A sabedoria evangélica no projeto pessoal de vida

Sábado, 22 Outubro 2016 20:47 Escrito por 
No Evangelho, a sabedoria transparece em Jesus. Ele é o mestre que nos convida a deixar tudo para segui-lo. Este convite de Jesus tem três pilares: a mística, a comunidade e a missão.

Quando o rei Salomão assumiu no lugar de Davi o desafio era enorme. O jovem rei, em sonho, pediu a Deus a capacidade de discernir o bem e o mal, ou seja, a sabedoria (1 Rs3, 9). No Evangelho, a sabedoria transparece em Jesus. Ele é o mestre – rabûni – que nos convida a deixar tudo para segui-lo. Este convite de Jesus tem três pilares: a mística, a comunidade e a missão.

Em nossos dias, a vida humana passa por um processo de transformação de significado do tempo, do espaço e das relações sociais. Algo novo está nascendo (Is 49,13) e nos falta sabedoria para discernir e dar o salto consciente para uma nova realidade. Precisamos, então, olhar com paixão nossa história pessoal, pois nela se revela a comunicação de Deus. É no emaranhado de fatos, pessoas e tempo que percebemos algo novo que está sendo moldado pelo oleiro da história. Ele purifica a argila, a história,  retirando todas as impurezas que podem fazer estourar o objeto projetado. Há de se contemplar a história passada para saber viver o presente e projetar o futuro com esperança e sem medos. Neste sentido, o projeto pessoal de vida (PPV) requer uma elaboração permanente de significados.

 

Místico

O ser humano busca a verdade. Santo Agostinho descreve isso a partir de sua trajetória de vida. Quando adere a Jesus ele diz: “Eu te procurava fora e tu estavas dentro... tarde te amei, Senhor”. A mística é essa união plena e sábia com Deus. Ele sai ao nosso encontro, ele nos conquista, ele nos seduz e nós nos deixamos seduzir por Ele (Jer 20,7). Contudo, o elemento místico não é patrimônio único do cristianismo.

Muitas religiões e crenças possuem seus místicos. No cristianismo, porém, a mística se caracteriza pela configuração plena com Jesus Cristo. É deixar-se envolver na esfera profunda da espiritualidade,  união com Deus – para saborear desde aí a força de Deus que tudo transforma e nos eleva até ele (Rm 1,16s). O místico é aquele que abre o coração a Deus e se deixa moldar, ou purificar. Por isto, na medida em que se aproxima de Deus, o místico passa pela purificação do fogo que já está aceso e que faz arder o coração para a escuta da Palavra (Is 20,9b). É a mesma sensação do profeta que diz: “Minha morada foi à força arrebatada, desarmada como a tenda de um pastor” (Is 38,12). Este fogo de Deus que aparece diante de Moisés (Ex 3,2) e retorna novamente na experiência do ressuscitado que arde sem destruir (Lc 24,32). É esta experiência mística que nos faz cantar as maravilhas de Deus.

 

Comunidade

Um dos dilemas da sociedade contemporânea é viver a comunhão entre as pessoas. Estamos em uma torre de Babel. Há tanta tecnologia à disposição, porém, parece que estamos isolados, egocêntricos, como que vivendo presos no próprio casulo. Faz falta a comunhão de pessoas, a convivência fraterna. A sabedoria evangélica nos ensina que viver com os outros é saber partilhar, ao contrário da ganância que nos leva a acumular.

A vida em comunidade e, não digo apenas de uma comunidade religiosa, mas o cotidiano da família, da comunidade cristã, do grupo de interesse e de amigos, é fundamental para experimentar a vida como saída de si mesmo para ir ao encontro dos outros sem medo de se machucar, pois quem deixa as seguranças se expõe. Há que se expor para poder criar relações de significado, esse é o exemplo que nos deixaram os Atos dos Apóstolos quando afirmam: “Eles tinham um só coração e uma só alma, não tinham propriedades, tudo era em comum, não havia necessitados entre eles” (Atos 4,32s). O PPV não pode deixar por menos essa realidade de comunhão, senão construiremos a casa na areia e ela não resistirá às crises.

 

Missão

Desde o batismo fomos enviados em missão, pois a Igreja existe para evangelizar. Cada um precisa enxergar os areópagos contemporâneos da missão que o desafiam. Saber que o Senhor está presente em todo projeto de missão. Jesus foi o primeiro missionário do Pai que desceu para estar conosco (Jo 1,1s). Ele nos chama a continuar esse processo de descida (Mc 8,34). A grande questão é que ninguém é chamado para ser autorreferência, mas mensageiro da esperança em meio a injustiças, desesperanças e desvios de rota.

A missão nos faz profetas do Senhor diante daqueles que “devoram a carne do povo, arrancam sua pele, quebram seus ossos e os fazem em pedaços, como um cozido no caldeirão” (Mq 3,3). A missão é para esquadrinhar tudo e fazer brotar a justiça e o direito. Então, o cristão é um profeta pelo batismo, quer dizer, uma voz que clama no deserto da indiferença, da liberdade egocêntrica e individualista e do orgulho que cega e não deixa o novo nascer carregado de esperanças (Is 43,19).

O PPV precisa estar sustentado nessas bases para fortalecer o sacerdócio comum do cristão. Senão, nos tornamos profetas dos nossos templos fechados, de nossos interesses mesquinhos e de nossos lucros e pecados, com a consciência anestesiada e o coração congelado.

