Nos últimos anos tem se expandido a ideia de que a generosidade deve fazer parte da raiz da sociedade. Promovida pela organização internacional Giving Tuesday, cuja versão brasileira é o Dia de Doar, o conceito de “generosidade radical” defende que não é possível existir justiça no mundo sem que a generosidade esteja presente na vida das pessoas.
Há muitas maneiras de expressar o que se entende como generosidade. Uma delas é pela gentileza, o trato cordial de uma pessoa com outra no dia a dia. No Brasil, um exemplo singelo disso é o motorista que para na faixa de pedestre para que as pessoas possam passar, principalmente em localidades onde isso não é uma prática cotidiana, ainda que seja lei federal.
Outra forma é a doação. Doar é renunciar a algo que se tem em benefício de terceiro, que pode ser tanto um indivíduo, como uma comunidade ou uma organização.
A doação faz parte da humanidade. Esteve presente em inúmeros momentos da nossa história, como na Grécia Antiga, relatada pelos filósofos da época, ou no Renascimento, com a patronagem que os mais ricos faziam de artistas e intelectuais.
Pode-se doar qualquer patrimônio que se tenha: intelectual, quando dedicamos nosso conhecimento em benefício de terceiros; temporal, quando o que disponibilizamos é nosso tempo; ou econômico, quando a doação que realizamos é de bens, produtos ou dinheiro, sempre buscando fazer a diferença na vida das pessoas.
Generosidade do brasileiro
A população brasileira é bastante generosa, o que é reforçado pelos poucos trabalhos realizados no país sobre o tema. O mais recente e mais completo estudo é o Doação Brasil, do Instituto do Desenvolvimento do Investimento Social – IDIS, divulgado em 2021 com dados de 2020.
A pesquisa identificou que 66% da população brasileira tinha realizado pelo menos uma doação em 2020, o ano em que estourou a pandemia da Covid-19. De cada dez brasileiros, quatro tinham doado dinheiro, cujo volume total somou 10 bilhões e 300 milhões de reais nesse mesmo ano.
Ainda durante a pandemia, o levantamento realizado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), chamado Monitor das Doações Covid-19, identificou mais de 7 bilhões de reais em doações realizadas para combater os efeitos da pandemia. Esse valor, que em grande medida teve origem nas empresas, foi a maior mobilização de recursos financeiros para uma única causa já realizada no país, incluindo mais de 1 milhão de pessoas que doaram on-line.
Motivos para doar
Mas por que as pessoas doam? O que as faz serem generosas?
As pesquisadoras René Bekkers e Pamala Wiepking realizaram, em 2012, uma ampla revisão de literatura sobre os motivos das doações, e encontraram oito mecanismos que, segundo elas, mais levam as pessoas a doar:
- Percepção da necessidade: a consciência de uma determinada necessidade que requer a ajuda das pessoas, como catástrofes e emergências.
- O pedido: 85% de todas as doações são realizadas após a pessoa receber um pedido de um terceiro.
- Custos e benefícios: a facilidade de se realizar uma doação, os custos de fazê-la e os benefícios inerentes à doação.
- Altruísmo: o sentimento de quem está verdadeiramente preocupado com a causa e doa sem esperar nada em troca.
- Reputação: a expectativa que as pessoas têm da repercussão social que a sua contribuição vai trazer, melhorando sua imagem dentro da comunidade.
- Benefícios psicológicos: os benefícios psicológicos que impactam quem doa, como o prazer de realizar uma doação.
- Valores: as crenças e os valores que as pessoas têm e que são representados pelas organizações e causas para as quais doam.
- Eficácia: doações realizadas com o objetivo de impacto real e efetivo nas causas apoiadas.
Os oito mecanismos são importantes e coexistem na sociedade e nas pessoas. Assim, não devem ser considerados isoladamente, mas entendidos como um conjunto de motivos que influencia cada pessoa a realizar a sua própria doação.
Impactos sociais
E qual é o impacto da doação para quem a recebe?
Junto com o Estado e as empresas, a sociedade civil organizada compõe o que chamamos de os três setores de um país democrático. Destes, as organizações sem fins lucrativos, que fazem parte da sociedade civil, muitas vezes são chamadas também de Terceiro Setor.
De forma geral, o Estado se financia com recursos dos impostos e taxas; e as empresas, com a venda de produtos ou prestação de serviços. Já as organizações do Terceiro Setor contam também com as doações para alavancar suas atividades e viabilizar o seu impacto.
Uma organização que é financiada por doações (somadas a outras possíveis fontes de recursos) tem mais representatividade junto à sociedade, pois vem da própria sociedade a sua independência financeira. E isso não tem preço.
A doação é uma poderosa ferramenta de transformação social. Ela expressa a generosidade das pessoas e faz o bem para a sociedade. Para quem a recebe, a doação proporciona liberdade e capacidade de gerar impacto.
Para um mundo mais solidário, mais humano e fraterno, o quanto mais promovermos a doação, melhor.
João Paulo Vergueiro é diretor para a América Latina e Caribe da organização GivingTuesday e professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).