A Oração do Senhor: O Pai Nosso

Sábado, 04 Agosto 2012 11:49 Escrito por  Pe. Agostino Favale, SDB
“Oremos, então, irmãos, como Deus nosso Pai nos ensinou. Orar a Deus, com suas palavras, é uma oração amigável e familiar, que faz chegar aos seus ouvidos a oração do Cristo. Que o Pai reconheça, quando oramos, as palavras do Seu Filho; Ele que habita dentro do nosso coração, esteja também em nossa voz” (S. Cipriano, Tratado sobre o Pai Nosso, cap. 3).  

A oração do Pai Nosso chegou até nós em duas versões: a mais longa de Mateus (6, 9-13) e a mais breve de Lucas (11, 2-4).


Entre uma e outra versão existem diferenças: sete pedidos em Mateus, cinco em Lucas com algumas variações que se referem aos pedidos comuns do pão e do perdão. Embora o texto mais breve de Lucas seja hoje considerado mais próximo do original, a Igreja preferiu adotar na oração litúrgica o texto de Mateus.


Desde as suas origens, a Igreja tem chamado o Pai Nosso de “oração dominical”, ou seja, “oração do Senhor”. Foi, de fato, o próprio Jesus, mestre e modelo de oração, a transmiti-la aos discípulos atendendo ao pedido deles. Trata-se, portanto, da oração mais sublime e envolvente de todos os tempos.


Sublime, porque como Filho unigênito de Deus, Jesus nos relatou apenas as palavras que recebeu do Pai; como Verbo encarnado, profundo conhecedor das nossas carências, nos ensinou as palavras mais adequadas para descobrir os desejos e a vontade de Deus, e para pedir-lhe o que particularmente necessitamos para viver de acordo com o seu plano de amor.


Envolvente, porque o conteúdo do Pai Nosso indica como devemos orar para termos entre nós e Deus plena confiança para desenvolver uma relação pacífica e fraterna, por meio do perdão recíproco e para libertar-nos, com a ajuda divina, da ameaça do mal que há em nós e que vem de fora. O dom do Espírito Santo, recebido no sacramento do batismo, vivifica em nós a oração do Senhor e nos incita a viver reconciliados com Deus e entre nós.

 

Diálogo de amor com Deus

Em Mateus, o Pai Nosso é precedido de uma catequese que adverte sobre duas formas incorretas de orar: o modo exibicionista dos fariseus e o modo prolixo dos pagãos. Em primeiro lugar, a oração não deve limitar-se a um exibicionismo exterior: “Não seja como os hipócritas que oram ficando em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens” (Mt 6, 5). Os hipócritas oram, mas suas orações não atingem suas próprias vidas nem mudam seus corações, porque o espírito deles está distraído, distante de Deus. Em vez de focar sua atenção em Deus, se preocupam com os outros. Se expõem, para serem vistos pelos homens e por eles apreciados e elogiados. O objetivo da oração do Pai Nosso é iniciar-nos numa relação de amor com Deus. Mas para atingir este objetivo, o estado de espírito de quem ora deve conter a discrição, o recolhimento, o silêncio, a interiorização e a docilidade do Espírito Santo.


O segundo modo incorreto de orar é o uso de uma profusão de palavras inúteis: “Orando, pois, não desperdice palavras como os pagãos” (Mt 6, 7). Na oração não devemos pretender instruir a Deus com nossas palavras vãs, mas devemos, ao contrário, deixar-nos instruir por Ele. Orar não é ter confiança sobre a força de nossas palavras ou sobre a eficiência das fórmulas, mas sobre a certeza que o Pai já conhece a nossa situação e está disposto a ajudar-nos, mantendo sempre esta nossa relação de amor com Ele, no nosso modo de pensar, ser e meditar.

