Infelizmente, no dia a dia, esquecemos isso e passamos a adotar critérios de conduta tão mesquinhos que, na prática, repudiamos o nosso ser naturalmente sedento de transcendência, superação, encontro, comunhão universal… Como consequência, semeamos a discórdia, construímos barreiras, proclamamos a intolerância, pesamos e julgamos o invisível, trocamos o todo pela parte e, pior, desprezando os outros porque absolutizamos a “parte” escolhida!
É dessa dinâmica de comportamento hostil, tão presente em nosso mundo atual, que surge a fragmentação da comunidade humana. Numa sociedade dividida, onde seus indivíduos enfraquecem a noção do “encontro universal” (sinergia), onde não compreendem o fato de que somos parte integrante de um todo, as organizações corporativistas se transformam em “armas” promotoras da violência, se tornam “gangues”: podem ser “skinheads”, “black blocs”, facções ideológicas, grupos culturais, partidos políticos, associações de interesses, grupos religiosos fundamentalistas, torcidas e “times”…
Desse contexto mundial, nacional e regional brasileiro colhemos manifestações de intolerância geradoras de rixas, intrigas, preconceitos, segregação e morte! Em muitos estádios do mundo em nossos dias, a violência se faz espetáculo, onde, torcidas rivais, grupos intolerantes, se agridem até a morte, depredam o patrimônio público, atropelam direitos alheios, transformando a beleza da dimensão lúdica, ou “dos direitos”, em drama vergonhoso.
Em Parintins
E Parintins, AM, como vai? Lá se enfrentam o Caprichoso e o Garantido! E as torcidas rivais que se conflitam? Não!!! Aqui temos um fato extraordinário que, se brota da força da lei ou da elegância do bom senso, vale a pena ser divulgado pelo mundo afora! Grupos diferentes na mesma arena contemplam a beleza do azul e do vermelho! Ambos são liderados pelo respeito e admiração recíproca! Xingar é proibido, vaiar não se cogita, prejudicar é impensável, desdenhar, jamais! Isso é fantástico! Sim, quem disse que o lúdico não tem regras? Quem disse que na vontade de vencer, vale tudo? Quem disse que na arena, na tribuna livre, no palco, no estádio, na praça, sambódromo ou no bumbódromo tudo vale?
O comportamento das torcidas durante o espetáculo, que congrega na harmonia diferentes desejos e partidos, histórias e méritos, deve ser difundida como profecia de uma sociedade sem “guerra”, sem intolerância, sem preconceito, sem desprezo pelo diferente! É a utopia de uma sociedade educada onde o desrespeito à lei por um indivíduo, gera dor e peso para todos! É sonho realizado de uma sociedade vigilante onde quem gostaria de fazer o mal, não encontra espaço nem apoio porque é abafado pela atitude ética da maioria! Parabéns!
Então, Caprichoso ou Garantido? Quem é o melhor? Se aprendermos a lição desta reflexão, somos chamados a “ser” os dois! Pois na vida é necessário “caprichar” e “garantir” desde cedo!
Caprichar e garantir
Caprichar no estudo, para garantir uma boa cultura;
Caprichar na seriedade, para garantir o respeito;
Caprichar na honestidade, para garantir a ética;
Caprichar na atenção, para garantir a compreensão;
Caprichar na formação, para garantir o reconhecimento profissional.
Caprichar na disciplina, para garantir o sucesso;
Caprichar na prudência, para garantir a segurança;
Caprichar na convivência, para garantir a boa estima;
Caprichar na comunicação, para garantir o entendimento;
Caprichar na hermenêutica dos fatos, para garantir a ampla visão da história.
Caprichar no perdão, para garantir a paz interior;
Caprichar na acolhida, para garantir o caminho da amizade;
Caprichar na “firmeza e ternura”, para garantir o equilíbrio;
Caprichar na generosidade, para garantir um grande coração;
Caprichar nas coisas “bem feitas”, para garantir a liberdade responsável.
Enfim, somos todos chamados a caprichar em sonhos audaciosos de uma sociedade mais justa e harmoniosa para garantir a paz social. Caprichoso, Garantido, torcedores, competidores, combatentes todos … eis uma lição para o mundo! Oxalá a harmonia da arena se transforme numa realidade globalizada na Amazônia, no Brasil e no mundo.
Este texto foi resultado de uma reflexão com os alunos quando o padre Antônio de Assis Ribeiro era diretor do Colégio Dom Bosco de Manaus, em 2008.
A reflexão se faz atual com o Festival Folclórico de Parintins 2017, realizado nos dias 30 de junho, 1º e 2 de julho. Neste evento tradicional da região amazônica, que reúne cerca de 100 mil pessoas todos os anos, dois grupos de bois-bumbás – o Caprichoso (azul) e o Garantido (vermelho) - encenam as lendas locais, com alegorias, cantos e dança. Cada Boi tem cerca de 3.500 brincantes e as arquibancadas do Bubódromo (a arena em que ocorrem as apresentações) são claramente divididas entre as torcidas azul e vermelha.
O Festival Folclórico de Parintins nos moldes atuais foi criado em 1965, mas os bois Garantido e Caprichoso existem desde 1913. O espetáculo dura três dias e, ao final, um júri escolhe o vencedor. Durante o festival um torcedor não deve pronunciar o nome do boi concorrente, chamado sempre de “boi contrário”. Vaias, gritos ou qualquer outro tipo de manifestação da torcida quando o “contrário” se apresenta pode resultar em perda de pontos para o seu próprio boi. A “disputa”, portanto, é sempre feita em clima fraterno.