No dia 14 de fevereiro, Quarta-feira de Cinzas, tem início a Quaresma. A data também marca a abertura da Campanha da Fraternidade (CF 2018), que este ano traz o tema “Fraternidade e superação da violência” e o lema, “Vós sois todos irmãos (Mt 23,8)”. Desta forma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chama todos os católicos e a sociedade em geral a se debruçarem sobre o problema da violência no Brasil, compreendendo as várias maneiras como essa violência se manifesta e buscando, à luz do Evangelho, as formas de superá-la.
De acordo com dom Leonardo Steiner, bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, a violência está presente na sociedade, seja na rua, dentro de casa, pela condição social, gênero, nas palavras, entre muitos outros meios. “Toda violência exclui, toda violência mata”, ressaltou o bispo ao apresentar o tema da CF 2018.
No Texto-base da Campanha da Fraternidade, a CNBB reafirma: “A Igreja Católica proclama, com a convicção de sua fé em Cristo e com a consciência de sua missão, que a violência é um mal, que a violência é inaceitável como solução para os problemas, que a violência não é digna do homem. A violência é mentira que se opõe à verdade de nossa fé, à verdade de nossa humanidade”.
Cultura da paz, da reconciliação e da justiça
A CF 2018 tem como objetivo geral “Constituir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho de superação da violência”. Juntam-se a este, sete objetivos específicos:
- Anunciar a Boa-nova da fraternidade e da paz, estimulando ações concretas que expressem a conversão e a reconciliação no espírito quaresmal;
- Analisar as múltiplas formas de violência, especialmente as provocadas pelo tráfico de drogas considerando suas causas e consequências na sociedade brasileira;
- Identificar o alcance da violência, nas realidades urbana e rural de nosso país, propondo caminhos de superação, a partir do diálogo, da misericórdia e da justiça, em sintonia com o Ensino Social da Igreja;
- Valorizar a família e a escola como espaços de convivência fraterna, de educação para a paz e de testemunho do amor e do perdão;
- Identificar, acompanhar e reivindicar políticas públicas para superação da desigualdade social e da violência;
- Estimular as comunidades cristãs, pastorais, associações religiosas e movimentos eclesiais ao compromisso com ações que levem à superação da violência; e
- Apoiar os centros de direitos humanos, comissões de justiça e paz, conselhos paritários de direitos e organizações da sociedade civil que trabalham para a superação da violência.
Ver a realidade
O Texto-base da CF 2018 apresenta uma metodologia para analisar a situação de violência no País, conhecida como “Ver, Julgar e Agir”.
O “Ver” é centrado no conhecimento do problema, por meio de informações, gráficos e pesquisas. Na Campanha deste ano, o “Ver” foi dividido em três eixos. O primeiro trata da violência na convivência humana, com a definição do conceito de violência e dados históricos e culturais. No segundo eixo é tratada a violência nas estruturas sociais, abordando economia, consumo, desigualdade, violação de direitos fundamentais e a violência promovida pela lógica do mercado. Em seguida são fornecidas informações sobre algumas manifestações da violência na sociedade. Neste eixo, o Texto-base faz “ver” a negligência do Estado em relação às políticas sociais, quem são as vítimas da violência (juventude pobre e negra, povos indígenas, mulheres etc.), o conflito pela terra, a intolerância (de raça, de religião e de gênero), a violência doméstica e a violência no trânsito, entre outras.
Julgar com fidelidade ao Evangelho
A segunda parte do Texto-base é o “Julgar”, que propõe refletir sobre a realidade apresentada a partir dos ensinamentos do Evangelho. Essa parte do texto também foi dividida em eixos: Sagrada Escritura e Magistério.
O primeiro texto bíblico é justamente o que serve como lema da CF: “Vós sois todos irmãos! (Mt 23,8). Depois, outras passagens, especialmente do Novo Testamento, indicam o caminho da paz e a atitude de não-violência presentes na Bíblia. Compõem o segundo eixo de reflexão os documentos sobre o tema produzidos pela Igreja Católica, as mensagens para o Dia Mundial da Paz escritas pelos Papas Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI e mensagens do Papa Francisco.
Agir como cristão
Por fim, o “Agir” indica ações concretas para a superação da violência, em suas várias esferas: pessoa e família, comunidade e sociedade. No eixo pessoal e familiar, a CF 2018 aponta para a conversão, para a cultura da não violência e para a fraternidade. Ao tratar sobre a vivência na Igreja, o Texto-base oferece exemplos de conquistas e experiências da comunidade eclesial, indica as obras sociais como caminho para a superação da violência, afirma a necessidade de promover uma espiritualidade que desperte para a paz e trata da superação da intolerância religiosa e da premência em incentivar o ecumenismo e o diálogo inter-religioso.
Ao falar sobre a superação da violência na sociedade, a CF 2018 indica áreas concretas que precisam de atenção, inclusive quanto à legislação e à implementação de políticas públicas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente; a violência doméstica e a Lei Maria da Penha; os direitos humanos; a violência contra os jovens; o narcotráfico e a violência política, entre outras.
A Campanha da Fraternidade será encerrada dia 25 de março, Domingo de Ramos, com a Coleta Nacional da Solidariedade. O dinheiro arrecadado será destinado a obras sociais e entidades que desenvolvem ações pela superação da violência, tanto em âmbito nacional como diocesano.
A violência contra os jovens
A importância do tema proposto pela Campanha da Fraternidade neste ano é tristemente comprovada pelos números da violência no Brasil. São estudos de entidades nacionais e internacionais que colocam o País entre os “campeões” de violência, especialmente contra os jovens.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a principal razão pela qual jovens brasileiros de 10 a 19 anos perdem a vida precocemente é a violência interpessoal, que inclui assassinatos, agressão, brigas, bullying e abuso emocional. Em seguida vêm os acidentes de trânsito e o suicídio, também considerados como mortes violentas. Já segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial da violência contra meninos e meninas entre 10 e 19 anos.
O Atlas da Violência 2017, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que, nos anos de 2005 a 2015, o assassinato de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos correspondeu a 47,85% do total de óbitos registrados. O estudo traz outros dados estarrecedores: os jovens negros, homens e com baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas; um homem negro tem até 12 vezes mais chance de ser vítima de homicídio que um não negro; e em 2015, 385 mulheres foram assassinadas por dia no País.
Fontes: Texto-base CF 2018, CNBB, portalkairos.org, portal a12.com, Ipea, BBC Brasil, Unicef