Dom Bosco e o enfrentamento do luto

Quarta, 01 Novembro 2023 15:45 Escrito por  José Cleudo Matos Cardoso
Dom Bosco e o enfrentamento do luto iStock.com
O mês de novembro é marcado pelo Dia de Finados, data que nos faz recordar das pessoas que já partiram. Dom Bosco também vivenciou a dor com a perda de pessoas próximas. Como passava por essas situações de luto? Como enfrentava e superava as perdas?  

Dom Bosco é conhecido como o “santo da alegria”, a sua fórmula de santidade se baseia justamente na prática da alegria cotidiana. Porém, Dom Bosco também vivenciava momentos de tristeza. O autor Giuseppe Buccellato, na obra Dom Bosco: notas para uma história espiritual de sua vida, diz: “A intensidade dos sentimentos e essa inclinação à emoção provavelmente assinalaram todo o percurso de sua existência”. Assim, Dom Bosco também sofreu diante da perda de pessoas muito queridas, como o seu pai, Francisco Bosco, padre Calosso, padre José Cafasso, Luís Comollo, São Domingos Sávio e da sua mãe Margarida, dentre outros.

 

Conforme a sua obra Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, o próprio São João Bosco nos relata a morte do seu pai e a tristeza que ele sentiu diante de tal evento: “Não tinha eu ainda 2 anos quando Deus misericordioso nos atingiu com uma grave desgraça [...]. Não sei o que aconteceu comigo em tão triste circunstância”. Vemos que Dom Bosco, ainda bastante criança, passa pela imensa dor da perda do pai.  

 

Luto infantil

Não sabemos da relação de Dom Bosco com o seu pai, porém, supomos que era uma relação bastante afetiva, com segurança paterna. Apesar de não ter acompanhado o filho durante toda a sua infância, percebemos que o vínculo paterno contribuiu para o desenvolvimento psicológico e social do Santo. Estamos diante de um luto infantil! Dom Bosco perdeu o seu pai aos 2 anos de idade. Ele mesmo vai confirmar nas Memórias do Oratório: “Naquela idade não podia evidentemente compreender a grande desgraça que é a perda de um pai”. E como a criança reage a tudo isso?

 

Conforme Kubler-Ross, psiquiatra e escritora suíça, as crianças até os 4 anos não compreendem muito bem o conceito de morte, por isso é importante saber se comunicar com elas sobre a morte de alguém, para não criar confusões com certas expressões. Mamãe Margarida foi muito diretiva ao falar da morte do pai de Dom Bosco, conforme as Memórias do Oratório: “Pobre filho, vem comigo, já não tens pai”. A atitude de Mamãe Margarida é assertiva, e o seu gesto de tomar João Bosco pela mão após a confirmação da morte do pai comprova a sua postura de cuidadora. Dessa forma, diante de um luto infantil, precisamos ter as mesmas atitudes da Mamãe Margarida.

 

Orientador espiritual

Outro evento de perda para Dom Bosco foi a morte do padre Calosso, em 1830, que era para ele um verdadeiro orientador espiritual e temporal. O próprio Santo assim relata: “Após dois dias de agonia, o pobre padre Calosso voava ao seio do Criador. Com ele morriam minhas esperanças todas. Rezei sempre e enquanto viver não deixarei de rezar todas as manhãs por este meu insigne benfeitor”.

 

Vemos nesse acontecido como Dom Bosco sofreu com a perda do padre Calosso ao ponto de dizer que as esperanças haviam morrido. Diante do contexto vivido com o irmão Antônio, sem dúvida, Dom Bosco via na morte do padre Calosso o fim das suas perspectivas quanto aos estudos. Diante disso, percebemos a gratidão que Dom Bosco tem pelo seu benfeitor, bem como a oração em sufrágio pelos mortos. Desse modo, o reconhecimento e a oração são as formas de enfrentamento do luto pelo jovem João Bosco. A Divina Providência também colaborou nesse processo, enviando depois para ele o padre José Cafasso.

 

Em Luto e Melancolia, Freud expõe a ideia de luto como “a reação à perda de um ente querido”; o mesmo autor comenta que os afetos apresentados pelo luto se demonstram como sentimento profundo e doloroso. O próprio Freud considera que o trabalho de luto é importante para a subjetividade do indivíduo e que esse luto seria superado de forma natural, uma vez que essa vivência de perda é posicionada de maneira consciente.

 

A importância de uma rede de apoio

O enfrentamento do luto por Dom Bosco se dá na compreensão consciente das perdas de pessoas próximas, não deixando-se consumir pela tristeza profunda. Sofre, sente, mas não entra num processo melancólico, conforme nos lembra Freud. Dom Bosco contava com alguns suportes na sua infância, um deles era a sua mãe. Já na vida adulta, dispunha dos seus colaboradores e, também, dos seus jovens queridos. Ele não se encontrava sozinho e nem se isolava, enfrentava a dor da perda em constante ação e companhia. No enfrentamento do luto, precisamos contar com a nossa rede de apoio.

 

Dom Bosco não perde o senso de realidade, adaptando-se aos novos contextos com as devidas ausências, guardando os seus entes na memória e no coração, com sentimento de gratidão, e até mesmo apresentando-os como modelo de vida, como é o caso de São Domingos Sávio na sua biografia. Outrossim, a sua vida de oração, como nos lembra padre Lemoyne em Memórias Biográficas, fez com que ele estivesse sempre unido a Deus, colocando-se todos os dias nas mãos da Divina Providência.

 

José Cleudo Matos Cardoso é psicólogo e psicanalista, pós-graduando em Salesianidade pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e reside em Jaguaribe, CE.

 

Avalie este item
(0 votos)
Última modificação em Segunda, 04 Dezembro 2023 17:00

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.


