seu costume de visitar os jovens nos presídios, nas famílias e nas ruas era uma forma de ir ao encontro, de buscar construir uma relação a partir do local próprio em que estavam. Outro aspecto a destacar é a importância que ele dava ao pátio, encorajando os educadores a estar junto neste espaço, pois era onde eles poderiam entender e se aproximar mais dos jovens. Também tem grande relevância o incentivo ao protagonismo, visto que a Congregação teve continuidade a partir dos jovens que participavam dos oratórios e que se sentiram motivados a dar continuidade às obras por ele iniciadas. Por fim, o preceito de Dom Bosco de que "não basta amar os jovens; é preciso que eles percebam que são amados", acho que resume como a sua experiência pode nos ajudar a entender os jovens de hoje, que muitas vezes têm linguagens, expressões, comportamentos que podem parecer totalmente estranhos num primeiro contato, mas que podem se revelar totalmente diferentes quando as conhecemos com maior profundidade.

 

O Prof. Dr. Maurício Perondi é graduado em Filosofia, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com realização de Programa de Doutorado na Espanha, Perondi também é coordenador do Observatório Juventudes da PUCRS e professor no Curso de Especialização em Juventudes da Faculdade Dom Bosco, de Porto Alegre.

Todas essas discussões e conceitos serão tratados com maior profundidade durante a palestra e as oficinas do doutor Maurício Perondi no período de 12 a 15 de julho, no colégio Dom Bosco, em Manaus, AM. As inscrições estão abertas e podem ser realizadas pelo site do encontro: http://cooperadoresbma.wixsite.com/encontronacional2018, onde também encontram-se outras informações sobre o evento.


 

 

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Última modificação em Terça, 20 Fevereiro 2018 15:30

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Linguagens Juvenis, tema do XII Encontro Nacional dos SSCC

Terça, 16 Janeiro 2018 13:37 Escrito por  Marcia / Comunicação Salesianos Cooperadores
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Em julho deste ano, o XII Encontro Nacional dos Salesianos Cooperadores terá como tema: "Linguagens Juvenis e a Missão e Vocação do Salesiano Cooperador". Para tratar sobre o assunto, o convidado é o doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maurício Perondi. Em entrevista, ele adiantou a importância de algumas discussões que serão abordadas no encontro.  

 

Salesianos Cooperadores: Qual é a principal diferença entre as linguagens juvenis atuais e as de 20 anos, por exemplo?

Maurício Perondi: Primeiro, precisamos compreender que não foram apenas as linguagens juvenis que mudaram, pois a sociedade como um todo teve grandes mudanças neste período, sobretudo com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação. Segundo a autora Dina Krauskopf, os jovens das últimas décadas cresceram numa espécie de "ecossistema comunicativo tecnológico".

Algumas das principais mudanças provocadas são: a) antes havia um comunicador que enviava mensagem para todos, agora todos podem ser comunicadores e enviar mensagens para todos; b) antes os jovens eram apenas receptores, agora são também emissores; c) havia a ideia da receptividade, agora temos a interatividade; d) a comunicação era estática, agora é dinâmica; e) a quantidade de informação era pequena, agora há uma grande quantidade de informação; f) as comunicações e linguagens eram locais, agora são globais; g) antes era individual, agora é colaborativa (colaboração em rede); h) o tempo era dissociado e linear, agora o tempo é real; i) a linguagem e as informações eram textuais, agora são imagéticas e multimídia; j) havia o controle da palavra, agora há a liberação da palavra; l) havia maior privacidade; hoje há maior exposição pública. Estas mudanças não podem ser avaliadas como melhores ou piores, elas são diferentes e transformaram as linguagens e comunicações dos jovens e da população em geral.

 

SSCC: Como é o processo de formação dos códigos de linguagem?

Maurício Perondi: O processo de formação dos códigos de linguagem acontece através do aprendizado realizado nas relações que a pessoa estabelece, pois eles não são inatos aos seres humanos, ou seja, nós desenvolvemos linguagens através da interação com o mundo e com as pessoas. Por isso, quanto mais interação houver, maior será o repertório linguístico e cognitivo dos sujeitos. Por este motivo, atualmente a gente se surpreende com a quantidade de coisas que os jovens e até mesmo as crianças conhecem e sabem fazer. Isso se deve ao fato de que eles estão permanentemente em contato com novas realidades, que lhes possibilitam ampliar o seu leque de conhecimento. A variabilidade de opções que os jovens de hoje têm ao seu alcance lhes possibilita desenvolver um repertório muito maior de linguagens, percepções sobre o mundo e maneiras diferentes de se fazer as coisas. Esta percepção modifica os jeitos de aprender e de interagir no mundo, pois "os analfabetos do século XXI não serão os que não souberem ler ou escrever, mas os que não souberem aprender, desaprender e reaprender".

 

SSCC: Por que utilizar códigos que os diferenciem da geração anterior é tão importante para os mais jovens?

