O “lado B” das Olimpíadas

Sexta, 22 Julho 2016 15:51 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
O “lado B” das Olimpíadas Filipe Frazão - iStock
O Brasil é a sede da XXXI Olimpíada de Verão, a partir de 5 de agosto. É a primeira vez que a América Latina é a sede internacional dos jogos, e a terceira vez que um país do Hemisfério Sul do planeta tem a honra de ser a casa mundial do esporte.

Sediar as Olimpíadas, festa máxima dos jogos da Era moderna, já foi uma grande glória para um país, que conta diuturnamente com a visita de diversos turistas, provenientes dos mais de 205 nações participantes. Muitos são, de fato, os pontos positivos a serem destacados com a realização dos jogos: a oportunidade de prosperidade econômica em diversos setores (comércio, serviços etc.), a criação, ainda que temporária,  de empregos, a melhoria na infraestrutura da cidade-sede, o intercâmbio cultural etc.

Hoje, porém, o que antes era considerada uma grande missão tem se tornado um verdadeiro fardo, político, econômico e social,  que cada vez menos cidadãos estão dispostos a carregar.

Daí vem a analogia com os antigos discos de vinil. Aqueles que chegaram a usar os antigos “bolachões” devem se lembrar que o “lado A” do disco era reservado às melhores músicas, as mais famosas de determinada banda ou cantor. Por sua vez, no “lado B” ficavam as músicas menos conhecidas, ou até mesmo as piores produções do artista.

Muito conhecido, o “lado A” das Olimpíadas é sempre acompanhado de diversos elogios; somos quase que diariamente, desde o anúncio dos Jogos em nossa casa, bombardeados por informações e prospecções positivas sobre sua realização. Acredito que nosso trabalho, agora, é enfrentar a “o lado B” das Olimpíadas.

 

Os gastos públicos

Um estudo publicado pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 2014, estimou que a organização de todos os Jogos Olímpicos custaram, em média, 252% a mais do que o inicialmente previsto. Como exemplo, os Jogos de Londres, em 2012, custaram aos cofres britânicos US$ 18 bilhões de dólares, embora tenha sido previsto um gasto de US$ 6 bilhões.

Pensando no Brasil, que vive hoje profunda crise econômica, acompanhando, na verdade, toda a situação econômica mundial, falar em gastos públicos acima dos previstos é de causar espanto e revolta.

Na tentativa de resgatar a credibilidade perante os investidores internacionais, desde o início do governo provisório, com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, a União anunciou um corte de quase R$ 100 bilhões, incluindo áreas como educação e cultura. A depender dos serviços públicos estatais estão as camadas mais excluídas da sociedade, os pobres. Veja-se que a opção preferencial de nossa Igreja, mais uma vez, será deixada de lado em nome de se reorganizarem as finanças públicas.

Ao mesmo tempo, em nome de organizar uma das maiores competições esportivas do mundo, sustentamos um grande panfleto publicitário internacional para que as empresas e corporações multinacionais divulguem, à custa dos governos e das populações locais, seus produtos e marcas.

Além de serem direcionados a sustentar toda a estrutura dos grandes grupos econômicos, os gastos públicos são, muitas vezes, ampliados para sustentar todo um sistema de exclusão social (ao passo que deveriam ser usados justamente para fazer o contrário!).

Não são as pessoas pobres que vão assistir aos Jogos Olímpicos nos estádios; não é pensando na melhoria do ensino público e da qualidade de vida das pessoas que passamos a ensinar um segundo (ou terceiro) idioma nas escolas públicas.

Com ingressos que chegam a custar R$ 1.200,00, o acesso às competições restringe-se às camadas mais abastadas da sociedade – nacional e internacional. E as pessoas que dependem da educação pública? Estarão lá também, talvez, para vender algum salgadinho, ou limpar as cadeiras do estádio.

 

Maquiagens sociais

O anúncio da realização de Jogos Olímpicos atrai para o país os olhares do mundo todo. São mais de 200 países inscritos nas mais diversas modalidades esportivas; são nações que perpassam por todos os espectros do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indo das mais evoluídas às menos avançadas; são cidadãos de todo o mundo que vêm ao Brasil para torcer e acompanhar as partidas.

Quando falamos no cenário internacional, impressionar os visitantes é sempre uma preocupação, de qualquer instância, de qualquer governo, de qualquer partido. Assim, fazer “parecer” que o país funciona é muito mais importante que fazê-lo, de fato, funcionar. Assim, surgem as maquiagens sociais.

Quando o Papa Francisco esteve no Brasil, em 2013, para a Jornada Mundial da Juventude, também no Rio de Janeiro, pediu aos governantes que não fizessem essas “maquiagens”, ou seja, que deixassem à mostra, dele e do mundo, as mazelas que vivem as camadas mais excluídas de nossa sociedade. Devemos mostrar nossas chagas ao irmão, para que delas possamos cuidar. Mas, claro, isso não foi atendido.

