Autocontrole: uma condição básica

Quarta, 25 Abril 2012 18:38 Escrito por  Pe. Bruno Ferrero
Talvez possamos até dizer: parte da crise financeira atual é devida à colossal falência do autocontrole de uma geração inteira. Sofremos muito com essa crise porque nos havíamos habituado a uma democracia tranquila do excesso, numa paisagem pululante de tentações (consumistas). É difícil controlar-se num mundo que não faz outra coisa senão atiçar nosso “apetite”, num mundo que mais parece um gigantesco buffet. Também aí se encontra a tecnologia.  

 

O preço de muitas mercadorias abaixou e isso aguça nossos desejos, incitando-nos fortemente a comprá-las imediatamente. O mote de um site muito frequentado na Internet é: “A vida é breve. Satisfaça todos os seus desejos”. Basta um clic e todos eles poderão ser satisfeitos, sobretudo graças ao mágico cartão de crédito inventado pelos bancos para facilitar qualquer tipo de compra, com muito pouca previsão do amanhã.

A mudança aconteceu dentro de nós. Consiste numa maior propensão a privilegiar especialmente a própria felicidade. Quem não está satisfeito com seus compromissos afetivos e deseja rompê-los, poderá fazê-lo porque não existe mais uma pressão social capaz de impedi-lo. Até os mais jovens se deixam levar pelo redemoinho da loucura geral. Transtornados pela roda-gigante das ofertas, com frequência são incapazes de se concentrar, são volúveis e com um frágil sentido de limites.

A questão do nosso tempo: onde estão os adultos?

O primeiro passo que se precisa dar é entender quanto é forte o condicionamento do ambiente e aprender a governá-lo. Especialmente os pais de pré-adolescentes devem levar em consideração o contexto e, quando for possível, mantê-lo sob controle enquanto os filhos não estejam em condições de fazê-lo por si mesmos. Além disso, também um adulto precisa aprender a “fugir das ocasiões”. O sistema preventivo absolutamente não é permissivo, mas cria a armação de sustentação para que a pessoa se solidifique. No tempo de Dom Bosco, num colégio o ecônomo havia comprado umas belas maçãs, e as cozinheiras as haviam colocado numa cestinha na janela da despensa.

De repente, todas as maçãs desapareceram. A diretora vendo Dom Bosco lhe disse: “Dom Bosco, sabe o que fizeram os garotos esta manhã? Nós havíamos providenciado algumas belas maçãs para o almoço das visitas (era um dia de festa no colégio), e roubaram todas elas”. E ele, com a calma de sempre, respondeu: “O erro não foi dos meninos, mas de vocês. Chamem logo o ecônomo, e digam-lhe que Dom Bosco quer que se coloque logo uma grade naquela janela... Recordem-se: jamais coloquem os meninos em ocasião de cometerem alguma falta; eis o sistema preventivo de Dom Bosco” (Memórias Biográficas, X, p. 649).

Educar para o autocontrole

O autocontrole é por sua natureza um enigma. Depende de muitos fatores. Costumes, dependências, compulsões, hábitos, antes considerados viciosos, encontraram álibis. Atualmente são consideradas doenças: dos jogos de azar, ao shopping, à cocaína, ao abuso do álcool, aos videogames, à internet. Isso significa criar a hipótese de que a vontade do indivíduo não conta mais. É como abdicar de sua humanidade. O que nos torna humanos é a capacidade de desobedecer aos nossos impulsos e de integrá-los numa forma mais completa de caráter. Isso tem um preço que sempre menos pessoas desejam pagar: o esforço. A luta pela conquista do auto-controle é excitante exatamente porque se trata de uma luta. A força de vontade é um músculo: pode-se potenciá-lo com um exercício cotidiano. Trata-se pois de ensinar às crianças os “bons hábitos”, aqueles do tipo “conta até vinte antes de ficar bravo; comer só durante as refeições; às nove da noite é hora de dormir” etc.

