A Rede um Grito pela Vida teve seu início na Casa de Encontros das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, em São Paulo, de 2 a 7 de outubro de 2006, contando com a presença de 34 religiosas de 20 Institutos, vindas de 14 estados do País. Esse encontro de formação sobre o tráfico de seres humanos foi preparado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), financiado pela Embaixada dos Estados Unidos junto à Santa Sé, em colaboração com a União Internacional das Superioras Maiores. Irmã Bernadette Sangma, FMA, coordenadora do projeto da UISG,entrou em contato com irmã Maris Bolzan, então presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), solicitando a realização desse evento, que contou com a presença de quatro Filhas de Maria Auxiliadora.
No curso tomamos consciência dessa trágica chaga no cenário mundial, acarretada pelo processo de globalização econômica. O tráfico de seres humanos, que cresce cada vez mais, é uma rede altamente lucrativa que ocupa o terceiro lugar na economia mercadológica do crime organizado, perdendo apenas para os tráficos de drogas e de armas. É uma violação dos direitos humanos, que coisifica principalmente mulheres e crianças. Atinge cerca de 2,5 milhões de vítimas, movimentando aproximadamente 32 bilhões de dólares por ano. Estima-se que 700 mil mulheres e crianças passam todos os anos pelas fronteiras internacionais. Isto sem contabilizar o tráfico interno, que no nosso país é alarmante.
Frente a este clamor, nós, religiosas presentes, fomos desafiadas a encontrar luzes para resgatar de forma criativa a presença solidária e profética da vida religiosa no meio dos pobres como caminho de fidelidade ao Reino; de modo articulado, em rede, em parceria com outros organismos, movimentos e pastorais. Este foi o primeiro passo para a formação da rede intercongregacional que responderia com eficácia à problemática em questão. Saímos com o compromisso de buscar informações,criar grupos de estudo sobre o tema, repassar para nossas Congregações o que vimos e ouvimos, mapear o que existe em nossa realidade local e conhecer instituições que atuam no combate ao tráfico de pessoas. E nós, salesianas na preventividade, vimos ser este o nosso lugar.
Articuladas em Rede
O segundo encontro foi realizado já no ano seguinte, em 28 de março a 1 de abril de 2007, em Salvador, BA. Nesse encontro surge o nome: Rede Um Grito Pela Vida, e um termo de compromisso, que transcrevo na íntegra: “Interpeladas pela realidade gritante do TP e motivadas pelo seguimento de Jesus Cristo e respondendo aos apelos desta desafiante realidade, como Vida Consagrada Inserida, assumimos o compromisso de atuar na erradicação do tráfico de seres humanos articuladas em Rede: socializando informações; partilhando e fortalecendo ações de prevenção; articulando e integrando ações de apoio às vítimas, motivadas pela mística da Vida Consagrada e pelo seguimento de Jesus Cristo na Defesa da Vida”.
Respeitando a intercongregacionalidade, a equipe articuladora não parou mais de pensar na formação, na estrutura e em ações, sempre com os pés no chão da realidade e visão de futuro. Os regionais da CRB foram se organizando... Surgiu um subsídio, um roteiro para os grupos de reflexão e ação; realizou-se uma oficina no Fórum Social Mundial; a Rede marcou presença no Seminário Nacional da Vida Religiosa Inserida e Solidária em Recife; propôs-se a realização da Campanha da Fraternidade sobre o TSH; houve a articulação com outros grupos e organizações e o acompanhamento nos Estados para a formação dos Comitês de Enfrentamento ao TSH, entre outras ações.
Em 2009, criou-se a Rede Internacional da Vida Consagrada Contra o Tráfico de Seres Humanos “Talitakum” - uma rede de redes, que tem a finalidade de articular as forças e iniciativas existentes, otimizar os recursos com que conta a vida religiosa para a prevenção, a proteção/assistência, a sensibilização e a denúncia do trafico de seres humanos em favor de um maior impacto social e político, expressão de profecia conjunta.
Contexto e espiritualidade
Todos os encontros da Rede são marcados profundamente pela temática do tráfico de pessoas no contexto sociopolítico e econômico, mas o ponto alto é sempre o momento da mística e espiritualidade, onde a vida e a Palavra se entrelaçam, nos convidando a sair das beiradas e avançar para águas mais profundas. Nessa perspectiva, em dezembro de 2012 iniciamos o “tecimento” da Rede em Cachoeiro de Itapemirim, e durante o ano de 2013 participamos de diversas ações concretas, para a prevenção dessa prática ilegal.
Em Brasília, de 15 a 17 de novembro, realizou-se o VI encontro da Rede Um Grito pela Vida: éramos mais de 60 religiosas e religiosos, em um evento que ganhou caráter internacional pela participação de outras redes da vida religiosa contra o tráfico de seres humanos na América Latina, América Central e Europa. Nessa ocasião, lançamos umacampanha informativa e preventiva sobre o tráfico de pessoas antes e durante a Copa do Mundo de 2014: “Jogue a Favor da Vida”.
É por isso que entramos de cheio na Campanha da Fraternidade e, à luz da Estreia 2014, “colocamo-nos entre os jovens para salvá-los”, preveni-los da violência institucionalizada, das redes criminosas do tráfico humano, pois as crianças, os adolescentes e jovens são as vítimas em potencial deste negócio ilícito. “Somos chamadas/os a colaborar com Deus na sua missão, respondendo com dedicação, coragem, fidelidade, confiança e atuação com disponibilidade total” (Estreia 2014). Fomos ungidas pelo Batismo, para proclamar a liberdade e colocar-nos em defesa da dignidade humana!Eis-me aqui, Senhor, como discípula e agente de libertação!
Ir. Maria Rita Zampiroli, FMA, integra a comunidade das Irmãs Salesianas em Cachoeiro de Itapemirim, ES (Inspetoria Nossa Senhora da Penha).