Durante a visita do pontífice à comunidade de Manguinhos, na Zzona Norte do Rio, um dos jovens que discursou ao Papa “dedurou” o Brasil: “Estão escondendo do senhor o que vivemos aqui”, disse. “Desde que anunciaram a sua vinda, o caminhão de lixo começou a passar todo dia na frente da minha casa, as paredes no bairro foram pintadas e os buracos na rua foram tapados. Mas ainda assim tem gente que demora mais de um ano pra conseguir atendimento no posto médico”, relatou.

E não parece que as Olimpíadas trarão um panorama diferente. Curiosamente, um dos bairros mais perigosos da cidade olímpica, o Engenho de Dentro teve o número de assaltos reduzido drasticamente nos últimos meses. O motivo? O (absurdo) reforço das operações policiais. Durante os jogos, 38 mil militares serão deslocados para atender às Olimpíadas. Muitas operações  militares, diga-se de passagem,  são e serão executadas na tentativa de manter a “paz social” para os Jogos. Sem sombra de dúvidas, muitas dessas “operações” serão (são) realizadas nas favelas, nas periferias, tudo isso sob um discurso de “segurança” da população. Oras, segurança de quem e para quem?

Sob um forte estado policial, famílias  continuarão a ter suas liberdades tolhidas para que o Brasil passe a imagem de uma nação segura perante a comunidade internacional e seus visitantes. Mas o cerne da problemática da segurança pública, o “depois”, não nos parece uma preocupação. Será, então, que a preocupação é com a segurança ou apenas com a imagem do país?

“É muito perigoso, e sempre a gente ouve sobre um caso ou outro nesse bairro. E é realmente juntinho do Engenhão. Mas quer apostar? Durante a Olimpíada vai ter até agente do FBI ali dentro. Mas quando tudo acabar... quero só ver”, disse o aposentado Rubens, de 88 anos, em entrevista. É, “seu” Rubens, nós queremos ver também.

 

Por fim

O “lado B” das Olimpíadas merece um olhar crítico de todos nós, independentemente do país-sede dos Jogos.

Façamos uma reflexão, a exemplo do que nos pede o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, sobre a cultura do descartável que temos cultivado nas sociedades modernas: será que as pessoas, os seres humanos diretamente atingidos pela realização das competições, são menos merecedoras do que os próprios Jogos?

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 23 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) e membro da Coordenação da Pastoral Juvenil Nacional da CNBB.

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Última modificação em Segunda, 25 Julho 2016 16:55

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Sexta, 22 Julho 2016 15:51 Escrito por  Iago Rodrigues Ervanovite
O “lado B” das Olimpíadas Filipe Frazão - iStock
O Brasil é a sede da XXXI Olimpíada de Verão, a partir de 5 de agosto. É a primeira vez que a América Latina é a sede internacional dos jogos, e a terceira vez que um país do Hemisfério Sul do planeta tem a honra de ser a casa mundial do esporte.

Sediar as Olimpíadas, festa máxima dos jogos da Era moderna, já foi uma grande glória para um país, que conta diuturnamente com a visita de diversos turistas, provenientes dos mais de 205 nações participantes. Muitos são, de fato, os pontos positivos a serem destacados com a realização dos jogos: a oportunidade de prosperidade econômica em diversos setores (comércio, serviços etc.), a criação, ainda que temporária,  de empregos, a melhoria na infraestrutura da cidade-sede, o intercâmbio cultural etc.

Hoje, porém, o que antes era considerada uma grande missão tem se tornado um verdadeiro fardo, político, econômico e social,  que cada vez menos cidadãos estão dispostos a carregar.

Daí vem a analogia com os antigos discos de vinil. Aqueles que chegaram a usar os antigos “bolachões” devem se lembrar que o “lado A” do disco era reservado às melhores músicas, as mais famosas de determinada banda ou cantor. Por sua vez, no “lado B” ficavam as músicas menos conhecidas, ou até mesmo as piores produções do artista.

Muito conhecido, o “lado A” das Olimpíadas é sempre acompanhado de diversos elogios; somos quase que diariamente, desde o anúncio dos Jogos em nossa casa, bombardeados por informações e prospecções positivas sobre sua realização. Acredito que nosso trabalho, agora, é enfrentar a “o lado B” das Olimpíadas.

 

Os gastos públicos

Um estudo publicado pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 2014, estimou que a organização de todos os Jogos Olímpicos custaram, em média, 252% a mais do que o inicialmente previsto. Como exemplo, os Jogos de Londres, em 2012, custaram aos cofres britânicos US$ 18 bilhões de dólares, embora tenha sido previsto um gasto de US$ 6 bilhões.

Pensando no Brasil, que vive hoje profunda crise econômica, acompanhando, na verdade, toda a situação econômica mundial, falar em gastos públicos acima dos previstos é de causar espanto e revolta.