Hoje em muitas crianças se diagnostica um déficit de atenção, mas em muitos casos, mesmo que não seja em todos eles, o motivo de seus distúrbios consiste simplesmente em jamais terem aprendido a exercitar o autocontrole. É necessário agir bem antes. É como construir uma estrutura da escolha. Isso depende da “visão”: o autocontrole consiste em conseguir olhar mais além do hoje; em adiar, quando necessário, a gratificação instantânea para conseguir realizar objetivos mais importantes. Quem não tem uma meta para alcançar facilmente se deixa capturar pelas tentações.

Controlar o ambiente significa, por exemplo, organizar o próprio trabalho de tal modo que facilite sua execução. Um estudo comprovou que, numa sala de aula, basta haver uma janela aberta para um jardim para aumentar em 20% a disciplina entre os alunos. Qual é o adolescente que consegue estudar se há um televisor ligado a apenas alguns metros dele?

O espelho mágico

Mas, o que é mais importante é que o autocontrole se aprende “em grupo.” Se alguém nos observa tendemos a comportar-nos de modo diferente. As experiências demonstraram que basta simplesmente colocar um espelho num ambiente para que as pessoas se comportem melhor, por exemplo, deixando o dinheiro do jornal na banca mesmo quando o vendedor não está presente. Bastou a colocação de um espelho no setor das gôndolas de doces de um supermercado para que os furtos das crianças diminuíssem em mais de 70%. Para as crianças, os pais são um espelho indispensável: o espelho da alma. São o “espelho mágico na parede” que diz se aquele comportamento, aquela palavra, aquela mentira servem para “construir” uma pessoa honesta ou são “destrutivos”. A aprovação ou desaprovação deles conta muitíssimo. Pais muito “ausentes” têm filhos com pouquíssima autodisciplina. A perda da dimensão comunitária é a pior consequência da vida moderna.

 

Artigo originalmente publicado na coluna Come Don Bosco, no Bolletino Salesiano de janeiro de 2012, p. 28 e 29.
Tradução: padre Milton Rezende, SDB.
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Última modificação em Sexta, 24 Agosto 2012 10:41

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Autocontrole: uma condição básica

Quarta, 25 Abril 2012 18:38 Escrito por  Pe. Bruno Ferrero
Talvez possamos até dizer: parte da crise financeira atual é devida à colossal falência do autocontrole de uma geração inteira. Sofremos muito com essa crise porque nos havíamos habituado a uma democracia tranquila do excesso, numa paisagem pululante de tentações (consumistas). É difícil controlar-se num mundo que não faz outra coisa senão atiçar nosso “apetite”, num mundo que mais parece um gigantesco buffet. Também aí se encontra a tecnologia.  

 

O preço de muitas mercadorias abaixou e isso aguça nossos desejos, incitando-nos fortemente a comprá-las imediatamente. O mote de um site muito frequentado na Internet é: “A vida é breve. Satisfaça todos os seus desejos”. Basta um clic e todos eles poderão ser satisfeitos, sobretudo graças ao mágico cartão de crédito inventado pelos bancos para facilitar qualquer tipo de compra, com muito pouca previsão do amanhã.

A mudança aconteceu dentro de nós. Consiste numa maior propensão a privilegiar especialmente a própria felicidade. Quem não está satisfeito com seus compromissos afetivos e deseja rompê-los, poderá fazê-lo porque não existe mais uma pressão social capaz de impedi-lo. Até os mais jovens se deixam levar pelo redemoinho da loucura geral. Transtornados pela roda-gigante das ofertas, com frequência são incapazes de se concentrar, são volúveis e com um frágil sentido de limites.

A questão do nosso tempo: onde estão os adultos?

O primeiro passo que se precisa dar é entender quanto é forte o condicionamento do ambiente e aprender a governá-lo. Especialmente os pais de pré-adolescentes devem levar em consideração o contexto e, quando for possível, mantê-lo sob controle enquanto os filhos não estejam em condições de fazê-lo por si mesmos. Além disso, também um adulto precisa aprender a “fugir das ocasiões”. O sistema preventivo absolutamente não é permissivo, mas cria a armação de sustentação para que a pessoa se solidifique. No tempo de Dom Bosco, num colégio o ecônomo havia comprado umas belas maçãs, e as cozinheiras as haviam colocado numa cestinha na janela da despensa.

