Cardeal Bo: “O Papa Francisco tinha um profundo respeito pelos povos da Ásia”

Segunda, 28 Abril 2025 13:42 Escrito por  Deborah Castellano Lubov – Vatican News
Cardeal Bo: “O Papa Francisco tinha um profundo respeito pelos povos da Ásia” Papa Francisco com o cardeal salesiano Charles Bo Foto ©: Vatican Media
Em entrevista concedida após a morte do Papa Francisco, o Cardeal salesiano Charles Maung Bo, Arcebispo de Yangon, Mianmar, descreveu o pontífice falecido como "um pastor amoroso e compassivo", cuja "voz ecoou em nosso coração", cujo "coração compreendeu nossa dor" e cuja presença trouxe alívio. O Cardeal - que exerceu dois mandatos como Presidente da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas -, destaca a "intensa estima" do Papa falecido pelos povos asiáticos e seu "amor" pelo oprimido povo de Mianmar.

 

Cardeal Bo, o Papa Francisco demonstrou constantemente proximidade ao Povo do seu País. O que isso significou?

O Papa Francisco tem sido realmente um profeta das periferias. Ele voltou seu coração e seu olhar para as margens existenciais da humanidade, para aqueles cujos gritos estão submersos no discurso global e cujas lágrimas passam despercebidas ao mundo.

Com esse espírito, sua atenção foi atraída para Mianmar, uma nação sofrida e ferida que tenta sobreviver a várias crises. A despeito de algumas vozes que o desaconselhavam e apesar dos muitos desafios que o aguardavam, o Papa Francisco decidiu nos visitar.

E, ao fazer isso, iluminou o sofrimento de nosso povo. Ele se apaixonou pelo povo de Mianmar, sua paciência, sua coragem e sua notável solidariedade em meio a mui vertiginosas crises. Ele caminhou conosco, não de longe; carregou nossa dor em suas orações, em suas mensagens, em seu coração.

Ele mencionou Mianmar publicamente em mais de nove ocasiões. Ele proferiu palavras genuínas; até celebrou uma S. Missa pela paz em nosso Planeta. Ao agir dessa maneira, ele lembrou ao mundo que o Mianmar é importante; que nossos ferimentos não são invisíveis; que a paz é alcançável.

 

Muitas vezes ele insistiu em nunca deixar que Mianmar fosse esquecido...

Seu apoio inabalável e sua profunda preocupação pessoal pelo sofrimento de nosso povo tocaram inúmeros corações em toda a nossa nação. Mesmo quando a própria natureza se voltou contra nós e o terremoto nos atingiu, o Papa Francisco não recuou. Por meio do Vaticano, foram enviados gestos de cuidado e atos de compaixão, afirmações silenciosas, mas potentes, que fizeram com que nosso povo percebesse que o Santo Padre nunca se esqueceu de nós.

O que torna tudo isso ainda mais comovente para nós é que ele fez tudo isso no final do seu papado, enquanto batalhava contra uma enfermidade. Em seus últimos dias, quando muitos buscariam descanso, persistiu em carregar a cruz do mundo em sofrimento, incluindo Mianmar.

 

Em sua opinião, qual é o legado do Papa Francisco?

O Papa Francisco será lembrado na história como um dos mais extraordinários discípulos de Jesus Cristo, um Papa que aderiu consistentemente ao núcleo radical do Evangelho: a preocupação inabalável de Deus pelos mais vulneráveis, marginalizados, perdidos. Numa época em que muitos sucumbiram à tentação de reduzir a Fé ao conforto e à conformidade, ele teve a coragem de falar com o fervor dos profetas e a ternura do Senhor.

Suas palavras, às vezes chocantes para os poderosos e egoístas, serviram de espelho para um mundo que se tornou insensível à injustiça. Particularmente nas nações ricas, onde o Cristianismo é frequentemente distorcido para justificar privilégios e excluir os pobres, o Papa Francisco colocou o eixo original do Evangelho de volta ao centro: o amor inabalável de Cristo pelos empobrecidos e sua solidariedade divina para com os marginalizados.

Ele não se limitou a falar sobre os pobres, mas caminhava ativamente ao lado deles. Ele não se limitou a defender os oprimidos, mas os acolheu como se fossem seus. Seu papado encarnou uma parábola viva, um testemunho de uma Igreja que não precisa residir em palácios, enquanto o mundo definha do lado de fora de suas portas.

A história não só reconhecerá suas palavras, mas também o profundo alinhamento entre sua vida e a de Jesus. Sua simplicidade, humildade, coragem e compaixão alegre transcenderam qualquer regra. Num mundo cada vez mais frio e infectado pela cultura da indiferença, ele nos lembrou que o coração da Igreja deve pulsar com misericórdia.

O legado do Papa Francisco será o de ter reconduzido a Igreja para as ruas, as periferias e as regiões fragilizadas do mundo, locais onde o Cristo reside. Ele evidenciou que seguir os passos de Jesus implica seguir seus passos, defender os que não têm voz e amar com a generosidade sem limites do Evangelho.