Maurício Perondi: Esta pergunta me lembrou que no ano de 2016 a rede social que mais teve repercussão entre os adolescentes e jovens foi o Snapchat. Um dos principais motivos para este fenômeno é que os seus pais, responsáveis e professores não estavam nesta rede social. Deste modo, servia como uma forma de comunicação e de expressão menos "vigiada" e menos acessível pelos adultos. Sem falar que o autor de uma postagem poderia escolher o tempo que o conteúdo ficaria online, num período máximo de apenas 24h. Esta não deixa de ser uma forma de diferenciação com relação àquilo que os jovens estão vivenciando de modo alternativo ao mundo adulto.

Para entender a importância desta relação é fundamental compreender o conceito de culturas juvenis, pois os jovens desenvolvem culturas que são muito próprias aos seus estilos e vivências, que as diferenciam das "culturas adultas". Ao falar disso, o autor Feixa destaca que existem duas formas principais de situar os jovens socialmente. A primeira corresponde a uma construção sociocultural do que é o juvenil, a partir das instituições hegemônicas (família, escola, trabalho, instituições religiosas, partidos políticos, associações, Exército, indústria cultural, meios de comunicação de massa, órgãos de vigilância e controle social). De modo geral, estas instituições têm definido os jovens como sujeitos passivos, que devem preparar-se e qualificar-se para acessar, no futuro, a esfera adulta. Esta projeção de lugar no futuro torna invisíveis os jovens no presente.

Já a segunda forma é o contrário da primeira, pois ela diz respeito à construção juvenil da cultura, que corresponde aos territórios ou espaços de sociabilidade juvenil criados pelos próprios jovens nos interstícios dos espaços institucionais, como os intervalos na escola, a indústria do entretenimento, o bairro e, sobretudo, em seus tempos livres (rua, cinema, música, festas, lugares de diversão, redes sociais, internet etc.). O diferencial desta segunda maneira é que os jovens, através da interação com seus pares, participam dos processos de criação e de circulação cultural e social como agentes ativos, ou seja, eles produzem novas linguagens, novas expressões e novas práticas que as diferenciam das do mundo adulto.

 

SSCC: Por que os adultos têm tanta dificuldade em acompanhar as gerações seguintes?

Maurício Perondi: Apesar de viver na mesma realidade dos adultos, os jovens aprendem, relacionam-se e se constituem como sujeitos de um modo diferente dos jovens de outras gerações e, sobretudo, das gerações adultas. Para falar desta diferença podemos recorrer a uma autora chamada Margaret Mead, que faz a diferenciação de três culturas geracionais. 1) Culturas pós-figurativas: correspondem às sociedades primitivas e a pequenos redutos religiosos ou ideológicos. Seriam aquelas em que os jovens aprendem principalmente dos adultos e as relações são verticais. O tempo é repetitivo e a mudança social é lenta. Prevalece uma visão circular do ciclo vital, segundo a qual cada geração reproduz os conteúdos culturais da anterior; 2) Culturas configurativas: correspondem às grandes civilizações estatais. São aquelas em que tanto os jovens como os adultos aprendem uns com os outros. O tempo é mais aberto e a mudança social acelerada. Prevalece uma visão linear, segundo a qual cada geração instaura um novo tipo de conteúdo cultural; 3) Culturas pré-figurativas: emergem a partir dos anos 70. São aquelas em que os adultos também aprendem com jovens. Os jovens assumem uma nova autoridade mediante sua capacitação pré-figurativa do futuro ainda desconhecido. Instaura-se uma visão virtual das relações geracionais, segundo a qual se invertem as conexões entre as idades e se chocam os rígidos esquemas de separação biográfica. Talvez uma das grandes dificuldades para as gerações anteriores acompanharem as novas gerações seja justamente a perspectiva desta terceira característica, em que os jovens também são sujeitos ativos, que produzem novas linguagens, expressões e querem participar da vida social.

 

SSCC: É possível estabelecer um meio termo entre as linguagens das gerações para que o abismo entre adultos e jovens seja superado?

Maurício Perondi: Jovens e adultos vivem numa mesma sociedade, apesar de os jovens produzirem culturas e expressões próprias, como vimos anteriormente. Por isso, acho que sim, que seja possível e até recomendável que as linguagens intergeracionais sejam mutuamente compreendidas e até mesmo compartilhadas. Isso não significa que os adultos tenham que assimilar todas as linguagens, gírias, modos de expressar-se dos jovens, mas devem saber que elas existem, quais são e o que representam. Isso facilita o diálogo e o entendimento mútuo, que muitas vezes parece tão distante.

 

SSCC: Como estudar e entender as linguagens juvenis pode ajudar a diminuir esse abismo?

