O que mais me preocupa é que há muita violência; ninguém mais tem paciência ou empatia. E para as mulheres é muito pior: em muitas situações da vida cotidiana nos sentimos cercadas de insegurança e vivemos com medo de sermos sequestradas, estupradas ou encontradas mortas”, confessa Abigail, 24 anos, argentina.
“Vivemos numa época em que os jovens têm novas ideias, estão nascendo muitos grupos de jovens feministas, comunidades LGBTIQ+, grupos, enfim, que a Igreja Católica tradicional não aceitaria (...). Jesus foi uma pessoa revolucionária, ia contra toda crença e ‘status quo’ da religião da época, e aceitava as pessoas marginalizadas pela Igreja, independentemente de sua maneira de ser, ou de suas ideias. Ele acolhia a todos, amava a todos. Acho que é algo que os padres e a Igreja deveriam imitar agora: acolher sempre todas as pessoas”, diz Alonso, 22 anos, do Peru.
“Hoje as fronteiras não representam barreiras territoriais, elas se tornaram barreiras ideológicas: um migrante se torna um estranho e é incompreendido pelos outros, sofre muita violência e discriminação. Como somos todos filhos e filhas de Deus, essas situações não deveriam existir, por isso gostaria de dizer ao Papa: por que não fazemos algo para eliminar as fronteiras?”, reflete Dayana, 31, migrante venezuelana na Colômbia.
“É necessária uma formação mais abrangente para que as pessoas percebam que a paróquia não é apenas um espaço de quatro paredes, mas composta por todos. É preciso um pouco mais de coerência. Vejo muitos jovens que querem ajudar (...), mas quando são levados para as ruas, olham para a miséria e a pobreza com repulsão; tratam as pessoas com desprezo; ou dizem que não têm tempo”, relata Cláudio, 22 anos, também do Peru.
Periferias existenciais
O que têm esses depoimentos em comum? Todos vêm de pessoas que atualmente vivem situações de vulnerabilidade no continente americano e que chegarão aos ouvidos do Papa Francisco como parte do estudo global: “Haciendo teología desde las periferias existenciales” (Fazendo teologia a partir das periferias existenciais). Um estudo que recolhe, além das vozes de Abigail, Alonso, Dayana e Claudio, as preocupações, angústias, dores e esperanças de milhares de homens e mulheres em todo o mundo.
O estudo, que faz parte da preparação para o Sínodo "Por uma Igreja sinodal", foi convocado pela Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério do Vaticano para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral e inclui três fases concretas: discernimento, escuta, devolução.
No processo de discernimento, o objetivo foi ler e interpretar coletivamente o que foi coletado à luz da Sagrada Escritura e das Encíclicas do Papa Francisco.
Na segunda fase, ainda em andamento, o objetivo é escutar, com humildade e atenção, os habitantes das periferias existenciais para captar suas alegrias, esperanças, dores e angústias.
Por fim, na fase da devolução, o objetivo será compartilhar os resultados deste exercício teológico com as igrejas locais - dos bispos aos fiéis -, com a Comissão do Vaticano Covid-19 e acadêmicos católicos de todo o mundo.
Rede Salesiana Social América
A Rede Salesiana Social América (RASS), com o apoio do Red Clamor, assumiu o desafio de liderar a fase do processo de escuta no continente americano e, para obter o maior número de testemunhos, realizou entrevistas e focalizou grupos em diferentes cidades, contando com a ajuda de educadores, animadores e catequistas que trabalham com pessoas que vivem, territorial ou metaforicamente, nos subúrbios existenciais, visitando casas, paróquias e prisões, com o objetivo de dar voz àqueles que geralmente não são ouvidos.
Os temas propostos para diálogo foram: sabedoria dos excluídos, vulnerabilidade e ternura, consciência ecológica, perspectivas femininas, revelação e alegria, cristãos na esfera pública, novos paradigmas, esperança e fé, evitar o clericalismo, acolher o estrangeiro, o diálogo, o encontro.
Este processo ocorreu entre os meses de março e maio deste ano e incluiu uma formação a fim de refletir e analisar que metodologia utilizar para poder "ouvir as pessoas das periferias", de forma adequada e próxima. Atualmente, as equipes da RASS estão transcrevendo o material, que será enviado para Roma.
“Viver essa experiência enriqueceu-nos e ensinou muito, pois nos aproximou da realidade cotidiana de quem sofre situações de discriminação, maus-tratos, pobreza e desigualdade. Fazer parte deste estudo global nos leva a reconhecer que todos somos pessoas que formam uma Igreja viva e em mudança, que busca o bem comum e a construção de um mundo mais justo e fraterno”, conclui a RASS.