 

Poderíamos dizer que ele deu atenção especial aos povos da Ásia e da Oceania?

O Papa Francisco tinha uma profunda afeição pelo povo da Ásia. Durante uma de suas últimas visitas ao Extremo Oriente, fez uma peregrinação a uma região remota onde a presença católica era praticamente inexistente.

Ele abraçou todos os povos da Ásia e da Oceania; encarnou o papel de um Bom Pastor: Pastor que procura se envolver com aqueles com quem deseja dialogar. Ao reconhecer as Comunidades indígenas como guardiães da Natureza, facilitou muitíssimos intercâmbios culturais.

Este século contém a promessa do retorno de Cristo à Ásia, e o Cristo da Ásia continuará a inspirar o mundo. Ao compreender em profundidade a Ásia e a Igreja asiática, o Papa Francisco vislumbrou um futuro no qual essas duas entidades se entrelaçarão de forma também profunda e transformadora.

 

Vossa Emcia gostaria de dizer uma palavra de conforto ou Fé àqueles que estão de luto pela perda do Papa Francisco?

Nos momentos de intensa dor, há que lembrar da verdade sagrada que o Papa Francisco ensinou: a vida se compõe de relacionamentos. Todo o seu pontificado foi um entrelaçado de relações, baseadas no amor, expressas na solidariedade e vividas com simplicidade. Seus três textos mais relevantes refletem isso de modo mais que eloquente.

Evangelii Gaudium foi, de fato, o seu apelo para restabelecer nossa união com Deus, repleta de graça e felicidade. Fratelli Tutti expôs sua audaciosa perspectiva acerca da fraternidade e amizade recíproca, indo para além das fronteiras e diferenças. Por fim, com a «Laudato Si’», o Papa Francisco lançou seu apelo fervoroso para restabelecer nossa união com a Criação, zelando pela nossa Casa Comum.

Quando existe um vínculo profundo, há também a dor intensa na separação. O nosso luto não é uma fragilidade. É, antes, uma prova da beleza da união que se estabeleceu por entre culturas, nações, corações.

Entretanto, se dermos ouvidos ao silêncio que ele nos deixa, poderíamos quase ouvir o seu suave sussurro: «Não se fiquem muito tempo em sua tristeza. E volte-se para aquilo que realmente importa. Acalmem-se os aflitos. Reanimem-se os humildes. Opere-se a Paz como fruto de Justiça. E, gentis e audazes, criemos o mundo que juntos sonhamos!».

Fonte: Agência Info Salesiana – ANS

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Cardeal Bo: “O Papa Francisco tinha um profundo respeito pelos povos da Ásia”

Segunda, 28 Abril 2025 13:42 Escrito por  Deborah Castellano Lubov – Vatican News
Cardeal Bo: “O Papa Francisco tinha um profundo respeito pelos povos da Ásia” Papa Francisco com o cardeal salesiano Charles Bo Foto ©: Vatican Media
Em entrevista concedida após a morte do Papa Francisco, o Cardeal salesiano Charles Maung Bo, Arcebispo de Yangon, Mianmar, descreveu o pontífice falecido como "um pastor amoroso e compassivo", cuja "voz ecoou em nosso coração", cujo "coração compreendeu nossa dor" e cuja presença trouxe alívio. O Cardeal - que exerceu dois mandatos como Presidente da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas -, destaca a "intensa estima" do Papa falecido pelos povos asiáticos e seu "amor" pelo oprimido povo de Mianmar.

 

Cardeal Bo, o Papa Francisco demonstrou constantemente proximidade ao Povo do seu País. O que isso significou?

O Papa Francisco tem sido realmente um profeta das periferias. Ele voltou seu coração e seu olhar para as margens existenciais da humanidade, para aqueles cujos gritos estão submersos no discurso global e cujas lágrimas passam despercebidas ao mundo.

Com esse espírito, sua atenção foi atraída para Mianmar, uma nação sofrida e ferida que tenta sobreviver a várias crises. A despeito de algumas vozes que o desaconselhavam e apesar dos muitos desafios que o aguardavam, o Papa Francisco decidiu nos visitar.

E, ao fazer isso, iluminou o sofrimento de nosso povo. Ele se apaixonou pelo povo de Mianmar, sua paciência, sua coragem e sua notável solidariedade em meio a mui vertiginosas crises. Ele caminhou conosco, não de longe; carregou nossa dor em suas orações, em suas mensagens, em seu coração.

Ele mencionou Mianmar publicamente em mais de nove ocasiões. Ele proferiu palavras genuínas; até celebrou uma S. Missa pela paz em nosso Planeta. Ao agir dessa maneira, ele lembrou ao mundo que o Mianmar é importante; que nossos ferimentos não são invisíveis; que a paz é alcançável.

 

Muitas vezes ele insistiu em nunca deixar que Mianmar fosse esquecido...

