Ação social no pós-COVID-19

Quarta, 08 Julho 2020 14:06 Escrito por  Pe. Agnaldo Soares Lima, SDB
Ação social no pós-COVID-19 Centro Educacional Dom Bosco
O marco da aflição da humanidade no ano de 2020 será, por certo, o COVID-19. Uma situação dura e marcante, que tem levado, constantemente, à afirmação de que sairemos melhores da pandemia do coronavírus.  

Há, contudo, que se observar sobre o que verdadeiramente pode ocorrer. Numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (26/04/2020 p. B10) o filósofo, educador e escritor Mario Sergio Cortella afirmou: “Pandemia não vai converter a humanidade à solidariedade”. Uma afirmação para se pensar e constatar.

 

As organizações sociais já estão acostumadas a atuar nas realidades de grande pobreza fazendo da solidariedade sua missão e o sentido do próprio existir. Para tais instituições, dentre as quais a Rede Salesiana Brasil de Ação Social, com mais de 100 obras e presenças em todo o Brasil e trabalhando com os que estão à margem da sociedade, não há dúvidas ou incertezas quanto ao compromisso a ser mantido.

 

A pergunta, que vai colocada, diz respeito às lições a serem aprendidas para um mais efetivo e eficaz serviço àqueles que se tornaram vítimas ainda maiores e mais sofridas nos tempos de COVID-19, em especial as crianças e os adolescentes, distantes das escolas e dos projetos sociais, e ainda mais expostos às fragilidades de suas famílias e de suas comunidades. A vacina contra o coronavírus há de chegar e nos tornar mais imunes a ele, mas como nos prevenirmos quanto a uma nova ou outras formas de “pandemia”, uma vez que agora sabemos que elas existem e podem ocorrer?

 

Outros horizontes

O isolamento social, exigido como cuidado necessário e de proteção contra a ação contagiosa e mortal do vírus, fez emergir algumas situações que devem nos ajudar a refletir sobre a importância, mas também sobre as características do trabalho social. Cuidados básicos de higiene, de distanciamento, de uso de máscaras etc., com certeza passarão a integrar também as rotinas dos espaços de ação social. Haverá, porém, a necessidade de buscar horizontes mais distantes.

 

Há que se pensar em algumas questões específicas, como: a desqualificação ainda maior nas condições do ensino público e da escolarização, e a necessidade de motivar a permanência de crianças e adolescentes na escola; os agravamentos nos dramas familiares, vividos com um substancial aumento da intolerância dentro das casas, da violência e dos abusos cometidos contra as crianças no seio do lar e a exigência de novos mecanismos de pacificação, cuidado e proteção. Situações dramáticas e marcas profundas que vão exigir renovados esforços para retomar o caminho e envidar a superação de dramas potencializados. Esses serão novos problemas acrescidos aos anteriores, já presentes quando o isolamento interrompeu as diferentes ações sociais então desenvolvidas.

 

Pode-se afirmar que o tão aguardado desafio de retomar as atividades, de poder acolher novamente crianças, adolescentes, jovens e suas famílias, virá ampliado, seja pelas situações que se agravaram nas condições de vida desses destinatários, seja pelas dificuldades financeiras que se refletem também nas obras e projetos sociais. Os impactos financeiros e sociais da pandemia alcançam, de igual forma, os espaços onde a solidariedade é vivida cotidianamente nos cuidados ofertados para os que padecem as difíceis condições socioeconômicas, presentes na vida de uma significativa parcela da população brasileira.

 

Cidadania e responsabilidade

Segundo o Prof. Cortella, acreditar que a humanidade irá se tornar mais solidária é muito mais um desejo que se tem, do que um fato a acontecer. Passado o momento traumático, segundo ele há uma tendência de que tudo volte ao normal, caia na rotina e não venha a almejada transformação da sociedade. Se essa for de fato a realidade que nos aguarda, esforços ainda maiores serão demandados aos que labutam na esfera social e maiores serão as exigências tanto na dimensão educativa, como naquela da sustentação financeira dos programas e projetos.