 

Cartão de reconhecimento da fé cristã

Ao pedido dos discípulos, Jesus não quis ensiná-los uma oração, mas um modo de orar fundamental, sem rodeios. O Pai Nosso não é uma forma de oração como todas as outras, a qual se pode recorrer em todas as circunstâncias, mas é o modelo de todas as outras orações. É uma oração que distingue os discípulos de Jesus de qualquer outro grupo religioso e constitui o “emblema” da originalidade da fé cristã, frente a qualquer outra expressão religiosa.
Antes então de rezá-lo, o Pai Nosso deve ser compreendido na sua verdade original que flui daquela que Cristo operou para a salvação do homem. Para compreender o significado disso tudo, devemos escutar a palavra de Deus, não nos envergonhando de permanecermos “pequenos” diante Dele, ou seja, confiarmos Nele. A veracidade e a sinceridade de toda a nossa relação com Deus exigem uma postura interior que exclui toda autossuficiência e nos ingressa a um caminho de conversão: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos céus” (Mt 18, 3). Então, converter-se pressupõe nosso reconhecimento da primazia de Deus e da Sua graça e o envolvimento disso em nossa vida.


A oração do Pai Nosso tem sido preservada pela comunidade apostólica na sua forma pré-pascal, onde não se fala explicitamente de Cristo e do Espírito Santo. Mas os evangelhos, nos quais está inserida, são pós-pascais. É razoável supor que os primeiros cristãos a haviam transmitido e compreendido, sem alteração, em consonância com a missão salvadora do Filho e do Espírito Santo, querida pelo Pai. Desvinculado desta missão perderia a sua novidade e originalidade...


A verdadeira novidade do Novo Testamento é a pessoa de Jesus, que realizou a nova e eterna aliança da humanidade com Deus, por intermédio da sua morte na cruz. Jesus não foi um homem que morreu por Deus, mas o Filho de Deus, Verbo encarnado, o qual enviado pelo Pai morreu e ressuscitou pelos homens para reconciliá-los com Deus. Por isso, a pessoa de Jesus representa novidade seja pelo seu ensinamento, seja pela sua vida, seja pelo cristianismo.
O grande e extraordinário anúncio de Jesus foi revelar-nos que na Trindade há uma pessoa que se chama Pai e é pleno de amor, amor que Ele derrama sobre a humanidade, por meio da encarnação, morte e ressurreição do seu Filho unigênito e pelo dom do Espírito Santo. Por isso, o Pai Nosso, para nós cristãos, é ao mesmo tempo oração e modo de vida, que deve formar não só a nossa mente e o nosso coração, mas também todas as nossas ações.

 

 

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Última modificação em Sábado, 14 Março 2020 13:09

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A Oração do Senhor: O Pai Nosso

Sábado, 04 Agosto 2012 11:49 Escrito por  Pe. Agostino Favale, SDB
“Oremos, então, irmãos, como Deus nosso Pai nos ensinou. Orar a Deus, com suas palavras, é uma oração amigável e familiar, que faz chegar aos seus ouvidos a oração do Cristo. Que o Pai reconheça, quando oramos, as palavras do Seu Filho; Ele que habita dentro do nosso coração, esteja também em nossa voz” (S. Cipriano, Tratado sobre o Pai Nosso, cap. 3).  

A oração do Pai Nosso chegou até nós em duas versões: a mais longa de Mateus (6, 9-13) e a mais breve de Lucas (11, 2-4).


Entre uma e outra versão existem diferenças: sete pedidos em Mateus, cinco em Lucas com algumas variações que se referem aos pedidos comuns do pão e do perdão. Embora o texto mais breve de Lucas seja hoje considerado mais próximo do original, a Igreja preferiu adotar na oração litúrgica o texto de Mateus.


Desde as suas origens, a Igreja tem chamado o Pai Nosso de “oração dominical”, ou seja, “oração do Senhor”. Foi, de fato, o próprio Jesus, mestre e modelo de oração, a transmiti-la aos discípulos atendendo ao pedido deles. Trata-se, portanto, da oração mais sublime e envolvente de todos os tempos.


Sublime, porque como Filho unigênito de Deus, Jesus nos relatou apenas as palavras que recebeu do Pai; como Verbo encarnado, profundo conhecedor das nossas carências, nos ensinou as palavras mais adequadas para descobrir os desejos e a vontade de Deus, e para pedir-lhe o que particularmente necessitamos para viver de acordo com o seu plano de amor.


Envolvente, porque o conteúdo do Pai Nosso indica como devemos orar para termos entre nós e Deus plena confiança para desenvolver uma relação pacífica e fraterna, por meio do perdão recíproco e para libertar-nos, com a ajuda divina, da ameaça do mal que há em nós e que vem de fora. O dom do Espírito Santo, recebido no sacramento do batismo, vivifica em nós a oração do Senhor e nos incita a viver reconciliados com Deus e entre nós.