Seu apoio inabalável e sua profunda preocupação pessoal pelo sofrimento de nosso povo tocaram inúmeros corações em toda a nossa nação. Mesmo quando a própria natureza se voltou contra nós e o terremoto nos atingiu, o Papa Francisco não recuou. Por meio do Vaticano, foram enviados gestos de cuidado e atos de compaixão, afirmações silenciosas, mas potentes, que fizeram com que nosso povo percebesse que o Santo Padre nunca se esqueceu de nós.

O que torna tudo isso ainda mais comovente para nós é que ele fez tudo isso no final do seu papado, enquanto batalhava contra uma enfermidade. Em seus últimos dias, quando muitos buscariam descanso, persistiu em carregar a cruz do mundo em sofrimento, incluindo Mianmar.

 

Em sua opinião, qual é o legado do Papa Francisco?

O Papa Francisco será lembrado na história como um dos mais extraordinários discípulos de Jesus Cristo, um Papa que aderiu consistentemente ao núcleo radical do Evangelho: a preocupação inabalável de Deus pelos mais vulneráveis, marginalizados, perdidos. Numa época em que muitos sucumbiram à tentação de reduzir a Fé ao conforto e à conformidade, ele teve a coragem de falar com o fervor dos profetas e a ternura do Senhor.

Suas palavras, às vezes chocantes para os poderosos e egoístas, serviram de espelho para um mundo que se tornou insensível à injustiça. Particularmente nas nações ricas, onde o Cristianismo é frequentemente distorcido para justificar privilégios e excluir os pobres, o Papa Francisco colocou o eixo original do Evangelho de volta ao centro: o amor inabalável de Cristo pelos empobrecidos e sua solidariedade divina para com os marginalizados.

Ele não se limitou a falar sobre os pobres, mas caminhava ativamente ao lado deles. Ele não se limitou a defender os oprimidos, mas os acolheu como se fossem seus. Seu papado encarnou uma parábola viva, um testemunho de uma Igreja que não precisa residir em palácios, enquanto o mundo definha do lado de fora de suas portas.

A história não só reconhecerá suas palavras, mas também o profundo alinhamento entre sua vida e a de Jesus. Sua simplicidade, humildade, coragem e compaixão alegre transcenderam qualquer regra. Num mundo cada vez mais frio e infectado pela cultura da indiferença, ele nos lembrou que o coração da Igreja deve pulsar com misericórdia.

O legado do Papa Francisco será o de ter reconduzido a Igreja para as ruas, as periferias e as regiões fragilizadas do mundo, locais onde o Cristo reside. Ele evidenciou que seguir os passos de Jesus implica seguir seus passos, defender os que não têm voz e amar com a generosidade sem limites do Evangelho.

 

Poderíamos dizer que ele deu atenção especial aos povos da Ásia e da Oceania?

O Papa Francisco tinha uma profunda afeição pelo povo da Ásia. Durante uma de suas últimas visitas ao Extremo Oriente, fez uma peregrinação a uma região remota onde a presença católica era praticamente inexistente.

Ele abraçou todos os povos da Ásia e da Oceania; encarnou o papel de um Bom Pastor: Pastor que procura se envolver com aqueles com quem deseja dialogar. Ao reconhecer as Comunidades indígenas como guardiães da Natureza, facilitou muitíssimos intercâmbios culturais.

Este século contém a promessa do retorno de Cristo à Ásia, e o Cristo da Ásia continuará a inspirar o mundo. Ao compreender em profundidade a Ásia e a Igreja asiática, o Papa Francisco vislumbrou um futuro no qual essas duas entidades se entrelaçarão de forma também profunda e transformadora.

 

Vossa Emcia gostaria de dizer uma palavra de conforto ou Fé àqueles que estão de luto pela perda do Papa Francisco?

Nos momentos de intensa dor, há que lembrar da verdade sagrada que o Papa Francisco ensinou: a vida se compõe de relacionamentos. Todo o seu pontificado foi um entrelaçado de relações, baseadas no amor, expressas na solidariedade e vividas com simplicidade. Seus três textos mais relevantes refletem isso de modo mais que eloquente.

Evangelii Gaudium foi, de fato, o seu apelo para restabelecer nossa união com Deus, repleta de graça e felicidade. Fratelli Tutti expôs sua audaciosa perspectiva acerca da fraternidade e amizade recíproca, indo para além das fronteiras e diferenças. Por fim, com a «Laudato Si’», o Papa Francisco lançou seu apelo fervoroso para restabelecer nossa união com a Criação, zelando pela nossa Casa Comum.

Quando existe um vínculo profundo, há também a dor intensa na separação. O nosso luto não é uma fragilidade. É, antes, uma prova da beleza da união que se estabeleceu por entre culturas, nações, corações.

Entretanto, se dermos ouvidos ao silêncio que ele nos deixa, poderíamos quase ouvir o seu suave sussurro: «Não se fiquem muito tempo em sua tristeza. E volte-se para aquilo que realmente importa. Acalmem-se os aflitos. Reanimem-se os humildes. Opere-se a Paz como fruto de Justiça. E, gentis e audazes, criemos o mundo que juntos sonhamos!».

Fonte: Agência Info Salesiana – ANS

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