No artigo anterior refletimos sobre a imagem da tenda, inspirada no profeta Isaías 42,2. Como carisma, precisamos saber alargar nossa tenda para acolher as interpelações daqueles que são, conosco, companheiros e companheiras de viagem neste processo sinodal. Papa Francisco foi enfático quando disse que ninguém deveria ficar fora da tenda; entenda-se isto não como uma atitude proselitista, mas sim um chamado a participar, ou seja, saber ouvir e escutar, até mesmo aqueles que pensam diferente de nós.
Na primeira etapa do Sínodo, a escuta atenta da diversidade do Povo de Deus proporcionou ver a realidade complexa da Igreja, suas luzes e sombras (Documento de Trabalho da Etapa Continental – DEC, n. 17). Foi a primeira vez que a Igreja abriu a tenda para escutar as opiniões.
No entanto, as dificuldades foram muitas. A pandemia, a dificuldade de entender o objetivo e a metodologia da escuta, a pouca capacidade de reunir grupos tão diferentes e congregar forças, a desconfiança no Sínodo, o método de boa parte do clero e a passividade dos cristãos leigos, a falta de liderança de muitos bispos, os escândalos dos abusos sexuais que minaram a vida eclesial, as guerras e os limites de muitas comunidades se encontrarem (DEC, 18-21). Todos esses cenários limitadores forçaram a tenda a se alargar ora para um lado, ora pra outra margem da história e ora para o desafio dos grandes centros e periferias existenciais. Mas, quem são os companheiros de viagem do carisma salesiano?
A ausência da voz das crianças, adolescentes e jovens
No resultado da etapa brasileira, como também universal, é clara a ausência da voz das novas gerações. “É um desafio o afastamento e a dificuldade da aceitação dos jovens nos ambientes eclesiais. Enquanto as lideranças envelhecem, as juventudes não são suficientemente acolhidas” (Conclusão da Síntese do Brasil).
No âmbito universal, constata-se que “foi escassa a presença da voz dos jovens no processo sinodal, assim como na vida da Igreja, de modo crescente” (DEC, 35). Tenha-se em conta esse vazio também em relação às crianças e aos adolescentes. Não há referências concretas à escuta feita a eles e elas. Nossas escolas, nossos oratórios, nossas paróquias parecem não ter dado o devido crédito e espaço na tenda para saber escutar a voz das novas gerações. Ficamos fixos em nossas estacas imóveis e, com lonas rasgadas pelos ventos, temos medo da inovação.
Os instrumentos institucionais na escuta
No Brasil, a grande maioria do Povo de Deus, sobretudo de lideranças leigas, foi atuante na escuta. No entanto, a voz daqueles que não concordam com a Igreja, ou porque são agnósticos, afastados ou indiferentes, ficou bastante evidente (Conclusão da Síntese do Brasil). A síntese universal mostrou que as estruturas hierárquicas autocráticas, a cultura clerical individualista, as disparidades socioculturais e econômicas e a ausência de espaços que favoreçam o encontro foram obstáculos sérios para que a Igreja acolhesse na tenda a diversidade do Povo (DEC, 33).
No caso de nossas presenças salesianas, precisamos considerar se também não fomos capazes de alargar nossa tenda para a escuta, se não mantivemos as cordas fixas ou deixamos que os ventos da distração tirassem o foco da escuta. A CEP, nossos Projetos Comunitários de Vida, nossos grupos de Salesianos Cooperadores, Ex-alunos, ADMA, AJS etc. deram espaço na tenda para a participação?
O grito dos pobres e da terra
Na síntese brasileira passou despercebida a temática ecológica, indígena, dos vulneráveis etc. Em contrapartida, na síntese universal é bastante contundente o interesse em ouvir o grito dos pobres e da terra, o apelo a um renovado ecumenismo e ao diálogo interreligioso (DEC, 45). Fato é, que a Igreja é convocada a um renovado e profético serviço para a construção da paz e da reconciliação (DEC, 46). É muito forte o fenômeno crescente de famílias inerconfessionais e interreligiosoas (DEC, 49); realidade que afeta a boa convivência entre os adolescentes e jovens, sem mencionar a falta de credibilidade da Igreja devido aos crimes de abusos. Precisamos, portanto, saber OUVIR, tema da próxima reflexão.