Concílio Vaticano II: 50 anos

Sábado, 03 Novembro 2012 12:29 Escrito por  Pe. Cleto Caliman
  Realizado entre 11 de outubro de 1962 e 8 de dezembro de 1965, o Concílio Vaticano II foi o maior acontecimento da história da Igreja Católica no século XX.   Eleito em outubro de 1958, já em janeiro de 1959, João XXIII anuncia a convocação de um Concílio ecumênico. Muitos achavam que já não seriam mais necessários Concílios para a Igreja, mas o bom papa João queria ouvir o episcopado mundial. Assim, ele inicia a grande transição da Igreja para o mundo contemporâneo. O sopro do Espírito impulsionou a Igreja a se confrontar com a história para tornar mais eficaz a sua missão evangelizadora. Duas expressões orientam o propósito de renovação conciliar. A primeira é a volta às fontes. A Igreja deve reencontrar seus fundamentos evangélicos na grande tradição que vem desde a comunidade apostólica. A segunda é aggiornamento, uma palavra italiana que significava que a Igreja devia “pôr-se em dia” com os tempos. Queria dizer ainda que a Igreja devia deixar para traz o ideal da cristandade medieval e partir para a grande aventura no mundo atual, secular e urbano, marcado pela cultura tecnocientífica e, hoje, midiática. Eis o grande objetivo: a renovação da vitalidade da Igreja em vista de sua presença profética no mundo. Em seu discurso inaugural, o papa João propôs três grandes linhas:  

Primeiro, ele não queria um Concílio doutrinal. Nos novos tempos seria mais proveitoso um Concílio pastoral, que deixasse para trás o confronto e tomasse o caminho do diálogo com o mundo contemporâneo.

O Concílio devia ser ecumênico, no sentido de que não poderia reforçar o muro da diferença entre a Igreja católica e as demais confissões cristãs. Dizia o Papa João: em vez de sublinhar o que nos separa, comecemos a perceber o que nos une: a Palavra de Deus, a fé, a oração, a graça que vem pelo batismo, entre outros elementos que provêm do Evangelho.

E o Papa queria que o Concílio descobrisse o mundo dos pobres, os maiores prejudicados pela sociedade industrial. O conflito entre ricos e pobres era (e é ainda) evidente. Por isso ele afirma que a Igreja é de todos, mas especialmente dos pobres.

 

Os pilares do Concílio

O discurso do dia 11 de outubro de 1962 inaugura o Concílio como o maior acontecimento da história da Igreja no século XX. Depois de quatro sessões conciliares, ele se encerra em 8 de dezembro de 1965. Aqui sublinhamos apenas os grandes pilares do Concílio:

1 – A Constituição Dogmática Lumen Gentium oferece uma nova compreensão da Igreja a partir da chave povo de Deus. Tem como fundamento a graça do batismo, pelo qual somos todos iguais na dignidade de filhos de Deus. Além disso, o Concílio estabelece uma relação de serviço entre a hierarquia e os fieis. A expresão povo de Deus, de tradição bíblica, nos abre à compreensão da origem divina da Igreja: do Deus uno e trino, pela missão do Filho e do Espírito Santo. E dizendo povo coloca a Igreja dentro da grande história da humanidade em vista da salvação universal. Cristo, luz dos povos, é o centro da Igreja. Ela é o sacramento, ou seja, sinal e instrumento da unidade dos seres humanos com Deus e entre si. Por fim, afirma que a Igreja é essencialmente missionária.

2- A Constituição Dogmática sobre a Palavra de Deus, Dei Verbum, tem como objeto a revelação divina e sua transmissão pelos séculos. Seu principal significado é que a Igreja deve caminhar sob a Palavra de Deus. A Igreja inteira - pastores e fieis - se coloca diante dessa Palavra como Igreja discente. Todos aprendemos na escuta da Palavra libertadora. E depois, todos somos Igreja docente, como testemunhas dessa Palavra que é Cristo e, de modo próprio, os pastores, quando ensinam em benefício do conjunto dos fiéis. Outro aspecto importante é a compreensão de revelação como autocomunicação de Deus por acontecimentos e palavras, em que o ponto alto é o acontecimento de nossa salvação, Jesus Cristo morto e ressuscitado.