 

Sob o viés educacional, há que se ajudar a sociedade e cada cidadão, a perceberem suas responsabilidades nos problemas subjacentes e emersos na forma de vírus: concentração de riquezas nas mãos de poucos e miséria gerando vida precária para uma multidão com baixas condições de higiene, de alimentação, vivendo em moradias insalubres; serviços precários de saúde que impossibilitam cuidados básicos, medidas de prevenção e oportunidade de vida saudável; descarte irregular do lixo nas cidades concorrendo com situações mais graves como a poluição dos rios e os desmatamentos; na dimensão humana  e interpessoal, a crescente intolerância, que gera conflitos dentro das famílias e no tecido social, afetando o psicológico das pessoas, tornando-as patologicamente mais vulneráveis e menos imunes a doenças que depois afetam o corpo.

 

Nos novos tempos que se esperam, já não será suficiente às instituições sociais cuidar bem dos seus assistidos. Será necessário formar e preparar cada um deles como verdadeiros agentes de transformação, capazes de tornarem-se “sal, fermento e luz” na construção de uma nova sociedade. Fortalecê-los em suas capacidades e competências para viverem e agirem pautados no respeito, na honestidade, na solidariedade, na justiça, na superação de toda forma de preconceito e discriminação, na tolerância, na capacidade de vencer a indiferença e sensíveis o bastante para compreender que só um amor-cuidado, de uns para com os outros, poderá mudar os alicerces do mundo e fazer emergir novos horizontes e novas esperanças.

 

Compromisso de apoio e solidariedade

Papa Francisco já nos alertou e nos indicou o caminho: “Se agirmos como um só povo, mesmo diante de outras epidemias que nos assombram, nós podemos causar um impacto real. [...] A globalização da indiferença continuará ameaçando e tentando nosso caminhar ... Oxalá nos encontre com os anticorpos necessários da justiça, da caridade e da solidariedade. Não tenhamos medo de viver a alternativa da civilização do amor [...]”.

 

Se esse é o desafio para as instituições engajadas nos trabalhos sociais, o apelo para todo cristão consciente e todo cidadão do bem é assegurar um compromisso de apoio e solidariedade com os que atuam nas linhas de frente. As instituições salesianas fazem o bem para mais de 80 mil crianças e jovens carentes, mas sabemos que há muitos e muitos mais, que precisam ser alcançados.

 

Sempre na escuta do Papa Francisco, há que se recordar sua mensagem do último Domingo da Misericórdia: “A misericórdia não abandona quem fica para trás. Agora, enquanto pensamos numa recuperação lenta e fadigosa da pandemia, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer quem ficou para trás. O risco é que nos atinja um vírus ainda pior: o da indiferença egoísta. Transmite-se a partir da ideia de que a vida melhora se vai melhor para mim, que tudo correrá bem se correr bem para mim. Começando daqui, chega-se a selecionar as pessoas, a descartar os pobres, a imolar no altar do progresso quem fica para trás. Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças nem fronteiras entre aqueles que sofrem. Somos todos frágeis, todos iguais, todos preciosos. [...] é tempo de remover as desigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde da humanidade inteira!”.

 

Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).

 

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Quarta, 08 Julho 2020 14:06 Escrito por  Pe. Agnaldo Soares Lima, SDB
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O marco da aflição da humanidade no ano de 2020 será, por certo, o COVID-19. Uma situação dura e marcante, que tem levado, constantemente, à afirmação de que sairemos melhores da pandemia do coronavírus.  

Há, contudo, que se observar sobre o que verdadeiramente pode ocorrer. Numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (26/04/2020 p. B10) o filósofo, educador e escritor Mario Sergio Cortella afirmou: “Pandemia não vai converter a humanidade à solidariedade”. Uma afirmação para se pensar e constatar.

 

As organizações sociais já estão acostumadas a atuar nas realidades de grande pobreza fazendo da solidariedade sua missão e o sentido do próprio existir. Para tais instituições, dentre as quais a Rede Salesiana Brasil de Ação Social, com mais de 100 obras e presenças em todo o Brasil e trabalhando com os que estão à margem da sociedade, não há dúvidas ou incertezas quanto ao compromisso a ser mantido.

