Neste primeiro artigo focalizo como as artes e os jogos desempenharam um papel decisivo e importante na educação de João Bosco enquanto menino e jovem.
Visto que a arte e os jogos foram importantes para o comunicador Dom Bosco, acredito que eles ainda continuam a desempenhar um papel central na vida dos jovens através da mídia digital e das redes sociais.
Vamos descobrir juntos quando e como foi que Dom Bosco começou a envolver-se em artes e jogos e como desenvolveu as suas capacidades de comunicação.
Chave necessária para nos ajudar a responder a esse quesito é voltar à sua infância e adolescência. As suas capacidades de comunicação enraízam-se nas artes, jogos e relações humanas que desenvolveu como menino e rapaz em sua cidade natal, Castelnuovo d'Asti, Turim, Itália.
João Bosco cresceu tendo ao lado, como guia e mentora, sua própria mãe, Margarida. Preparou-o com amor, cuidado e fé profunda para expressar-se plenamente e a dar tudo o que tinha, para gerir sua vida e crescer artística e espiritualmente como ser humano. Portanto, a formação do comunicador Dom Bosco se desenvolve em um ambiente educativo, artístico e religioso.
Gostaria de sublinhar primeiramente como as artes e os relacionamentos da infância contribuíram de modo notável para o desenvolvimento das capacidades de comunicação de João Bosco.
Na história da sua vida representada pelas Memórias do Oratório, Dom Bosco descreve, de modo muito simples e transparente, o que gostava de fazer e como desenvolvia - prodigiosamente – tanto as suas habilidades no campo da mágica, música, jogo, teatro, alfaiataria, quanto as suas capacidades nas relações sociais e de liderança entre os seus amigos.
Ele refere com simplicidade quanto gostava da música, e qual fosse o seu talento no canto!
E visto que minha voz me ajudava bastante – refere – ele (João Roberto, alfaiate e diletante de música vocal) ensinou-me gregoriano e canto. Em poucos meses consegui subir ao coro da igreja e executar com ele trechos de música sacra (Memórias do Oratório, p. 49).
A arte musical e do espetáculo é uma verdadeira escola: nela a pessoa se abre e inicia um caminho interior de autoconhecimento e expressão dos seus talentos e habilidades. Já pelos 15 anos, João Bosco respondia, através da música, ao seu grande desejo de se exprimir, de seguir a voz do seu coração, de dar espaço à sua imaginação e criatividade.
Confrontado com a necessidade de aprender música, ele percebeu a importância da disciplina: cantar pedia empenho, tal como aprender a tocar piano. Ele começou a entender que as coisas se dão gradualmente, que a aprendizagem de algo novo é um encontro entre paixão interior e disciplina, intuição e regras, talento e muita dedicação e treinamento.
Essa implícita tomada de consciência educativa foi importante para João Bosco. Foi então que ele começou a aprender que tudo na vida exige talento, criatividade, empenho e perseverança.
Além de música, ele fala de sua habilidade nos jogos. É interessante notar como ele diz que música, jogos, mágica, teatro fossem todas coisas que fazia em meio aos seus estudos. Diz ele:
Além dos meus estudos e variados entretenimentos, como cantar, tocar, declamar e representar, eu quis aprender também alguns outros jogos. Baralho, cartas, ‘pallotole’, ‘piastrelle’, ‘stampelle’, saltos, corridas, eram todos divertimentos apreciadíssimos, nos quais, se não era famoso, certamente não era medíocre (MO, p. 66).
A dedicação e o grande interesse de Dom Bosco pelos jogos demonstram a existência de algo muito maior do que as suas capacidades e o seu jeito de educar.
Escrevendo sobre a importância dos jogos em João Bosco, o padre Arthur J. Lenti, SDB, (2014) afirma:
Dom Bosco reconhecia a utilidade do jogo não só para o lazer, mas também para o desenvolvimento integral do jovem. Para ele, educar significava ajudar o jovem a amadurecer. O jogo é uma atividade necessária para que os jovens atinjam a maturidade. (Don Bosco, Storia e Spirito, vol 2, p. 99).
Ao aprender música, representar, cantar e tocar, João Bosco aprendeu também a expressar-se livre e autenticamente. Ao expor-se ao desconhecido da música e aos riscos do jogo, da corrida, do salto, adquiriu um sentido interior realista e forte de quanto podia ou não podia fazer. João Bosco desenvolveu uma tal sensibilidade que o levava a dar o melhor de si quando se tratasse de alcançar qualquer que fosse o objetivo, motivando-o a continuar a aprender mais, a ser melhor.