3 – A Constituição sobre a Igreja no mundo de hoje, Gaudium et Spes, é chamada de pastoral porque deseja orientar nosso olhar para a realidade a partir do Evangelho, em vista da salvação. Mas para isso é preciso discernir os caminhos da história e perceber nela não só as marcas do maligno, que não são poucas, mas principalmente as pegadas da graça do Deus que ama a sua criatura, mesmo pecadora. Por isso logo na abertura a Gaudium et Spes expressa o interesse da Igreja pela realidade do ser humano: “As alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. Assim, a realidade da história humana, perpassada pela graça e pelo pecado, se torna o lugar desde onde o próprio Deus continua nos falando como a amigos.

4 – A Sacrossanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, nos orienta para a renovação. Deixa para traz o ritualismo típico da era pós-tridentina, centrada na figura do padre que “reza a missa”, enquanto os fiéis “assistem” passivos. O Concílio deseja a participação da assembleia litúrgica, reunida para celebrar o mistério pascal. Mas não é só isso. A consciência dos fieis deve estar marcada pelo principal: quem preside a comunidade que celebra é o próprio Cristo, ao mesmo tempo sacerdote e vítima, para o louvor e glória de Deus Pai. O Espírito Santo é quem constitui essa comunidade celebrante, presidida pelo ministro.

Nós cristãos não devemos nos deixar seduzir pelo passado, mesmo que nos pareça glorioso. Nosso olhar deve voltar-se para o futuro da Igreja de Jesus Cristo, buscando sempre a renovação e a conversão. Assim podemos manter viva a chama da missão. A Família Salesiana deve se perguntar: como sermos profetas junto aos jovens, como tarefa irrenunciável do nosso carisma? A Igreja não se renova sem a participação dos jovens. Como portadores do futuro, eles precisam da Palavra de Deus, de inserção qualitativa no mundo de hoje e da celebração de sua vida em Cristo pelo Espírito Santo. Compartilhar com os jovens esse caminho é nossa missão.

Padre Cleto Caliman, SDB, é professor de Teologia Sistemática do Instituto Santo Tomás de Aquino e coordenador do curso de Teologia, e professor no Instituto Dom João Resende Costa, da PUC-Minas. É membro da equipe editorial das revistas Convergência (da Conferência dos Religiosos do Brasil) e Horizonte Teológico.
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Última modificação em Quinta, 15 Novembro 2012 10:53

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Concílio Vaticano II: 50 anos

Sábado, 03 Novembro 2012 12:29 Escrito por  Pe. Cleto Caliman
  Realizado entre 11 de outubro de 1962 e 8 de dezembro de 1965, o Concílio Vaticano II foi o maior acontecimento da história da Igreja Católica no século XX.   Eleito em outubro de 1958, já em janeiro de 1959, João XXIII anuncia a convocação de um Concílio ecumênico. Muitos achavam que já não seriam mais necessários Concílios para a Igreja, mas o bom papa João queria ouvir o episcopado mundial. Assim, ele inicia a grande transição da Igreja para o mundo contemporâneo. O sopro do Espírito impulsionou a Igreja a se confrontar com a história para tornar mais eficaz a sua missão evangelizadora. Duas expressões orientam o propósito de renovação conciliar. A primeira é a volta às fontes. A Igreja deve reencontrar seus fundamentos evangélicos na grande tradição que vem desde a comunidade apostólica. A segunda é aggiornamento, uma palavra italiana que significava que a Igreja devia “pôr-se em dia” com os tempos. Queria dizer ainda que a Igreja devia deixar para traz o ideal da cristandade medieval e partir para a grande aventura no mundo atual, secular e urbano, marcado pela cultura tecnocientífica e, hoje, midiática. Eis o grande objetivo: a renovação da vitalidade da Igreja em vista de sua presença profética no mundo. Em seu discurso inaugural, o papa João propôs três grandes linhas:  

Primeiro, ele não queria um Concílio doutrinal. Nos novos tempos seria mais proveitoso um Concílio pastoral, que deixasse para trás o confronto e tomasse o caminho do diálogo com o mundo contemporâneo.

O Concílio devia ser ecumênico, no sentido de que não poderia reforçar o muro da diferença entre a Igreja católica e as demais confissões cristãs. Dizia o Papa João: em vez de sublinhar o que nos separa, comecemos a perceber o que nos une: a Palavra de Deus, a fé, a oração, a graça que vem pelo batismo, entre outros elementos que provêm do Evangelho.

