Que sinais a juventude dá de si mesma?

Quinta, 09 Novembro 2017 06:42 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
Que sinais a juventude dá de si mesma? iStock.com
Nas escolas estão os jovens e adolescentes, que são o foco da redução da maioridade penal, ou seja, parte da população brasileira que será diretamente atingida. Será que temos ouvido o que os jovens dizem a respeito da proposta?  

Em setembro, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado retomou a discussão sobre a redução da maioridade penal. A proposta, aprovada anos antes pela Câmara dos Deputados, ganha novos contornos com a apreciação pelos senadores. Após muito diálogo e articulações, a votação da proposta foi adiada.

O cenário de discussão é quase sempre o mesmo: muitas pessoas, enraivecidas, clamam por justiça. As razões são permeadas de senso comum: noções erradas de estatística, falta de conhecimento nas ciências penais, desconhecimento das leis em vigor, falta de reflexão sobre os fatos e circunstâncias sociais e os reflexos da proposta. Quase sempre, essas falsas noções da realidade são incentivadas por dois grupos dominantes: políticos que são economicamente interessados no aumento da população carcerária e grupos detentores de uma mídia pautada no sensacionalismo.

 

Opinião dos jovens

Em diversas oportunidades que tive de participar de encontros de grupos da PJE (Pastoral da Juventude Estudantil), pude ouvir o que os adolescentes de ensino fundamental e médio pensam do assunto. Quase sempre, a opinião converge com aquela emitida por grande parte da população: são favoráveis à redução da maioridade penal, baseando suas opiniões na mesma ausência de conhecimento que os demais.

Os próprios adolescentes atingidos por essa proposta nefasta – rechaçada por diversos juristas, entidades, pela Igreja e pela própria Congregação salesiana – são favoráveis às medidas legislativas que irão tolher direitos e causar um descompasso social, agravando as diferenças já existentes entre ricos e pobres, além de impossibilitar a reinserção social dos adolescentes mais marginalizados.

Eu, autor deste artigo, falo com propriedade dessa opinião. Afinal, até meus 15 anos era plenamente favorável à redução. Mal sabia que, anos depois, sustentaria em minha monografia de faculdade, e perante discussões públicas, o caráter pétreo dessa norma constitucional.

 

Reflexão crítica

Ouvindo os adolescentes, percebemos a reprodução de argumentos infundados e a falta de reflexão crítica sobre algo que acabará por mutilar e vilipendiar seus próprios direitos. Que sinais podemos tirar disso?

Embora a redução da maioridade penal seja o mote da discussão, ela tem outro viés. Essa proposta, geralmente, está atrelada a grupos políticos, econômicos e sociais conservadores que acreditam em um Estado policial e violento para resolver os problemas da sociedade. São grupos de qualquer vertente política e religiosa, mas que acreditam que falar em direitos humanos é perda de tempo ou “doutrinação”; que acham que o Papa Francisco está sendo “liberal demais”; que, embora preguem a morte e ressurreição de Jesus, reproduzem Pôncio Pilatos e lavam as mãos para os excluídos da sociedade.

A opinião dos jovens, hoje, está pautada na ausência de reflexão de sua própria realidade. Eles estão perdendo a esperança no futuro. Apoiar propostas como a redução da maioridade penal é aceitar que o futuro não tem solução a não ser a morte; é aceitar que a Vida não triunfou na Ressurreição; é afirmar que Dom Bosco errava ao dizer que “todo jovem tem uma corda acessível ao bem”; é dizer que Ele não veio para que todos tivessem vida em abundância (Jo 10, 10), mas apenas alguns.

 

Ouvir e respeitar

As amarras conservadoras que estão atraindo a atenção dos jovens não são em si mesmas ruins. Afinal, há tanta coisa boa a ser conservada: a memória dos antepassados, as tradições da Igreja, a história de nossa vida, as Palavras da Salvação... ruins são as amarras da indiferença e do egoísmo que aqueles grupos – sociais e políticos – querem perpetuar. O discurso acaba sendo tão tentador que nós, jovens, nos deixamos seduzir.

Isso porque estamos sedentos de mudança. Podemos não saber “o que queremos”, mas sabemos, definitivamente, o que “não queremos”. E é neste vácuo que crescem discursos mal-intencionados, com respostas definitivas para os problemas que nos incomodam. Como alguns dos próprios adolescentes podem querer a redução da maioridade penal? Querem-na não para reduzir seus direitos, mas para “ajudar a solucionar” os problemas da segurança pública (embora estudos na área digam que tais problemas serão piorados).

Cada vez mais vemos “antidiscursos”, “anti-ideias”, “antidiálogos”; vemos apenas ataques às opiniões. Nós, jovens, devemos estar atentos e evitar que sejamos utilizados como meros reprodutores de um discurso pronto. Assim como no caso da redução da maioridade penal, podemos ter uma opinião, mas devemos buscar argumentos de todos os lados para formá-la. Ouvir a voz da experiência e respeitar as opiniões, mesmo que não nos sejam agradáveis. De que maneira? Fazendo aquilo que de melhor fazemos: questionando.

