Apesar da queda no número geral de conflitos, a realidade permanece desafiadora, com a violência por terra e água permanecendo entre os maiores da história do relatório. O Maranhão segue sendo o estado com maior concentração de conflitos, especialmente em razão da contaminação por agrotóxicos nas comunidades tradicionais. Embora os homicídios tenham diminuído (de 31 para 13), as tentativas de assassinato e ameaças de morte aumentaram, refletindo a intensificação da violência contra as pessoas, principalmente em regiões afetadas por grandes projetos de infraestrutura e pelo avanço do agronegócio.
Um apelo à visibilidade dos invisíveis
Durante o lançamento, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB), dom Ricardo Hoepers, fez uma reflexão profunda sobre a importância de dar visibilidade aos povos e comunidades que sofrem os impactos dessas violências. Ele destacou a missão da Igreja em acolher as questões mais urgentes da sociedade, lembrando que o Papa Francisco sempre enfatizou a necessidade de cuidar das “periferias existenciais e geográficas” e de enfrentar os desafios mais difíceis da humanidade.
Dom Ricardo fez também uma ligação com os ensinamentos do Papa Francisco, particularmente a questão da “globalização da indiferença”, termo cunhado por ele após a visita a Lampedusa, onde mais de 200 pessoas haviam morrido em um naufrágio.
O prelado reforçou que o relatório da CPT é uma resposta a essa indiferença, buscando não deixar ninguém invisibilizado, dando nomes e biografias às vítimas dos conflitos no campo.
O bispo ainda ressaltou a conexão do relatório com a Campanha da Fraternidade deste ano, lembrando os 10 anos da encíclica Laudato Si’, que trata da defesa do planeta e dos direitos das gerações futuras. Segundo dom Ricardo, o cuidado com a terra, com as pessoas e com a criação de Deus deve ser central no compromisso de todos.
Violência persiste, mas há esperança
Ao portal da CNBB, o presidente da CPT, dom José Ionilton, também comentou sobre os dados revelados no relatório, destacando que, embora o número de mortes tenha diminuído, a violência no campo persiste, especialmente contra povos indígenas e quilombolas, cujos territórios estão sendo invadidos e ameaçados por interesses ligados ao agronegócio e a grandes projetos de infraestrutura.
Para ele, a “lei do Marco Temporal”, que tem gerado insegurança nas terras indígenas, é uma das principais responsáveis por essa escalada de violência. Além disso, comentou que a liberalização do porte de armas durante o governo anterior também contribuiu para o aumento da violência armada, criando um cenário de impunidade e insegurança para aqueles que lutam para defender seus direitos.
“Apesar de algumas vitórias, como a redução das mortes, os conflitos seguem intensos. O avanço do agronegócio, do garimpo ilegal e dos grandes projetos de infraestrutura têm gerado conflitos que afetam principalmente as comunidades da Amazônia e do Norte do Brasil. A violência ainda é um problema a ser enfrentado com urgência.”
40 anos de luta pela justiça no campo
O relatório também celebra uma marca significativa para a CPT: seus 40 anos de atuação no monitoramento dos conflitos no campo, desde a criação de seu setor de documentação em 1985. Em 2025, a Comissão Pastoral da Terra completa 50 anos, e o lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024 é, portanto, uma oportunidade para refletir sobre a história de resistência e luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e das comunidades tradicionais.
O lançamento do relatório também foi uma oportunidade para lembrar o legado do padre Mário Aldighieri, que iniciou o trabalho de documentação da CPT e faleceu recentemente, aos 88 anos. Sua visão e dedicação contribuíram para a criação de uma estrutura que segue sendo vital para a compreensão da violência no campo.
Esse momento de celebração, ao mesmo tempo que denuncia, também lembra a importância de manter vivos os legados de quem lutou pela justiça social e pelos direitos humanos no Brasil.
Fonte: CNBB