E o Papa queria que o Concílio descobrisse o mundo dos pobres, os maiores prejudicados pela sociedade industrial. O conflito entre ricos e pobres era (e é ainda) evidente. Por isso ele afirma que a Igreja é de todos, mas especialmente dos pobres.

 

Os pilares do Concílio

O discurso do dia 11 de outubro de 1962 inaugura o Concílio como o maior acontecimento da história da Igreja no século XX. Depois de quatro sessões conciliares, ele se encerra em 8 de dezembro de 1965. Aqui sublinhamos apenas os grandes pilares do Concílio:

1 – A Constituição Dogmática Lumen Gentium oferece uma nova compreensão da Igreja a partir da chave povo de Deus. Tem como fundamento a graça do batismo, pelo qual somos todos iguais na dignidade de filhos de Deus. Além disso, o Concílio estabelece uma relação de serviço entre a hierarquia e os fieis. A expresão povo de Deus, de tradição bíblica, nos abre à compreensão da origem divina da Igreja: do Deus uno e trino, pela missão do Filho e do Espírito Santo. E dizendo povo coloca a Igreja dentro da grande história da humanidade em vista da salvação universal. Cristo, luz dos povos, é o centro da Igreja. Ela é o sacramento, ou seja, sinal e instrumento da unidade dos seres humanos com Deus e entre si. Por fim, afirma que a Igreja é essencialmente missionária.

2- A Constituição Dogmática sobre a Palavra de Deus, Dei Verbum, tem como objeto a revelação divina e sua transmissão pelos séculos. Seu principal significado é que a Igreja deve caminhar sob a Palavra de Deus. A Igreja inteira - pastores e fieis - se coloca diante dessa Palavra como Igreja discente. Todos aprendemos na escuta da Palavra libertadora. E depois, todos somos Igreja docente, como testemunhas dessa Palavra que é Cristo e, de modo próprio, os pastores, quando ensinam em benefício do conjunto dos fiéis. Outro aspecto importante é a compreensão de revelação como autocomunicação de Deus por acontecimentos e palavras, em que o ponto alto é o acontecimento de nossa salvação, Jesus Cristo morto e ressuscitado.

3 – A Constituição sobre a Igreja no mundo de hoje, Gaudium et Spes, é chamada de pastoral porque deseja orientar nosso olhar para a realidade a partir do Evangelho, em vista da salvação. Mas para isso é preciso discernir os caminhos da história e perceber nela não só as marcas do maligno, que não são poucas, mas principalmente as pegadas da graça do Deus que ama a sua criatura, mesmo pecadora. Por isso logo na abertura a Gaudium et Spes expressa o interesse da Igreja pela realidade do ser humano: “As alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”. Assim, a realidade da história humana, perpassada pela graça e pelo pecado, se torna o lugar desde onde o próprio Deus continua nos falando como a amigos.

4 – A Sacrossanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, nos orienta para a renovação. Deixa para traz o ritualismo típico da era pós-tridentina, centrada na figura do padre que “reza a missa”, enquanto os fiéis “assistem” passivos. O Concílio deseja a participação da assembleia litúrgica, reunida para celebrar o mistério pascal. Mas não é só isso. A consciência dos fieis deve estar marcada pelo principal: quem preside a comunidade que celebra é o próprio Cristo, ao mesmo tempo sacerdote e vítima, para o louvor e glória de Deus Pai. O Espírito Santo é quem constitui essa comunidade celebrante, presidida pelo ministro.

Nós cristãos não devemos nos deixar seduzir pelo passado, mesmo que nos pareça glorioso. Nosso olhar deve voltar-se para o futuro da Igreja de Jesus Cristo, buscando sempre a renovação e a conversão. Assim podemos manter viva a chama da missão. A Família Salesiana deve se perguntar: como sermos profetas junto aos jovens, como tarefa irrenunciável do nosso carisma? A Igreja não se renova sem a participação dos jovens. Como portadores do futuro, eles precisam da Palavra de Deus, de inserção qualitativa no mundo de hoje e da celebração de sua vida em Cristo pelo Espírito Santo. Compartilhar com os jovens esse caminho é nossa missão.

Padre Cleto Caliman, SDB, é professor de Teologia Sistemática do Instituto Santo Tomás de Aquino e coordenador do curso de Teologia, e professor no Instituto Dom João Resende Costa, da PUC-Minas. É membro da equipe editorial das revistas Convergência (da Conferência dos Religiosos do Brasil) e Horizonte Teológico.
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