Maurício Perondi: Em algumas formações com educadores, pais e assessores que trabalham com jovens costumo projetar algumas frases que são bastante utilizadas nos ambientes digitais, sobretudo pelos jovens. Cito algumas delas: "Me add no snap?"; "E que tal o teu novo crush?"; "Sem nudes!"; "Não me dá spoiler!"; "Gostei muito da tua ideia #SQN!"; "Me trollaram!". O resultado é que a grande maioria não sabe o significado das expressões, mas muitos comentam já ter ouvido os jovens ou filhos falarem delas. E você que está lendo esta entrevista, sabe o que significam? Talvez, sim. Mas caso não saiba, pergunte a um jovem que, provavelmente, ele saberá. Se não souber não há problema, pois acredito que o desafio atual seja este do aprendizado mútuo, ou seja, o adulto também pode aprender com os jovens. Isso não implica numa troca de papéis entre adultos e jovens, mas sim numa complementariedade, pois os adultos continuam tendo os seus conhecimentos e experiências de vida que os jovens ainda não têm e precisam aprender. E a melhor forma de fazer isso? Através do diálogo e da reciprocidade.

Quando falo isso, muitos pais e professores acham que perderão a "autoridade" junto a seus estudantes e filhos. Costumo dizer que, pela experiência que tenho, os pais e professores mais respeitados são aqueles que conseguem dialogar horizontalmente com os jovens, sem com isso perder a sua referência como adulto. Além disso, uma das formas mais práticas que os adultos podem ter para compreender as linguagens, símbolos e expressões juvenis que desconhecem é perguntando aos próprios jovens, pois, quem melhor que eles para falar de si? Costumo também trabalhar com um preceito básico da sociologia que diz "se queremos compreender, é necessário conhecer" ou então para usar uma referência eclesial "Não se pode amar nem evangelizar a quem não se conhece" segundo o documento de 2007, da CNBB. Sem dúvida isso vale muito para as realidades juvenis.

 

SSCC: Os jovens de hoje são diferentes daqueles de quem Dom Bosco se ocupava?

Maurício Perondi: Diria que os jovens de hoje têm um acesso às tecnologias e meios de informação, assim como vivem num mundo estruturalmente muito diferente daquele da época de Dom Bosco. No entanto, diria que eles são muito semelhantes nas suas condições de vida, pois, assim como naquela época, a juventude hoje é o segmento de maior vulnerabilidade social. Em termos de Brasil e de América Latina, os jovens são os que mais morrem, que mais são encarcerados e que mais são violentados. A maioria dos jovens não tem acesso a escolas de qualidade e muitos vivem em condições precárias, de modo muito semelhante ao contexto de pobreza do período em que Dom Bosco iniciou a sua obra. Além disso, alguns sentimentos e situações tais como: abandono, falta de carinho e de amor, violência, angústia, incerteza sobre o futuro, discriminação etc., são atemporais e independem de novas tecnologias e linguagens. Eles têm a ver com o humano que precisa ser cuidado e resgatado, independentemente da situação que se encontre.

 

SSCC: Como a experiência de Dom Bosco pode auxiliar a entender os jovens de hoje?

Maurício Perondi: Percebo que Dom Bosco tinha uma maneira muito especial de se aproximar e se apropriar daquilo que os jovens faziam e gostavam, como forma de entender aquilo que estavam vivenciando. Um exemplo claro disso é quando ele usava o malabarismo para poder se aproximar da realidade dos jovens e assim chamar a sua atenção para aquilo que queria ensinar. Vejo que o seu costume de visitar os jovens nos presídios, nas famílias e nas ruas era uma forma de ir ao encontro, de buscar construir uma relação a partir do local próprio em que estavam. Outro aspecto a destacar é a importância que ele dava ao pátio, encorajando os educadores a estar junto neste espaço, pois era onde eles poderiam entender e se aproximar mais dos jovens. Também tem grande relevância o incentivo ao protagonismo, visto que a Congregação teve continuidade a partir dos jovens que participavam dos oratórios e que se sentiram motivados a dar continuidade às obras por ele iniciadas. Por fim, o preceito de Dom Bosco de que "não basta amar os jovens; é preciso que eles percebam que são amados", acho que resume como a sua experiência pode nos ajudar a entender os jovens de hoje, que muitas vezes têm linguagens, expressões, comportamentos que podem parecer totalmente estranhos num primeiro contato, mas que podem se revelar totalmente diferentes quando as conhecemos com maior profundidade.

 

O Prof. Dr. Maurício Perondi é graduado em Filosofia, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com realização de Programa de Doutorado na Espanha, Perondi também é coordenador do Observatório Juventudes da PUCRS e professor no Curso de Especialização em Juventudes da Faculdade Dom Bosco, de Porto Alegre.

Todas essas discussões e conceitos serão tratados com maior profundidade durante a palestra e as oficinas do doutor Maurício Perondi no período de 12 a 15 de julho, no colégio Dom Bosco, em Manaus, AM. As inscrições estão abertas e podem ser realizadas pelo site do encontro: http://cooperadoresbma.wixsite.com/encontronacional2018, onde também encontram-se outras informações sobre o evento.


 

 

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