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 24 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).
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Quinta, 09 Novembro 2017 06:42 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
Que sinais a juventude dá de si mesma? iStock.com
Nas escolas estão os jovens e adolescentes, que são o foco da redução da maioridade penal, ou seja, parte da população brasileira que será diretamente atingida. Será que temos ouvido o que os jovens dizem a respeito da proposta?  

Em setembro, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado retomou a discussão sobre a redução da maioridade penal. A proposta, aprovada anos antes pela Câmara dos Deputados, ganha novos contornos com a apreciação pelos senadores. Após muito diálogo e articulações, a votação da proposta foi adiada.

O cenário de discussão é quase sempre o mesmo: muitas pessoas, enraivecidas, clamam por justiça. As razões são permeadas de senso comum: noções erradas de estatística, falta de conhecimento nas ciências penais, desconhecimento das leis em vigor, falta de reflexão sobre os fatos e circunstâncias sociais e os reflexos da proposta. Quase sempre, essas falsas noções da realidade são incentivadas por dois grupos dominantes: políticos que são economicamente interessados no aumento da população carcerária e grupos detentores de uma mídia pautada no sensacionalismo.

 

Opinião dos jovens

Em diversas oportunidades que tive de participar de encontros de grupos da PJE (Pastoral da Juventude Estudantil), pude ouvir o que os adolescentes de ensino fundamental e médio pensam do assunto. Quase sempre, a opinião converge com aquela emitida por grande parte da população: são favoráveis à redução da maioridade penal, baseando suas opiniões na mesma ausência de conhecimento que os demais.

Os próprios adolescentes atingidos por essa proposta nefasta – rechaçada por diversos juristas, entidades, pela Igreja e pela própria Congregação salesiana – são favoráveis às medidas legislativas que irão tolher direitos e causar um descompasso social, agravando as diferenças já existentes entre ricos e pobres, além de impossibilitar a reinserção social dos adolescentes mais marginalizados.

Eu, autor deste artigo, falo com propriedade dessa opinião. Afinal, até meus 15 anos era plenamente favorável à redução. Mal sabia que, anos depois, sustentaria em minha monografia de faculdade, e perante discussões públicas, o caráter pétreo dessa norma constitucional.

 

Reflexão crítica

Ouvindo os adolescentes, percebemos a reprodução de argumentos infundados e a falta de reflexão crítica sobre algo que acabará por mutilar e vilipendiar seus próprios direitos. Que sinais podemos tirar disso?

Embora a redução da maioridade penal seja o mote da discussão, ela tem outro viés. Essa proposta, geralmente, está atrelada a grupos políticos, econômicos e sociais conservadores que acreditam em um Estado policial e violento para resolver os problemas da sociedade. São grupos de qualquer vertente política e religiosa, mas que acreditam que falar em direitos humanos é perda de tempo ou “doutrinação”; que acham que o Papa Francisco está sendo “liberal demais”; que, embora preguem a morte e ressurreição de Jesus, reproduzem Pôncio Pilatos e lavam as mãos para os excluídos da sociedade.

A opinião dos jovens, hoje, está pautada na ausência de reflexão de sua própria realidade. Eles estão perdendo a esperança no futuro. Apoiar propostas como a redução da maioridade penal é aceitar que o futuro não tem solução a não ser a morte; é aceitar que a Vida não triunfou na Ressurreição; é afirmar que Dom Bosco errava ao dizer que “todo jovem tem uma corda acessível ao bem”; é dizer que Ele não veio para que todos tivessem vida em abundância (Jo 10, 10), mas apenas alguns.

 

Ouvir e respeitar

As amarras conservadoras que estão atraindo a atenção dos jovens não são em si mesmas ruins. Afinal, há tanta coisa boa a ser conservada: a memória dos antepassados, as tradições da Igreja, a história de nossa vida, as Palavras da Salvação... ruins são as amarras da indiferença e do egoísmo que aqueles grupos – sociais e políticos – querem perpetuar. O discurso acaba sendo tão tentador que nós, jovens, nos deixamos seduzir.

Isso porque estamos sedentos de mudança. Podemos não saber “o que queremos”, mas sabemos, definitivamente, o que “não queremos”. E é neste vácuo que crescem discursos mal-intencionados, com respostas definitivas para os problemas que nos incomodam. Como alguns dos próprios adolescentes podem querer a redução da maioridade penal? Querem-na não para reduzir seus direitos, mas para “ajudar a solucionar” os problemas da segurança pública (embora estudos na área digam que tais problemas serão piorados).

Cada vez mais vemos “antidiscursos”, “anti-ideias”, “antidiálogos”; vemos apenas ataques às opiniões. Nós, jovens, devemos estar atentos e evitar que sejamos utilizados como meros reprodutores de um discurso pronto. Assim como no caso da redução da maioridade penal, podemos ter uma opinião, mas devemos buscar argumentos de todos os lados para formá-la. Ouvir a voz da experiência e respeitar as opiniões, mesmo que não nos sejam agradáveis. De que maneira? Fazendo aquilo que de melhor fazemos: questionando.

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 24 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve) da Presidência da República e ex-secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE).
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