De Deus Pai originou-se o Filho e prossegue o Espírito Santo; de Deus Pai, além disso, o mundo teve início; finalmente, de Deus Pai, que nos idealizou e desejou por toda a eternidade, brota a fonte de onde deriva a nossa existência e provém o dom da graça, que nos torna filhos e nos introduz a uma relação de familiaridade com Ele. Mas pela força deste mesmo fluxo vital, tudo está destinado a retornar a Deus Pai. Neste ponto nasce uma interrogação: na nossa condição de criatura, não é audácia, que se aproximaria da irresponsabilidade, invocar a Deus como Pai, como fez Jesus? Seria irresponsabilidade se Deus Pai não tivesse tornado possível o que é humanamente imposível e Jesus não houvesse deixado aos discípulos o Pai Nosso como preceito!
Quando Jesus fala aos discípulos sobre o Pai, distingue entre “Meu Pai” (Mc 7,21) e “Vosso Pai” (Mt 5,45), “Meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17) para esclarecer que as relações Dele e dos discípulos com o Deus Pai são distintas e correspondentes. Distintas, porque Jesus também pela sua condição de Verbo encarnado continua a ser o “Filho predileto” de Deus Pai (Mt 9,7) e de maneira única “imagem de Deus invisível” (Col 1, 15). Correspondentes, porque Deus Pai quis estender também a nós, pela participação, a reciprocidade do conhecimento acompanhada da reciprocidade de amor no Espírito Santo que existe naturalmente entre Ele e o Filho: “Ninguém conhece o Filho senão pelo Pai e ninguém conhece o Pai senão pelo Filho, aquele a quem o Filho deseja revelar” (Mt 11,27). A nossa participação nesta divina reciprocidade é atestada pelo próprio Jesus com estas palavras: “Se alguém me ama, observará a minha palavra e meu Pai o amará e nós viremos a ele e estabeleceremos morada ao redor dele” (Jo 14,23).
Deus Pai nos tornou filhos “no Seu Filho”!
São Paulo nas suas cartas evoca 32 vezes a paternidade de Deus para as criaturas humanas, 8 vezes aquela relativa a Jesus Cristo e 13 vezes atribui aos homens o título de filhos de Deus. Escreve na carta aos Gálatas (3, 26-27): “Todos de fato são filhos de Deus por meio da fé em Jesus Cristo: na verdade todos que forem batizados em Cristo se revestem de Cristo”. E acrescenta “Que vós sois filhos é comprovado pelo fato que Deus mandou aos nossos corações o Espírito do Seu Filho que grita: Abbà, Pai! Então não és mais escravo, mas filho: e se és filho, és também herdeiro pela vontade de Deus” (Gl 4, 4-7). Mediante o batismo e o dom do Espírito Santo, Deus Pai nos tornou filhos no “Seu Filho”, introduzindo-nos naquela reciprocidade de conhecimento e de amor que intercorre entre Ele e o Filho. Quando recitamos o Pai Nosso, devemos estar conscientes de que, se o fazemos guiados pelo Espírito Santo e iluminados pela sabedoria do Evangelho, podemos nos aproximar de Deus e invocá-lo como Pai com a confiança e ternura com a qual o próprio Jesus, duran- te sua vida terrena, diri-gia-se a Ele, retirando-se à noite na montanha para orar (Lc 6,12).
Nosso
Os pedidos da segunda parte do Pai Nosso são um convite a orar em conjunto, especialmente aquele pelo perdão dos pecados. Deus Pai não aceita discriminação. Ele oferece a salvação a todos os homens. Não se pode, então, monopolizar a oração do Pai Nosso com a pretensão de alcançar Deus sozinho. Deus é o Pai de todos. Ele faz “surgir o seu sol sobre os maus e sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5, 45). E uma vez que a sua paternidade é universal deseja que a oração dos seus filhos se empenhe em criar fraternidade e promover solidariedade, em toda parte. Orar em conjunto é comprometedor. Nos é solicitado que abandonemos o que é somente nosso, o que nos separa, para entrar na comunidade dos outros filhos de Deus, para abrir-nos à humanidade. O Pai Nosso, então, é “uma oração muito pessoal e plenamente eclesial”. Ao recitá-lo, devemos colocar toda a nossa boa vontade, unir-nos a Cristo para em seguida orar “em comunhão com toda a família de Deus, com os vivos e com os mortos, com os homens de toda a classe social, de toda cultura, de toda raça” (Bento XVI).
Que estás nos céus
Esta expressão se encontra somente na redação de Mateus. É uma metáfora que pode significar muitas coisas. Ela exprime a transcendência e a invisibilidade de Deus, a sua liberdade e a sua alteridade sobre todas as outras criaturas, a sua força e soberania sobre a criação, que se manifestam mais como um dom do que como exercício de poder. Deus, embora pareça distante de suas criaturas, cuida de cada um de nós, é presente em nós. Ele é o Deus da aliança, que nos deu o dom do seu Filho para tornar-nos participantes da vida divina. A consciência de sermos amados por Ele e de poder invocá-lo como Pai é motivo de alegria, consolo e confiança na sua providência. Saber que o Pai celeste se preocupa também com a nossa vida cotidiana e nos pede hospitalidade para fazer em nós sua morada, deve suscitar em nosso coração espanto, reconhecimento, louvor e agradecimento.
A qualificação de Deus Pai, revelada a nós por Jesus com o seu ensinamento, é a única resposta aceitável ao questionamento sobre por que Deus continua a ser fiel aos homens, independente da infidelidade deles! Ele faz isso porque é pleno de amor, por isso não deseja a morte do pecador, mas que se converta e viva. Deus como Pai é imutável mas, ao mesmo tempo, diante do homem é sempre novo ao exprimir o seu amor misericordioso. Neste ponto só nos resta fazer a oração de São Paulo: “Por isso, digo, eu dobro os meus joelhos diante do Pai, que tem a paternidade de tudo nos céus e sobre a terra, para que vos conceda, segundo a riqueza de sua glória, ser o âmago do homem fortalecido pelo poder do seu Espírito” (Ef 3, 14-15).
A palavra “Pai” ocorre uma vez somente no Pai Nosso, no início. Todavia, Ele está presente no “teu” dos três primeiros pedidos que se referem diretamente a Deus, nos imperativos dos quatro pedidos seguintes que, ao contrário, se relacionam com a comunidade dos homens, considerando suas necessidades concretas. Nós também, como os discípulos, somos convidados por Jesus a invocar a Deus com o nome de Pai. E começar a oração com esta palavra é uma maneira confidente e afetuosa de nos dirigirmos a Deus, sem explicações, quase por um impulso espontâneo. É uma intuição da proximidade de Deus, que quer estabelecer conosco uma relação de amor. É uma invocação que não deve atemorizar. Ao contrário, deve inspirar confiança e serenidade.
Padre Agostino Favale, SDB, é professor emérito de História da Igreja Moderna e Contemporânea e de Espiritualidade da Universidade Pontifícia Salesiana de Roma, consultor da Congregação para a Causa dos Santos e autor de mais de 180 obras.Tradução: Elaine Tozetto