Na tentativa de resgatar a credibilidade perante os investidores internacionais, desde o início do governo provisório, com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, a União anunciou um corte de quase R$ 100 bilhões, incluindo áreas como educação e cultura. A depender dos serviços públicos estatais estão as camadas mais excluídas da sociedade, os pobres. Veja-se que a opção preferencial de nossa Igreja, mais uma vez, será deixada de lado em nome de se reorganizarem as finanças públicas.

Ao mesmo tempo, em nome de organizar uma das maiores competições esportivas do mundo, sustentamos um grande panfleto publicitário internacional para que as empresas e corporações multinacionais divulguem, à custa dos governos e das populações locais, seus produtos e marcas.

Além de serem direcionados a sustentar toda a estrutura dos grandes grupos econômicos, os gastos públicos são, muitas vezes, ampliados para sustentar todo um sistema de exclusão social (ao passo que deveriam ser usados justamente para fazer o contrário!).

Não são as pessoas pobres que vão assistir aos Jogos Olímpicos nos estádios; não é pensando na melhoria do ensino público e da qualidade de vida das pessoas que passamos a ensinar um segundo (ou terceiro) idioma nas escolas públicas.

Com ingressos que chegam a custar R$ 1.200,00, o acesso às competições restringe-se às camadas mais abastadas da sociedade – nacional e internacional. E as pessoas que dependem da educação pública? Estarão lá também, talvez, para vender algum salgadinho, ou limpar as cadeiras do estádio.

 

Maquiagens sociais

O anúncio da realização de Jogos Olímpicos atrai para o país os olhares do mundo todo. São mais de 200 países inscritos nas mais diversas modalidades esportivas; são nações que perpassam por todos os espectros do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indo das mais evoluídas às menos avançadas; são cidadãos de todo o mundo que vêm ao Brasil para torcer e acompanhar as partidas.

Quando falamos no cenário internacional, impressionar os visitantes é sempre uma preocupação, de qualquer instância, de qualquer governo, de qualquer partido. Assim, fazer “parecer” que o país funciona é muito mais importante que fazê-lo, de fato, funcionar. Assim, surgem as maquiagens sociais.

Quando o Papa Francisco esteve no Brasil, em 2013, para a Jornada Mundial da Juventude, também no Rio de Janeiro, pediu aos governantes que não fizessem essas “maquiagens”, ou seja, que deixassem à mostra, dele e do mundo, as mazelas que vivem as camadas mais excluídas de nossa sociedade. Devemos mostrar nossas chagas ao irmão, para que delas possamos cuidar. Mas, claro, isso não foi atendido.

Durante a visita do pontífice à comunidade de Manguinhos, na Zzona Norte do Rio, um dos jovens que discursou ao Papa “dedurou” o Brasil: “Estão escondendo do senhor o que vivemos aqui”, disse. “Desde que anunciaram a sua vinda, o caminhão de lixo começou a passar todo dia na frente da minha casa, as paredes no bairro foram pintadas e os buracos na rua foram tapados. Mas ainda assim tem gente que demora mais de um ano pra conseguir atendimento no posto médico”, relatou.

E não parece que as Olimpíadas trarão um panorama diferente. Curiosamente, um dos bairros mais perigosos da cidade olímpica, o Engenho de Dentro teve o número de assaltos reduzido drasticamente nos últimos meses. O motivo? O (absurdo) reforço das operações policiais. Durante os jogos, 38 mil militares serão deslocados para atender às Olimpíadas. Muitas operações  militares, diga-se de passagem,  são e serão executadas na tentativa de manter a “paz social” para os Jogos. Sem sombra de dúvidas, muitas dessas “operações” serão (são) realizadas nas favelas, nas periferias, tudo isso sob um discurso de “segurança” da população. Oras, segurança de quem e para quem?

Sob um forte estado policial, famílias  continuarão a ter suas liberdades tolhidas para que o Brasil passe a imagem de uma nação segura perante a comunidade internacional e seus visitantes. Mas o cerne da problemática da segurança pública, o “depois”, não nos parece uma preocupação. Será, então, que a preocupação é com a segurança ou apenas com a imagem do país?

“É muito perigoso, e sempre a gente ouve sobre um caso ou outro nesse bairro. E é realmente juntinho do Engenhão. Mas quer apostar? Durante a Olimpíada vai ter até agente do FBI ali dentro. Mas quando tudo acabar... quero só ver”, disse o aposentado Rubens, de 88 anos, em entrevista. É, “seu” Rubens, nós queremos ver também.

 

Por fim

O “lado B” das Olimpíadas merece um olhar crítico de todos nós, independentemente do país-sede dos Jogos.

Façamos uma reflexão, a exemplo do que nos pede o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, sobre a cultura do descartável que temos cultivado nas sociedades modernas: será que as pessoas, os seres humanos diretamente atingidos pela realização das competições, são menos merecedoras do que os próprios Jogos?

 

Iago Rodrigues Ervanovite, 23 anos, é advogado, formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, secretário nacional da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) e membro da Coordenação da Pastoral Juvenil Nacional da CNBB.

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