 

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Última modificação em Segunda, 24 Outubro 2016 17:38

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A sabedoria evangélica no projeto pessoal de vida

Sábado, 22 Outubro 2016 20:47 Escrito por 
No Evangelho, a sabedoria transparece em Jesus. Ele é o mestre que nos convida a deixar tudo para segui-lo. Este convite de Jesus tem três pilares: a mística, a comunidade e a missão.

Quando o rei Salomão assumiu no lugar de Davi o desafio era enorme. O jovem rei, em sonho, pediu a Deus a capacidade de discernir o bem e o mal, ou seja, a sabedoria (1 Rs3, 9). No Evangelho, a sabedoria transparece em Jesus. Ele é o mestre – rabûni – que nos convida a deixar tudo para segui-lo. Este convite de Jesus tem três pilares: a mística, a comunidade e a missão.

Em nossos dias, a vida humana passa por um processo de transformação de significado do tempo, do espaço e das relações sociais. Algo novo está nascendo (Is 49,13) e nos falta sabedoria para discernir e dar o salto consciente para uma nova realidade. Precisamos, então, olhar com paixão nossa história pessoal, pois nela se revela a comunicação de Deus. É no emaranhado de fatos, pessoas e tempo que percebemos algo novo que está sendo moldado pelo oleiro da história. Ele purifica a argila, a história,  retirando todas as impurezas que podem fazer estourar o objeto projetado. Há de se contemplar a história passada para saber viver o presente e projetar o futuro com esperança e sem medos. Neste sentido, o projeto pessoal de vida (PPV) requer uma elaboração permanente de significados.

 

Místico

O ser humano busca a verdade. Santo Agostinho descreve isso a partir de sua trajetória de vida. Quando adere a Jesus ele diz: “Eu te procurava fora e tu estavas dentro... tarde te amei, Senhor”. A mística é essa união plena e sábia com Deus. Ele sai ao nosso encontro, ele nos conquista, ele nos seduz e nós nos deixamos seduzir por Ele (Jer 20,7). Contudo, o elemento místico não é patrimônio único do cristianismo.

Muitas religiões e crenças possuem seus místicos. No cristianismo, porém, a mística se caracteriza pela configuração plena com Jesus Cristo. É deixar-se envolver na esfera profunda da espiritualidade,  união com Deus – para saborear desde aí a força de Deus que tudo transforma e nos eleva até ele (Rm 1,16s). O místico é aquele que abre o coração a Deus e se deixa moldar, ou purificar. Por isto, na medida em que se aproxima de Deus, o místico passa pela purificação do fogo que já está aceso e que faz arder o coração para a escuta da Palavra (Is 20,9b). É a mesma sensação do profeta que diz: “Minha morada foi à força arrebatada, desarmada como a tenda de um pastor” (Is 38,12). Este fogo de Deus que aparece diante de Moisés (Ex 3,2) e retorna novamente na experiência do ressuscitado que arde sem destruir (Lc 24,32). É esta experiência mística que nos faz cantar as maravilhas de Deus.

 

Comunidade

Um dos dilemas da sociedade contemporânea é viver a comunhão entre as pessoas. Estamos em uma torre de Babel. Há tanta tecnologia à disposição, porém, parece que estamos isolados, egocêntricos, como que vivendo presos no próprio casulo. Faz falta a comunhão de pessoas, a convivência fraterna. A sabedoria evangélica nos ensina que viver com os outros é saber partilhar, ao contrário da ganância que nos leva a acumular.

A vida em comunidade e, não digo apenas de uma comunidade religiosa, mas o cotidiano da família, da comunidade cristã, do grupo de interesse e de amigos, é fundamental para experimentar a vida como saída de si mesmo para ir ao encontro dos outros sem medo de se machucar, pois quem deixa as seguranças se expõe. Há que se expor para poder criar relações de significado, esse é o exemplo que nos deixaram os Atos dos Apóstolos quando afirmam: “Eles tinham um só coração e uma só alma, não tinham propriedades, tudo era em comum, não havia necessitados entre eles” (Atos 4,32s). O PPV não pode deixar por menos essa realidade de comunhão, senão construiremos a casa na areia e ela não resistirá às crises.

 

Missão

Desde o batismo fomos enviados em missão, pois a Igreja existe para evangelizar. Cada um precisa enxergar os areópagos contemporâneos da missão que o desafiam. Saber que o Senhor está presente em todo projeto de missão. Jesus foi o primeiro missionário do Pai que desceu para estar conosco (Jo 1,1s). Ele nos chama a continuar esse processo de descida (Mc 8,34). A grande questão é que ninguém é chamado para ser autorreferência, mas mensageiro da esperança em meio a injustiças, desesperanças e desvios de rota.

A missão nos faz profetas do Senhor diante daqueles que “devoram a carne do povo, arrancam sua pele, quebram seus ossos e os fazem em pedaços, como um cozido no caldeirão” (Mq 3,3). A missão é para esquadrinhar tudo e fazer brotar a justiça e o direito. Então, o cristão é um profeta pelo batismo, quer dizer, uma voz que clama no deserto da indiferença, da liberdade egocêntrica e individualista e do orgulho que cega e não deixa o novo nascer carregado de esperanças (Is 43,19).

O PPV precisa estar sustentado nessas bases para fortalecer o sacerdócio comum do cristão. Senão, nos tornamos profetas dos nossos templos fechados, de nossos interesses mesquinhos e de nossos lucros e pecados, com a consciência anestesiada e o coração congelado.

 

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