 

A pergunta, que vai colocada, diz respeito às lições a serem aprendidas para um mais efetivo e eficaz serviço àqueles que se tornaram vítimas ainda maiores e mais sofridas nos tempos de COVID-19, em especial as crianças e os adolescentes, distantes das escolas e dos projetos sociais, e ainda mais expostos às fragilidades de suas famílias e de suas comunidades. A vacina contra o coronavírus há de chegar e nos tornar mais imunes a ele, mas como nos prevenirmos quanto a uma nova ou outras formas de “pandemia”, uma vez que agora sabemos que elas existem e podem ocorrer?

 

Outros horizontes

O isolamento social, exigido como cuidado necessário e de proteção contra a ação contagiosa e mortal do vírus, fez emergir algumas situações que devem nos ajudar a refletir sobre a importância, mas também sobre as características do trabalho social. Cuidados básicos de higiene, de distanciamento, de uso de máscaras etc., com certeza passarão a integrar também as rotinas dos espaços de ação social. Haverá, porém, a necessidade de buscar horizontes mais distantes.

 

Há que se pensar em algumas questões específicas, como: a desqualificação ainda maior nas condições do ensino público e da escolarização, e a necessidade de motivar a permanência de crianças e adolescentes na escola; os agravamentos nos dramas familiares, vividos com um substancial aumento da intolerância dentro das casas, da violência e dos abusos cometidos contra as crianças no seio do lar e a exigência de novos mecanismos de pacificação, cuidado e proteção. Situações dramáticas e marcas profundas que vão exigir renovados esforços para retomar o caminho e envidar a superação de dramas potencializados. Esses serão novos problemas acrescidos aos anteriores, já presentes quando o isolamento interrompeu as diferentes ações sociais então desenvolvidas.

 

Pode-se afirmar que o tão aguardado desafio de retomar as atividades, de poder acolher novamente crianças, adolescentes, jovens e suas famílias, virá ampliado, seja pelas situações que se agravaram nas condições de vida desses destinatários, seja pelas dificuldades financeiras que se refletem também nas obras e projetos sociais. Os impactos financeiros e sociais da pandemia alcançam, de igual forma, os espaços onde a solidariedade é vivida cotidianamente nos cuidados ofertados para os que padecem as difíceis condições socioeconômicas, presentes na vida de uma significativa parcela da população brasileira.

 

Cidadania e responsabilidade

Segundo o Prof. Cortella, acreditar que a humanidade irá se tornar mais solidária é muito mais um desejo que se tem, do que um fato a acontecer. Passado o momento traumático, segundo ele há uma tendência de que tudo volte ao normal, caia na rotina e não venha a almejada transformação da sociedade. Se essa for de fato a realidade que nos aguarda, esforços ainda maiores serão demandados aos que labutam na esfera social e maiores serão as exigências tanto na dimensão educativa, como naquela da sustentação financeira dos programas e projetos.

 

Sob o viés educacional, há que se ajudar a sociedade e cada cidadão, a perceberem suas responsabilidades nos problemas subjacentes e emersos na forma de vírus: concentração de riquezas nas mãos de poucos e miséria gerando vida precária para uma multidão com baixas condições de higiene, de alimentação, vivendo em moradias insalubres; serviços precários de saúde que impossibilitam cuidados básicos, medidas de prevenção e oportunidade de vida saudável; descarte irregular do lixo nas cidades concorrendo com situações mais graves como a poluição dos rios e os desmatamentos; na dimensão humana  e interpessoal, a crescente intolerância, que gera conflitos dentro das famílias e no tecido social, afetando o psicológico das pessoas, tornando-as patologicamente mais vulneráveis e menos imunes a doenças que depois afetam o corpo.

 

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Sempre na escuta do Papa Francisco, há que se recordar sua mensagem do último Domingo da Misericórdia: “A misericórdia não abandona quem fica para trás. Agora, enquanto pensamos numa recuperação lenta e fadigosa da pandemia, é precisamente este perigo que se insinua: esquecer quem ficou para trás. O risco é que nos atinja um vírus ainda pior: o da indiferença egoísta. Transmite-se a partir da ideia de que a vida melhora se vai melhor para mim, que tudo correrá bem se correr bem para mim. Começando daqui, chega-se a selecionar as pessoas, a descartar os pobres, a imolar no altar do progresso quem fica para trás. Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças nem fronteiras entre aqueles que sofrem. Somos todos frágeis, todos iguais, todos preciosos. [...] é tempo de remover as desigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde da humanidade inteira!”.

 

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