Um pequeno mapa-múndi escurecido
O objeto mais comovente dos aposentos de Dom Bosco em Valdocco é um pequeno mapa-múndi escurecido e bastante aproximativo. Quase não se veem os limites entre os estados e o mundo estranhamente fundido numa solidariedade compacta.
O jovem Miguel Rua ouviu-o frequentemente exclamar: “Oh, se tivesse doze padres à minha disposição, quanto bem poderia ser feito! Quereria enviá-los a pregar as verdades da nossa santa Religião não só nas igrejas, mas também nas praças!”. “E, às vezes, lançando o olhar sobre alguma parte do mapa-múndi, suspirava ao ver como tantas regiões ainda jaziaem na sombra da morte, e mostrava ardente desejo de poder um dia levar a luz do Evangelho aos lugares ainda não alcançados por outros missionários” (Memórias Biográficas, III, 546).
O mesmo ardor apostólico obtido à escola de Cafasso, que levara Dom Bosco a identificar como campo de ação o mundo dos jovens pobres e abandonados, sempre a aumentar, estará à base da decisão de abrir a Família Salesiana às missões ad gentes. O padre Rua confirmou: “Foi essa necessidade de salvar as almas que lhe fez parecer pequeno o antigo mundo levando-o a enviar os seus filhos às distantes Missões da América” (BS 21 – 1897, p. 4).
Durante os anos do Colégio Eclesiástico, influenciado pela literatura missionária, Dom Bosco pensou em unir-se aos Oblatos de Maria Virgem para as missões entre os índios da América do Norte. Foi leitor assíduo dos Anais da Propagação da fé desde 1848. Contudo, o impacto decisivo na aceleração da vocação missionária da jovem congregação veio-lhe por ocasião do Concílio Vaticano I (1869-70): muitos bispos da América, da África e da Ásia aproveitavam a ida a Roma para recrutar padres e religiosas; relacionaram-se com Dom Bosco, visitaram Valdocco e fizeram propostas de fundações. Ele o sentiu como um sinal da vontade de Deus e entusiasmou-se. Nesse contexto, entre 1871 e 1872, coloca-se o primeiro sonho missionário.
“Pareceu-me estar numa região selvagem e realmente desconhecida. Era uma planície imensa, toda inculta, na qual não se viam nem colinas nem montes. Nas muito distantes extremidades, porém, perfilavam-se montanhas irregulares... Entretanto, vejo à distância um grupo de missionários que se aproximavam dos selvagens com semblante alegre, precedidos de uma fileira de jovenzinhos. Eu tremia pensando: – Vêm para serem mortos. – E aproximei-me deles: eram clérigos e padres. Fixei-os com atenção e reconheci-os como nossos Salesianos. Os primeiros eram-me conhecidos e, embora não pudesse conhecer pessoalmente muitos outros que vinham depois dos primeiros, percebi que eram também eles Missionários Salesianos, precisamente dos nossos”.
Influenciado pelo espírito do seu século, ele pensava as missões no sentido mais estrito, in partibus infidelium, entre os infiéis, e no sentido mais romântico: entre povos cruéis e selvagens. Papel importante também teve a sua visão católica de Igreja, enviada a todos os povos, e a percepção da vocação salesiana como dom feito por Deus aos jovens do mundo inteiro, unida a preocupações antiprotestantes. Os princípios de missiologia do tempo eram aqueles da fermentação transformadora, da luta conquistadora, do testemunho evangélico até o martírio. O Euntes in mundum universum, “ide ao mundo todo”, soava-lhe também como mandato jurídico-eclesial, por isso enviou os seus missionários a Roma para receberem a bênção do papa.
A linha de frente de uma grande armada
Entre outras coisas, o seu modo concreto de ser fez com que ele preferisse a proposta argentina: para lá iam milhares de imigrantes e seus missionários não se sentiriam isolados; lá havia uma sociedade civil pronta para apoiar a obra; e lá estavam também os “selvagens” dos seus sonhos. As cartas e informações de Cagliero e de outros sobre a Patagônia real haveriam de modificar radicalmente a visão romântica de Dom Bosco, sempre pronto a adaptar-se às situações e ver nelas a voz do Senhor. A estratégia mudou: fundar obras como a de Valdocco (colégios, paróquias e oratórios), que fossem lugares de formação para a fermentação das novas nações da América Latina e partir dali para o serviço missionário entre as populações indígenas.
Dessa forma, o modelo tradicional de missão foi renovado com elementos tirados do carisma oratoriano, que dá grande importância à instrução e ao cuidado da juventude. Mudaram até mesmo os aspectos organizativos: os missionários salesianos não eram apenas testemunhas e apóstolos de uma grande armada; eles se sentiam a expressão de toda a Família Salesiana que os apoiava espiritual e materialmente e participa de suas alegrias e sofrimentos, de seus sucessos e dificuldades.
O padre Rua recordou-o aos Salesianos Cooperadores: “Os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora, como fileiras de um exército em campanha, farão a sua parte, pondo à disposição de Deus e do próximo a vontade, a santidade e a própria vida; os Cooperadores e as Cooperadoras façam por sua vez aquilo que os bons pais e mães de família fazem pelos seus filhos, quando estão em batalha” (BS 14 – 1890, p. 4-5).
As cartas dos missionários publicadas no Boletim Salesiano comunicam todos os particulares, projetos, realizações, sucessos, sofrimentos, dificuldades. Todos podiam conhecer os seus trabalhos apostólicos e participar deles, alegrar-se com eles, ser orgulhosos deles, sofrer com seus lutos, apoiá-los com a oração, colaborar economicamente. E os missionários, sentindo-se valorizados, apoiados, encorajados e amados, como participantes da grande família de Dom Bosco, souberam enxertar com eficácia o carisma salesiano em todas as partes do mundo.