Nascida em Ponte Nova, MG, em 11 de junho de 1903, irmã Irene Lanna compõe uma parcela crescente na população brasileira: a das pessoas que ultrapassam os 100 anos de vida. E é uma vida interessante, bem vivida, que traz ensinamentos importantes. Não por algum fato grandioso que a tenha marcado pon-tualmente. Mas porque é uma vida construída, ao longo dos anos, em fidelidade absoluta a um projeto educativo, pastoral e religioso. A história de irmã Irene está ligada, desde seu início, às Filhas de Maria Auxiliadora. Primogênita dos nove filhos (cinco homens e quatro mulheres) do casal Miguel A. de Lanna e Silva e Leonor Valentim de Lanna, Irene estudou no internato da Escola Normal Nossa Senhora Auxiliadora de sua cidade natal e, em 1920, recebeu o diploma do Magistério. Irmã Irene se recorda bem que, na época, a família morava no centro da cidade e o colégio ficava na Fazenda das Palmeiras, bairro que, devido à precariedade dos transportes na época, era distante e de difícil acesso: por isso a necessidade de permanência no internato.

Vocação

Foi na escola que ela sentiu o chamado de Deus e percebeu sua vocação à vida salesiana. Nesse discernimento, irmã Irene ressalta a importância do testemunho de vida das irmãs FMA, a dedicação às alunas, a alegria, a vida de piedade e, ao mesmo tempo, de seriedade e disciplina. Entrou no Colégio de Santa Inês, em São Paulo, em julho de 1922, como postulante, e em janeiro de 1925, fez sua profissão religiosa. Logo a jovem irmã, de 21 anos, destacou-se como professora e religiosa. Irmã Irene não se lembra de uma casa ou escola que a tenha marcado especialmente. Até porque foram tantas as escolas e obras em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso, nas quais atuou como professora e diretora. Entre elas, o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Campos dos Goytacazes, RJ; o Instituto Santa Carlota de Lorena, SP; o Colégio Pio XII de Belo Horizonte, MG; o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Campo Grande MS... Com a fundação em Belo Horizonte da Inspetoria Madre Mazzarello, foi nomeada, em 1949, a primeira conselheira inspetorial brasileira, cargo que exerceu por um ano.

Discreta e acolhedora

Em todas as casas por onde passou, irmã Irene deixou a lembrança de seu modo próprio de agir, comedido e discreto, mas acolhedor e carinhoso. “Irmã Irene foi sempre muito querida, tanto pelas irmãs como pelas alunas, que falam dela com veneração sincera. Era sempre presente na vida das alunas e acompanhava com interesse o desenvolvimento formativo das irmãs mais jovens. Seu amor ao Coração de Jesus deu origem àquela mansidão que suscita confiança”, descreve irmã Maria da Glória de Almeida, FMA. Mas que essa mansidão não se confunda com falta de iniciativa ou participação. Ao contrário, irmã Irene viveu intensamente as grandes mudanças que aconteceram na Igreja a partir dos anos 1960, acompanhando e aprofundando as reflexões sobre os documentos do Concílio Vaticano II. Eleita delegada ins- petorial ao Capítulo Geral XIV, do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, participou do mesmo de agosto a setembro de 1964. Foi novamente conselheira inspetorial, de 1965 a 1969, exercendo em 1965 o cargo de primeira-conselheira.

Vivenciar a presença de Deus

Nas décadas de 1960 e 1970, foi diretora nos colégios de São João del Rei, Cachoeira do Campo, Ponte Nova e Anápolis (Colégio Auxilium). Foi também a primeira diretora da casa de repouso das irmãs salesianas em Belo Horizonte, a Casa Madre Mazzarello, nos anos de 1974 a 1976. Conforme ressalta irmã Joana D’Arc Fontes, FMA, “as muitas irmãs que a tiveram como superiora falam de irmã Irene com sincera veneração, não pela idade que atingiu, mas pela maneira como viveu. E é quase unânime o depoimento sobre a sua peculiar discrição. Sempre foi incapaz de um deslize nesse ponto, o que lhe granjeava admiração e confiança. De sua boca, nunca saía um comentário ou uma palavra inoportuna”. A mesma simplicidade que teve como diretora, cargo que exerceu por 40 anos, irmã Irene adotou também ao se dedicar, a partir de 1977, a dar aulas de datilografia e animar os grupos de oração em Ponte Nova, MG. Em 1992, sen tindo que era hora do repouso, solicitou sua ida para a Casa Madre Mazzarello, onde permanece com razoável saúde e lucidez, aos 108 anos de vida.

Discreta e de poucas palavras, a única pergunta à qual respondeu diretamente na conversa que teve com irmã Maria Terezinha de Araújo, FMA, para a produção desta matéria foi se poderia transmitir uma mensagem às jovens vocacionadas de hoje. A fala de irmã Irene resume o seu próprio modo de agir e viver a vocação: “Procurar viver em paz, tratar bem a todos. Vivenciar a presença de Deus em si e transmiti-Lo. Para viver com serenidade é necessário ter muita paz interior”.

“Irmã Irene foi sempre muito querida, tanto pelas irmãs como pelas alunas, que falam dela com veneração sincera. Era sempre presente na vida das alunas e acompanhava com interesse o desenvolvimento formativo das irmãs mais jovens. Simples, silenciosa, de grande fineza de trato, Deus a brindou com o grande dom da escuta, do acolhimento e discrição. Seu amor ao Coração de Jesus deu origem aquela mansidão que suscita confiança”. (Irmã Maria da Glória de Almeida, FMA)