 

Diálogo de amor com Deus

Em Mateus, o Pai Nosso é precedido de uma catequese que adverte sobre duas formas incorretas de orar: o modo exibicionista dos fariseus e o modo prolixo dos pagãos. Em primeiro lugar, a oração não deve limitar-se a um exibicionismo exterior: “Não seja como os hipócritas que oram ficando em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens” (Mt 6, 5). Os hipócritas oram, mas suas orações não atingem suas próprias vidas nem mudam seus corações, porque o espírito deles está distraído, distante de Deus. Em vez de focar sua atenção em Deus, se preocupam com os outros. Se expõem, para serem vistos pelos homens e por eles apreciados e elogiados. O objetivo da oração do Pai Nosso é iniciar-nos numa relação de amor com Deus. Mas para atingir este objetivo, o estado de espírito de quem ora deve conter a discrição, o recolhimento, o silêncio, a interiorização e a docilidade do Espírito Santo.


O segundo modo incorreto de orar é o uso de uma profusão de palavras inúteis: “Orando, pois, não desperdice palavras como os pagãos” (Mt 6, 7). Na oração não devemos pretender instruir a Deus com nossas palavras vãs, mas devemos, ao contrário, deixar-nos instruir por Ele. Orar não é ter confiança sobre a força de nossas palavras ou sobre a eficiência das fórmulas, mas sobre a certeza que o Pai já conhece a nossa situação e está disposto a ajudar-nos, mantendo sempre esta nossa relação de amor com Ele, no nosso modo de pensar, ser e meditar.

 

Cartão de reconhecimento da fé cristã

Ao pedido dos discípulos, Jesus não quis ensiná-los uma oração, mas um modo de orar fundamental, sem rodeios. O Pai Nosso não é uma forma de oração como todas as outras, a qual se pode recorrer em todas as circunstâncias, mas é o modelo de todas as outras orações. É uma oração que distingue os discípulos de Jesus de qualquer outro grupo religioso e constitui o “emblema” da originalidade da fé cristã, frente a qualquer outra expressão religiosa.
Antes então de rezá-lo, o Pai Nosso deve ser compreendido na sua verdade original que flui daquela que Cristo operou para a salvação do homem. Para compreender o significado disso tudo, devemos escutar a palavra de Deus, não nos envergonhando de permanecermos “pequenos” diante Dele, ou seja, confiarmos Nele. A veracidade e a sinceridade de toda a nossa relação com Deus exigem uma postura interior que exclui toda autossuficiência e nos ingressa a um caminho de conversão: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos céus” (Mt 18, 3). Então, converter-se pressupõe nosso reconhecimento da primazia de Deus e da Sua graça e o envolvimento disso em nossa vida.


A oração do Pai Nosso tem sido preservada pela comunidade apostólica na sua forma pré-pascal, onde não se fala explicitamente de Cristo e do Espírito Santo. Mas os evangelhos, nos quais está inserida, são pós-pascais. É razoável supor que os primeiros cristãos a haviam transmitido e compreendido, sem alteração, em consonância com a missão salvadora do Filho e do Espírito Santo, querida pelo Pai. Desvinculado desta missão perderia a sua novidade e originalidade...


A verdadeira novidade do Novo Testamento é a pessoa de Jesus, que realizou a nova e eterna aliança da humanidade com Deus, por intermédio da sua morte na cruz. Jesus não foi um homem que morreu por Deus, mas o Filho de Deus, Verbo encarnado, o qual enviado pelo Pai morreu e ressuscitou pelos homens para reconciliá-los com Deus. Por isso, a pessoa de Jesus representa novidade seja pelo seu ensinamento, seja pela sua vida, seja pelo cristianismo.
O grande e extraordinário anúncio de Jesus foi revelar-nos que na Trindade há uma pessoa que se chama Pai e é pleno de amor, amor que Ele derrama sobre a humanidade, por meio da encarnação, morte e ressurreição do seu Filho unigênito e pelo dom do Espírito Santo. Por isso, o Pai Nosso, para nós cristãos, é ao mesmo tempo oração e modo de vida, que deve formar não só a nossa mente e o nosso coração, mas também todas as nossas ações.

 

 

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