Dom Bosco e o enfrentamento do luto

Quarta, 01 Novembro 2023 15:45 Escrito por  José Cleudo Matos Cardoso
Dom Bosco e o enfrentamento do luto iStock.com
O mês de novembro é marcado pelo Dia de Finados, data que nos faz recordar das pessoas que já partiram. Dom Bosco também vivenciou a dor com a perda de pessoas próximas. Como passava por essas situações de luto? Como enfrentava e superava as perdas?  

Dom Bosco é conhecido como o “santo da alegria”, a sua fórmula de santidade se baseia justamente na prática da alegria cotidiana. Porém, Dom Bosco também vivenciava momentos de tristeza. O autor Giuseppe Buccellato, na obra Dom Bosco: notas para uma história espiritual de sua vida, diz: “A intensidade dos sentimentos e essa inclinação à emoção provavelmente assinalaram todo o percurso de sua existência”. Assim, Dom Bosco também sofreu diante da perda de pessoas muito queridas, como o seu pai, Francisco Bosco, padre Calosso, padre José Cafasso, Luís Comollo, São Domingos Sávio e da sua mãe Margarida, dentre outros.

 

Conforme a sua obra Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, o próprio São João Bosco nos relata a morte do seu pai e a tristeza que ele sentiu diante de tal evento: “Não tinha eu ainda 2 anos quando Deus misericordioso nos atingiu com uma grave desgraça [...]. Não sei o que aconteceu comigo em tão triste circunstância”. Vemos que Dom Bosco, ainda bastante criança, passa pela imensa dor da perda do pai.  

 

Luto infantil

Não sabemos da relação de Dom Bosco com o seu pai, porém, supomos que era uma relação bastante afetiva, com segurança paterna. Apesar de não ter acompanhado o filho durante toda a sua infância, percebemos que o vínculo paterno contribuiu para o desenvolvimento psicológico e social do Santo. Estamos diante de um luto infantil! Dom Bosco perdeu o seu pai aos 2 anos de idade. Ele mesmo vai confirmar nas Memórias do Oratório: “Naquela idade não podia evidentemente compreender a grande desgraça que é a perda de um pai”. E como a criança reage a tudo isso?

 

Conforme Kubler-Ross, psiquiatra e escritora suíça, as crianças até os 4 anos não compreendem muito bem o conceito de morte, por isso é importante saber se comunicar com elas sobre a morte de alguém, para não criar confusões com certas expressões. Mamãe Margarida foi muito diretiva ao falar da morte do pai de Dom Bosco, conforme as Memórias do Oratório: “Pobre filho, vem comigo, já não tens pai”. A atitude de Mamãe Margarida é assertiva, e o seu gesto de tomar João Bosco pela mão após a confirmação da morte do pai comprova a sua postura de cuidadora. Dessa forma, diante de um luto infantil, precisamos ter as mesmas atitudes da Mamãe Margarida.

 

Orientador espiritual

Outro evento de perda para Dom Bosco foi a morte do padre Calosso, em 1830, que era para ele um verdadeiro orientador espiritual e temporal. O próprio Santo assim relata: “Após dois dias de agonia, o pobre padre Calosso voava ao seio do Criador. Com ele morriam minhas esperanças todas. Rezei sempre e enquanto viver não deixarei de rezar todas as manhãs por este meu insigne benfeitor”.

 

Vemos nesse acontecido como Dom Bosco sofreu com a perda do padre Calosso ao ponto de dizer que as esperanças haviam morrido. Diante do contexto vivido com o irmão Antônio, sem dúvida, Dom Bosco via na morte do padre Calosso o fim das suas perspectivas quanto aos estudos. Diante disso, percebemos a gratidão que Dom Bosco tem pelo seu benfeitor, bem como a oração em sufrágio pelos mortos. Desse modo, o reconhecimento e a oração são as formas de enfrentamento do luto pelo jovem João Bosco. A Divina Providência também colaborou nesse processo, enviando depois para ele o padre José Cafasso.

 

Em Luto e Melancolia, Freud expõe a ideia de luto como “a reação à perda de um ente querido”; o mesmo autor comenta que os afetos apresentados pelo luto se demonstram como sentimento profundo e doloroso. O próprio Freud considera que o trabalho de luto é importante para a subjetividade do indivíduo e que esse luto seria superado de forma natural, uma vez que essa vivência de perda é posicionada de maneira consciente.

 

A importância de uma rede de apoio

O enfrentamento do luto por Dom Bosco se dá na compreensão consciente das perdas de pessoas próximas, não deixando-se consumir pela tristeza profunda. Sofre, sente, mas não entra num processo melancólico, conforme nos lembra Freud. Dom Bosco contava com alguns suportes na sua infância, um deles era a sua mãe. Já na vida adulta, dispunha dos seus colaboradores e, também, dos seus jovens queridos. Ele não se encontrava sozinho e nem se isolava, enfrentava a dor da perda em constante ação e companhia. No enfrentamento do luto, precisamos contar com a nossa rede de apoio.

 

Dom Bosco não perde o senso de realidade, adaptando-se aos novos contextos com as devidas ausências, guardando os seus entes na memória e no coração, com sentimento de gratidão, e até mesmo apresentando-os como modelo de vida, como é o caso de São Domingos Sávio na sua biografia. Outrossim, a sua vida de oração, como nos lembra padre Lemoyne em Memórias Biográficas, fez com que ele estivesse sempre unido a Deus, colocando-se todos os dias nas mãos da Divina Providência.

 

José Cleudo Matos Cardoso é psicólogo e psicanalista, pós-graduando em Salesianidade pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e reside em Jaguaribe, CE.

 

Avalie este item
(0 votos)
Última modificação em Segunda, 04 Dezembro 2023 17:00

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.