De repente, todas as maçãs desapareceram. A diretora vendo Dom Bosco lhe disse: “Dom Bosco, sabe o que fizeram os garotos esta manhã? Nós havíamos providenciado algumas belas maçãs para o almoço das visitas (era um dia de festa no colégio), e roubaram todas elas”. E ele, com a calma de sempre, respondeu: “O erro não foi dos meninos, mas de vocês. Chamem logo o ecônomo, e digam-lhe que Dom Bosco quer que se coloque logo uma grade naquela janela... Recordem-se: jamais coloquem os meninos em ocasião de cometerem alguma falta; eis o sistema preventivo de Dom Bosco” (Memórias Biográficas, X, p. 649).

Educar para o autocontrole

O autocontrole é por sua natureza um enigma. Depende de muitos fatores. Costumes, dependências, compulsões, hábitos, antes considerados viciosos, encontraram álibis. Atualmente são consideradas doenças: dos jogos de azar, ao shopping, à cocaína, ao abuso do álcool, aos videogames, à internet. Isso significa criar a hipótese de que a vontade do indivíduo não conta mais. É como abdicar de sua humanidade. O que nos torna humanos é a capacidade de desobedecer aos nossos impulsos e de integrá-los numa forma mais completa de caráter. Isso tem um preço que sempre menos pessoas desejam pagar: o esforço. A luta pela conquista do auto-controle é excitante exatamente porque se trata de uma luta. A força de vontade é um músculo: pode-se potenciá-lo com um exercício cotidiano. Trata-se pois de ensinar às crianças os “bons hábitos”, aqueles do tipo “conta até vinte antes de ficar bravo; comer só durante as refeições; às nove da noite é hora de dormir” etc.

Hoje em muitas crianças se diagnostica um déficit de atenção, mas em muitos casos, mesmo que não seja em todos eles, o motivo de seus distúrbios consiste simplesmente em jamais terem aprendido a exercitar o autocontrole. É necessário agir bem antes. É como construir uma estrutura da escolha. Isso depende da “visão”: o autocontrole consiste em conseguir olhar mais além do hoje; em adiar, quando necessário, a gratificação instantânea para conseguir realizar objetivos mais importantes. Quem não tem uma meta para alcançar facilmente se deixa capturar pelas tentações.

Controlar o ambiente significa, por exemplo, organizar o próprio trabalho de tal modo que facilite sua execução. Um estudo comprovou que, numa sala de aula, basta haver uma janela aberta para um jardim para aumentar em 20% a disciplina entre os alunos. Qual é o adolescente que consegue estudar se há um televisor ligado a apenas alguns metros dele?

O espelho mágico

Mas, o que é mais importante é que o autocontrole se aprende “em grupo.” Se alguém nos observa tendemos a comportar-nos de modo diferente. As experiências demonstraram que basta simplesmente colocar um espelho num ambiente para que as pessoas se comportem melhor, por exemplo, deixando o dinheiro do jornal na banca mesmo quando o vendedor não está presente. Bastou a colocação de um espelho no setor das gôndolas de doces de um supermercado para que os furtos das crianças diminuíssem em mais de 70%. Para as crianças, os pais são um espelho indispensável: o espelho da alma. São o “espelho mágico na parede” que diz se aquele comportamento, aquela palavra, aquela mentira servem para “construir” uma pessoa honesta ou são “destrutivos”. A aprovação ou desaprovação deles conta muitíssimo. Pais muito “ausentes” têm filhos com pouquíssima autodisciplina. A perda da dimensão comunitária é a pior consequência da vida moderna.

 

Artigo originalmente publicado na coluna Come Don Bosco, no Bolletino Salesiano de janeiro de 2012, p. 28 e 29.
Tradução: padre Milton Rezende, SDB.
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