Dom Bosco e padre Costamagna estavam viajando de trem. Na estação de Piacenza (Vêneto) embarcaram três indivíduos: um clérigo, um tabelião, que se colocou do lado onde estava Dom Bosco, e um caixeiro-viajante. Padre Costamagna sentava em frente a Dom Bosco, de maneira que seus joelhos se tocavam.
O caixeiro-viajante, tirando um jornal, comentava uma notícia sobre a cura do Conde Chambord com o simples oferecimento de uma flor por uma jovem.
– Me desculpe senhor – lhe respondeu o tabelião – mas o fato não foi assim.
– Mas, como? A notícia é dada como certa pelos jornais. Quem, então, o curou?
– Dom Bosco de Turim, com sua Nossa Senhora.
Dom Bosco, então, com seus joelhos tocou os de padre Costamagna, sorrindo-lhe. Ao mesmo tempo, padre Costamagna respondeu do mesmo jeito, como se dissesse que estava esperando uma bela cena.
O trem retomou a viagem. Logo surgiu uma disputa entre o tabelião e o caixeiro-viajante, que era belga. Padre Costamagna ficou com os ouvidos atentos, a fim de acompanhar como podia a discussão.
Pela conversa do tabelião, percebia-se que era católico e apreciava muito Dom Bosco. Ao contrário, o belga parecia ser incrédulo. Na verdade, negava que Dom Bosco tivesse curado o Conde, chamava-o de impostor e embrulhão, e dizia ainda que era superstição acreditar nesses milagres e nessas curas...: – Enfim, o que é a bênção de um padre? O que é um padre? Um homem como qualquer outro!
O tabelião, por sua vez: – Está em contradição, senhor. Diz que não acredita em Nossa Senhora e depois acredita num ramalhete de flores. Não crê em Dom Bosco, mas o poder que nega a Dom Bosco, o atribui a uma menina. Entre crer e crer, prefiro a minha crença do que a sua.
A discussão terminou. Todos ficaram em silêncio. Aí, padre Costamagna, com a permissão de Dom Bosco, dirigiu-se ao escrivão: – Pelo que parece, o senhor admira muito Dom Bosco.
– Oh, sim! Eu o estimo muito. É um homem que fez muito bem à juventude pobre.
– Conhece-o?
– Pessoalmente não. Porém conheço-o através de sua fama. Li seus livros, vi suas casas na França...
– Fico muito satisfeito que o senhor admire tanto Dom Bosco; contudo, lhe digo que não conhece ainda tudo o que Dom Bosco merece. Veja, viajei três mil léguas, venho da América somente para ver Dom Bosco.
– Da América?
– Isso mesmo. Sou um de seus filhos; desde pequeno entrei em seus institutos. Meu pai havia morrido. Ele fez as vezes de meu pai, dando-me comida e educando-me.
– Foi grande sorte para o senhor.
– E essa felicidade foi dividida comigo por muitíssimos outros. Pode-se afirmar que em cada cidade da Itália há alguém que recebeu algum favor dele, quando era menino, e ele continua sempre a realizar o bem para a juventude. Então, o senhor nunca o viu?
– Nunca.
– Desejaria vê-lo?
– Mas, é claro, com todo o prazer. Quem não quereria bem a esse homem? Garanto-lhe que sempre tive a maior veneração por ele.
– Pois bem, quase tenho a tentação de lhe mostrar Dom Bosco.
– Poderá me mostrar uma fotografia dele.
– Oh, não! Sua fotografia não, mas ele em pessoa.
– Então seria preciso que me levasse a Turim. Porém, nesse momento meus negócios me impediriam. Contudo, irei com muito prazer!
– Não quero levar o senhor a Turim para ver Dom Bosco.
– E, então, como?
Dom Bosco, sereno, com um sorriso que mal se percebia, acompanhava o diálogo. O clérigo e o belga intrigante, não perdiam uma palavra. A este ponto, padre Costamagna falou ao escrivão: – Eis aqui Dom Bosco.
A estas palavras, os três passageiros, como que jogados por uma mola, saltaram de pé caindo de joelhos. O belga, de mãos juntas, dizia: – Pardon! Oh, bom Deus, que surpresa! Perdoe-me minhas incautas palavras!
Era comovente a cena. Dom Bosco disse: – Não é nada. Não estou ofendido; levantem-se.
Saudando-os, deixou-lhes uma lembrança sua: algumas medalhas de Maria Auxiliadora para cada um.
– Obrigado, obrigado! exclamava o belga. Oh, eu amo Nossa Senhora, sim. Veja – e puxou uma medalha que trazia ao pescoço – foi minha mãe que m’a deu quando era pequeno. Sempre a carreguei comigo. Ela me livrou de todos os perigos, especialmente durante uma horrível tempestade, numa viagem à Índia. Naufragamos, mas pude ser levado a salvo... mas, o senhor, Dom Bosco, é verdade que tem muitos colégios e muitos jovens para alimentar?
Dom Bosco lhe descreveu em poucas palavras a grandeza de sua obra.
– Porém, o senhor deve ser muito rico, deve ser milionário!
– Eu nada possuo.
– E como é possível, nada possuindo, manter tantos colégios?
– Nossa Senhora é que os mantém.
– Perdoe-me, mas não entendo. Não é possível; são piedosas fantasias ... Hoje dar a entender ajudas do céu... já passaram esses tempos em que... Mas, chega: eu também quero participar com o que posso para auxiliar o senhor em suas obras. Pegue esta pequena oferta – era uma moeda de ouro de vinte francos.
Dom Bosco agradeceu e, sorridente, acrescentou: – Observe bem. O senhor mesmo está respondendo às objeções apresentadas pouco antes. Assim como Nossa Senhora moveu seu coração para ajudar-me, da mesma forma ela move o coração de milhares de outros para que venham em socorro de nossos jovens.
Ao se despedirem, o belga quis trocar o cartão de visitas com Dom Bosco, prometendo que ao passar por Turim, iria lhe fazer visita.
Padre Osmar A. Bezutte, SDB, é revisor da nova tradução das Memórias Biográficas de São João Bosco (Editora Edebê).