Todas as artes - música, teatro, canto - exigem que a pessoa revele o seu verdadeiro ser, especialmente quando se trata de exibir-se em público. São ocasiões de avaliação, apreciação, crítica, elogios. As artes não permitem espaço à dissimulação ou à revelação de algo que não seja verdadeiro. Se alguém disser que sabe tocar um instrumento, deve ser capaz de o fazer, mostrar que sabe o que está fazendo. Realmente, as artes revelam a pessoa e seus dotes verdadeiros.
As artes requerem um empenho integral da pessoa, como por exemplo a motivação, a dedicação, o foco, a perseverança e muita prática.
Para aprender música, por exemplo, é preciso seguir as regras, a 'matemática', da música; a lógica dos jogos; os passos que todas as artes e desportos exigem.
Através das artes e dos jogos, os indivíduos expressam a sua imaginação criativa. As capacidades artísticas de Dom Bosco revelam muito da sua capacidade de comunicar. Pietro Broccardo (2005) diz a este respeito:
"Em Dom Bosco podem-se destacar audácia, coragem e imaginação criativa" (‘Dom Bosco profundamente homem, profundamente santo’, p. 7).
Ao desenvolver a um só tempo inspiração e fértil imaginação, disciplina e regras das várias artes, João Bosco empreendeu um caminho valioso para se desenvolver em outras áreas, quais o estudo e as relações humanas.
Quando passa a descrever as numerosas habilidades já adquiridas aos seus 11 anos, João Bosco revela uma importante motivação para a prática da música, das artes e dos jogos:
Há nos Becchi um prado, no qual havia então algumas árvores, das quais ainda subsiste uma pereira (‘pero martinello’) que me era de grande ajuda: a ela eu prendia uma corda que esticava até uma outra a certa distância. Punha depois uma mesinha com uma bolsa, e também um tapete no chão, para nele eu executar meus pulos. Quando tudo estava pronto e todos estavam ansiosos por admirar alguma novidade, eu os convidava a rezar o terço, depois do que se cantava uma loa sacra (MO, p. 39).
Estas atividades artísticas e jogos vivenciados intensamente por João Bosco o revela uma pessoa extrovertida e profundamente criativa. Gostava muito de chegar-se às pessoas, conhecê-las, relacionar-se com elas. As artes e os jogos tornaram-se assim para ele modos importantes com que fascinava audiências e educava seus amigos.
No início da vida começou a compreender a importância da linguagem para comunicar a mensagem cristã. As artes tornaram-se uma linguagem para ele, e os jogos, um método de comunicação. A interação virou um modo de partilhar e ensinar coisas boas para os seus colegas. Podemos afirmar que foi o relacionamento interpessoal que acabou por desempenhar um papel fundamental na comunicação de Dom Bosco.
Além disso, ao cultivar relacionamentos com seus amigos, cresceu no sentido de se conhecer a si mesmo e aos outros. Aprendeu a lidar com as opiniões dos outros; a persuadir e a saber guiar com sentido de autoconsciência; a tomar iniciativas e a aprender com os seus próprios erros; a apreciar as coisas e a gostar do só fato de estar junto com os outros.
Ao envolver-se nas artes e relacionamentos, João Bosco começou desde menino a jogar com as palavras, dando-lhes um significado, relacionando as palavras com seus símbolos, desenvolvendo habilidades linguísticas, ligando emoções com as palavras, exprimindo a sua imaginação através de atividades artísticas, pondo em movimento suas ideias e pensamentos, ganhando coragem para se relacionar com os outros e até mesmo correndo riscos para desempenhar bem o que quer que fizesse artisticamente. Ao dar esses passos, o jovem João Bosco empreendeu a longa viagem que o levou a ser um comunicador original, criativo e autêntico.
Dom Bosco aprendeu a comunicar por meio das artes e dos jogos. Muito cedo entendeu que a linguagem é a chave para comunicar. Pôs coração em suas palavras, experienciando em tudo que fazia, beleza e alegria. Tinha a visão de um mistério divino que o guiava: era isto que o inspirava no seu caminho de educador e comunicador dos jovens.
Na realidade digital e virtual dos nossos tempos, estes aspectos são essenciais. E os jovens sabem disso.
Fonte: Padre Gildásio Mendes dos Santos